segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A ARTE DA LIDERANÇA





Dedicatória


Para todos os que me ensinaram a viver, com seus
conselhos, o modo de se relacionar e resolver problemas.

Gilberto Peres, Sônia Trevisanuto e
Cláudia Milagrosa da Silva,




Índice

O autor
Introdução à segunda edição
Introdução geral
Alcateia - Paraíso Terrestre

CAPÍTULO I - O LOBO ALFA LINO

Preparativos finais para a posse de Lino
O discurso de Lino
Ao anoitecer de mais um dia
A Nova Lei
Lado positivo da administração de Lino
O governo da agressividade
O desafio maior
Avanços e retrocessos no governo de Lino
A ferro e fogo: declínio à vista
Os últimos dias de Lino como chefe da alcateia Além-mar
A escolha do novo Lobo Alfa
A conquista
Finalmente, a vitória de Davi

CAPÍTULO II - UM NOVO LÍDER: O LOBO ALFA DAVI

Discurso do lobo alfa Davi
Um novo dia na administração de Davi
Uma administração para todos
Um jeito novo de ser o primeiro
Pleno apogeu
O segredo da convivência
Liderança de Davi
Reunião sobre o trabalho
As jovens lobas-mães
Avanços e retrocessos
Decadência e fim da administração de Davi

CAPÍTULO III -CRISPIM – O NOVO LOBO ALFA

O discurso do Lobo Alfa Crispim
As amizades de Crispim
As qualidades de Crispim
O segredo da administração de Crispim
Sinais positivos da administração de Crispim
Lobos avarentos
Avanços e retrocessos
Críticas sobre a atuação dos Lobos Alfa
Mensagem final
Sabedoria Lunar


O AUTOR

A arte de administrar e influenciar pessoas, bem como a solução dos problemas, desperta interesse em muitas pessoas. Desde cedo, aprendi a conquistar o mundo do relacionamento, tendo como meta, ajudar as pessoas a crescerem na arte da convivência. Minha missão é ser instrumento de unidade entre as pessoas.
O presente trabalho desenvolve um tema que vai ajudálo a resolver os grandes desafios de sua vida.
O objetivo do livro é apresentar ao leitor três tipos de pessoas e critérios de ação para a resolução de tantos problemas. Existem grupos de pessoas que são mais racionais, outros, porém se apoiam mais na força do coração e, finalmente aparecem o grupo dos intuitivos.
O ser humano não pode ser “poltrone”, “mangione” e “testione”. Estes três defeitos são causa de desequilíbrio. Não podemos ser acomodados (poltrone), preocupados somente com os prazeres da vida (mangione) e sermos agressivos (testione). A razão, a emoção e a alma deverão estar em sintonia. O “poder”, o ter” e o “prazer” são realidades a serem vividas de modo equilibrado. O poder deve ser vivido numa perspectiva de serviço, o prazer equilibrado e os bens partilhados.
Independente da cultura, religião e sexo, a pessoa deve aprender com o seu semelhante, consigo mesmo, com o mundo, e com o ambiente em que vive. Nascemos para conhecer. Por isso, apresento-lhes esta fábula, a fim de que todos possam ser motivados a mergulhar corajosamente no oceano misterioso do conhecimento. Eles nos ensinarão a arte da coragem, da acolhida e da sabedoria.
Se analisarmos bem o comportamento das pessoas, descobriremos certos hábitos e modos de agir. O importante é que todos saibam escolher atitudes que promovam a vida e o bom relacionamento entre todos, pois há no coração do ser humano o desejo de viver em harmonia. Tais atitudes facilitam o acesso ao conhecimento dos segredos da liderança e da vivência em sociedade.
Liderar pessoas, administrar comunidades, resolver problemas não são tarefas fáceis. Com a ajuda do Criador, poderemos progredir na arte do bom relacionamento. Em tempo, este livro não abordará nenhum tema religioso, apenas a referência ao Divino, simbolizado pela sabedoria lunar. Desta maneira, o leitor poderá ler tranquilamente. Ele foi escrito para todas as idades e para todos, sem distinção de raça, partido político, religião ou confissão religiosa.
Agradeço a Deus e as pessoas que cruzaram meu caminho. Agradeço de modo especial àquelas que discordaram de mim quando minhas ideias e planos não foram os melhores. Obrigado às pessoas que souberam ouvir meus conselhos e produziram bons frutos para suas vidas, suas famílias, empresas e comunidades.
Seja bem-vindo a esta grande aventura. Por meio dos lobos Lino, Davi, Crispim e seus auxiliares você vai compreender melhor sua identidade e saberá relacionar-se com as pessoas que pensam e agem diferente de você.

INTRODUÇAO À SEGUNDA EDIÇÃO

Depois de seis anos do lançamento da primeira edição do livro “Alcateia”, o público poderá adquirir esta obra numa versão ampliada.
Aceitei as críticas de alguns leitores em relação ao primeiro e ao último líder da Alcateia. O primeiro acabou levando fama de malvado e o que mais sobressaiu foi o lado negativo. Os lobos alfas Davi e Crispim reconheceram a grandeza de Lino, porém houve exageros em relação à agressividade com que ele resolvia os problemas e se relacionava com os lobos. Nesta edição evidenciarei o lado positivo de Lino, sobretudo o aspecto da determinação e da firmeza de caráter. Confesso que na primeira edição identifiquei-me com o segundo personagem, a tendência natural foi a de elevar as virtudes do segundo lobo, deixando o primeiro e o terceiro lobo alfa em desvantagens.
Outra crítica muito interessante foi a de mostrar serviço, criar um laboratório que pudesse colocar os líderes em ação. Por isso foram acrescentadas algumas falas e desafios enfrentados pelos lobos alfas.
Foi acrescentado no primeiro capítulo o texto “As marmeladas selvagens”. O modo de atuação de Lino foi o de cortar o mal pela raiz. Os sonhos, os ideais, a inteligência e a capacidade de ajudar os lobos a perceberem os problemas sem muito rodeio, foram méritos de Lino.
O lobo alfa Davi teve mais oportunidades de aconselhar os lobos e a resolver o problema das “Jovens lobas mães”. Muitas lobas davam crias e não sabiam caçar e garantir o sustento para si e seus filhos.
O lobo Crispim não atuou tanto na primeira edição. Por isso, na segunda edição teve que trabalhar mais. O desafio enfrentado por Crispim foi o de resolver o problema do consumismo.
Os três desafios dizem respeito ao problema da droga, da gravidez na adolescência e do consumismo que geram desequilíbrio para toda a sociedade.
O texto ficou mais encorpado e o leitor poderá sonhar em ser o quarto lobo. Como dizia um grande amigo meu: quero ter a determinação de Lino, a flexibilidade de Davi e a sabedoria de Crispim.
Então deixo este grande desafio. Vamos juntos aprender com todos eles. Depois, construir uma identidade forte e sermos líderes excelentes nas diversas áreas de atuação.

Introdução geral

Uma alcateia sem líder é um desastre, porém quando dois ou mais lobos mandam ao mesmo tempo, o desastre ainda é maior. Liderança é requisito essencial em qualquer forma de vida animal. Mas o que é mesmo liderança? Trata-se de um modo de governar sabiamente, a fim de alcançar os objetivos que mais interessam à organização. Quando os objetivos não são atingidos, quando a alcateia não mais consegue sobreviver, automaticamente, surgem novas lideranças para conseguir melhores resultados.
Tudo nesta vida exige organização. Tudo o que respira, deseja ser um grupo organizado. Os animais vivem em bandos, cardumes, matilhas, rebanhos; os peixes em cardumes; e assim cada espécie tem seu modo de sobrevivência.
O homem muito aprende com os animais, o modo de viver deles, a forma de procurar a comida e de se defender. O livro Alcateia é uma tentativa de envolver o ser humano na aventura que se chama liderança, apresentando tipos diferentes de administração.
Tome consciência de seus defeitos e procure acertar o passo. Multiplique suas qualidades e tente liderar com segurança, seja a sua família, sua empresa ou a própria vida pessoal. A mãe poderá ser uma grande líder em casa, desenvolvendo a arte do relacionamento familiar. O pai fará de tudo para exercer sua paternidade, sendo líder de seus filhos e de seus atos. Os filhos poderão aprender a serem líderes nas pequenas coisas: em seus estudos, na administração dos bens, em suas amizades, em seus pensamentos e em seus sentimentos.
Na verdade, todos somos líderes. Ou lideram pessoas ou lideram a si mesmo. Quem não sabe e não se interessa pela arte da liderança, acabará sendo liderado, dominado e explorado pelos outros.
A liderança de uma alcateia cabe ao Lobo Alfa, ou seja, aquele que dá as ordens. O líder é o mais respeitado, é o mais forte e “inteligente”, é aquele que conhece os segredos da administração.
Existem várias formas de lideranças. Através da figura dos lobos, você conhecerá alguns modos de administração. Procure identificar o seu estilo de ser com algum dos lobos apresentados pelo autor. Quem sabe um dia você também poderá ser um Lobo Alfa, líder de uma grande organização.
O primeiro estilo de administração prioriza a força da razão. Lino era um lobo inteligente. Sua administração trouxe muitos benefícios, porém, foi reprovado no teste da diplomacia. Ele elaborou a lei com perfeição. Colocou ordem na casa e foi reconhecido pelas gerações futuras como o lobo cerebral.
A segunda organização foi comandada pela alegria e pela simpatia de Davi, um lobo ágil e flexível. Moderado em seu falar e dócil no agir. Tinha fama de ser o melhor líder que houve em todas as alcateias. Ele sabia conquistar o coração de seus companheiros. Não era agressivo, ao contrário, pacificador.
Para finalizar, surge outro grande lobo chamado Crispim. Era intuitivo e gostava muito de cultivar os segredos da sabedoria lunar. Muitos diziam que ele era um bonachão. Tudo para ele tinha sentido. Ele era um grande sábio e usava sempre sua diplomacia para ajudar os seus súditos a resolverem tantos problemas. A prudência era uma das virtudes mais apreciadas por ele. Seus movimentos eram calculados para não gastar suas preciosas energias sem necessidade. Crispim foi um dos melhores lobos alfas para a alcateia, em matéria de relacionamento.
O livro alcateia tem como mística a sabedoria lunar. O objetivo é alertar as pessoas que não podemos confiar apenas em nós mesmos. Dependemos de uma lei, de um plano de governo e de uma orientação universal que defina princípios de vida para melhor vivermos em harmonia. Espero que o leitor saiba compreender os melhores modos para viver a arte do relacionamento e da resolução dos problemas. Fique atento para não perder o foco. O livro Alcateia foi escrito para quem deseja ter um conhecimento geral em resolver os problemas de maneira ordenada. Por isso, caso a leitura seja interrompida, retorne um pouco a leitura para compreender melhor os ensinamentos sobre a arte da liderança.
Vamos juntos iniciar esta grande aventura. Boa viagem!

Alcateia - Paraíso Terrestre

Localizada nas terras férteis à beira do Rio do Peixe, o Paraíso terrestre era rico em matas e cerrados. A flora e a fauna ofereciam condições favoráveis para que surgissem animais selvagens. Infelizmente, essa região foi devastada pela plantação de lavoura. O milho e a soja ocuparam grande parte do território. As matas foram reduzidas ao mínimo do que a lei determina como reserva ecológica. O progresso trouxe novas condições de vida para os moradores das terras de Minas de Ouro, mas, hoje, este paraíso terrestre se vê ameaçado pela criação de gado e pelo aumento das lavouras.
No passado, não muito distante, havia muita fartura de peixes nos rios e os animais, embrenhados nas matas, faziam a festa. As onças, macacos, veados, jacarés, pacas, capivaras, lobos, raposas e uma variedade enorme de aves embelezavam esse paraíso. Hoje, o que se vê são minguados grupos de aves e animais espremidos entre a “civilização” e um bocado de árvores que não mais servem para se esconderem dos predadores, entre eles, o mais cruel: o próprio homem.

CAPÍTULO I - O LOBO ALFA LINO

Com o fim do governo do Lobo Alfa Cris, surge um novo líder. Ele veio de longe, entusiasmado pelo poder e pela mania de grandeza, esse lobo tinha uma capacidade ímpar para resolver problemas. Sua fama se espalhou pelas montanhas e vales da região como nunca antes se ouvira falar. Ele era fantástico e, ao mesmo tempo, assustador. Por inveja ou por medo, os membros de sua Alcateia acharam por bem incentivá-lo a seguir um novo caminho. A ideia de que Lino fosse promovido, seria a saída perfeita. Com uma ajuda da Rainha Zezé, em poucos anos, tudo estava resolvido. Muitos não mais o suportavam, sobretudo, aqueles que desejavam apenas sombra e água fresca. Ele tinha mania de perfeição e almejava grandes postos de chefia. Seu interesse pela administração era doentio. Lino era um lobo negro e em sua cabeça, havia uma estrela branca. Era, de fato, predestinado a ser um grande revolucionário. Apesar de alguns lobos reclamarem do modo como Lino se relacionava com os membros da Alcateia, havia lobos que o aprovavam e o incentivavam sempre mais.
Existe um velho ditado que diz o seguinte: “quando se quer conquistar uma posição numa organização, o caminho certo é a luta”. O poder fascinava Lino de tal modo que ele não conseguia dormir durante o dia. Vivia aperfeiçoando suas qualidades de bom caçador e procurava ser boa figura no trato com os outros lobos. Ele mesmo disse que faria de tudo para ser o novo chefe da Alcateia.
Naquele tempo, foi eleito um de seus colegas para ser o chefe de uma alcateia vizinha. Lino ficou inconformado e questionava a todos: “Por que escolheram Zenão e não a mim?” Por alguns meses, refugiou-se numa alta montanha, lá passou um tempo aprendendo novas técnicas de caça, a fim de crescer na arte da liderança. Aconselhado pelo lobo Torpedo, Lino se recompôs e, de volta à organização, assumiu um elevado posto, junto ao secretariado da Alcateia.
Por um espaço de tempo, Lino surpreendeu a todos. Era tão manso que mais parecia uma ovelha. Todos admiravam sua atitude, mas muitos desconfiavam que um dia seria promovido. Ele era realmente oportunista. A Rainha Zezé contou uma vez, por ocasião de sua visita à Grande Assembleia, que os lobos tinham um grande temor a Lino. Se não era possível conquistar os lobos por suas qualidades de bom caçador e defensor do território, usava o seu potencial contra os inimigos. Seus uivados eram assustadores. Em qualquer disputa Lino agia como se estivesse numa luta de campeonato. Era agressivo a ponto de afastar até mesmo seus melhores amigos.
O governo de Cris foi marcado pela segurança e pelo conforto. Um problema intestinal ceifou a vida do grande Cris. Em seu lugar, como administrador eventual, coube a Luca, um lobo cheio de bons propósitos, mas desorganizado e sem muita inteligência. Alguns meses após a morte de Cris foi escolhido o novo Lobo Alfa. Quanto a Luca, assim que chegou o novo Lobo Alfa, foi chamado a exercer um cargo de confiança, porém ele preferiu o convívio dos antigos amigos que foram tentar a sorte noutras alcateias. Acostumado com a administração de Cris, Luca não se encaixou no modo de administrar do novo Lobo Alfa.
Em matéria de diplomacia, Cris foi uma referência para todas as alcateias. Sua própria abertura de coração e a capacidade de ver o invisível renovaram o mundo da liderança. Ele era formado em diversas línguas, tinha o hábito de concentrar-se naquilo que estava fazendo e não fazia tudo de uma só vez. O segredo de sua diplomacia estava na capacidade de passar noites e dias estudando sobre determinado problema. Era perseverante na arte de colecionar livros, artigos, tendo, junto de si, uma enorme biblioteca, sem contar com a capacidade de dialogar e reter as melhores respostas das constantes perguntas dirigidas a todos. Com humildade, não desprezava nada. Acolhia a todos e, todo material recolhido, se transformava em fonte de estudo. No final, sempre tirava belas e acertadas conclusões.
A confirmação de Lino era esperada pela maioria dos lobos. E muitos estavam convictos de que seria uma administração mais dinâmica, a fim de espantar o marasmo e o comodismo deixado pelo antigo líder Cris. Ninguém ousava dizer algo de mal do famoso Lobo Alfa Cris, porém, seu excesso de bondade trouxe alguns problemas para toda a Alcateia. O governo de Cris foi marcado pela simpatia, ternura e afabilidade. Muitos lobos apostavam numa liderança mais radical. Após um período curto de tempo, os representantes do Grande Conselho elegeram Lino como o novo administrador da Alcateia.

Preparativos finais para a posse de Lino

Eis que se aproxima o novo chefe! Ao ouvir o uivado de Tico, encarregado da guarda diurna, todos entram na Caverna, no topo da montanha, para recepcionar o novo chefe. Lino entra na toca onde os seus futuros subordinados o esperavam ansiosos e com tamanha preocupação. Alguns temiam que o novo líder fosse um desastre para a Alcateia. Críticos apostavam num declínio próximo. Não faltavam os otimistas, que esperavam renovação. Naquela época, muitos fazendeiros haviam comprado armas e munições. A guerra contra os lobos estava lançada. Em menos de um ano, a Alcateia perdeu dois grandes membros, vítimas de emboscadas e bolotas de chumbo. O antigo líder do grupo foi-se embora, deixando para trás inúmeros problemas. A Alcateia estava dividida. Antes de receber o novo líder, eis que dois concorrentes resolveram abandonar o grupo, foram para outras montanhas, não se afinando com a fama do novo chefe da organização. Lino tinha fama de centralizador, queria resolver todos os problemas de uma só vez. Bora disse: “ouvi dizer que o seu desejo não era ter boas amizades, apesar de lutar com unhas e dentes para ter todos na palma da mão”.
É sempre assim, quando se inicia uma nova etapa na Alcateia, tudo muda de figura. Parece até que os alicerces da Alcateia tremem de medo, diante do mistério de uma liderança. A novidade traz sempre uma dose de suspense e desconfiança, porém surge a esperança de um novo tempo. De tempos em tempos, novas possibilidades de crescimento.

O discurso de Lino

No primeiro discurso, assim como fazem tantos políticos, a esperança brilhou no rosto de cada lobo. O Lobo Bora, responsável pela cerimônia de posse, incentivou os presentes a manifestarem o consentimento e saudarem o novo líder com uivados ensurdecedores. Naquela noite de lua cheia, algo revolucionário estava para acontecer. A posse do Lobo Alfa era assistida por todos os animais de hábitos noturnos. Acompanhavam, com seus gemidos e descontentamentos, aves e pequenos animais em seus ninhos e tocas.
Toda a Alcateia, dos lobos mais jovens aos mais velhos, estava ali, diante do novo líder. Preparados para ouvir um longo discurso, muitos lobos comentavam entre si: “Lino é exagerado demais. Eis que este vai ser o primeiro sacrifício. Haja paciência!”. Enquanto ainda comentavam entre si, aproximou Lino para o primeiro ato como Lobo Alfa.
Depois de olhar atentamente ao seu redor, como um sinal de contentamento, tirou do bolso de seu terno impecável um papel dobrado. Era o seu primeiro discurso a ser proferido na presença de seus súditos:

Lobos e lobas, escutais o que eu tenho a vos dizer: vivemos numa época difícil. Aumentou o número dos lobos, dos predadores e concorrentes. Nossa Alcateia é modelo para as demais, há muito tempo eu pensava em ser chefe. Agora que esse desejo se tornou realidade, acho que devemos despedir alguns que não estão de acordo com nossa organização. Não será tolerado nenhum predador em nosso território. Montarei uma guarda permanente em todo o território. Premiarei os guardas que eliminarem tais predadores e eliminarei aqueles que não forem fiéis às minhas ordens. Qualquer atitude que seja arbitrária ou que represente divisão será punida. Saibam que, nesta Alcateia, existe apenas um chefe. Não permitirei que nenhum de meus súditos deem uivados mais altos que os meus. Cada um coloque a pata na consciência e não seja cabeça dura. Sou eu o chefe de vocês.
Eu sei que vai causar um transtorno, mas é preciso iniciar com medidas um pouco severas. Quando mudamos de habitação, necessitamos cuidar do ambiente, adaptá-lo segundo as exigências que produzam harmonia e paz. “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Vamos à luta! Que os lobos frágeis sejam fortalecidos, que os fortes saibam usar suas energias, que a divisão desapareça de nossa Alcateia. Que todo o comodismo seja banido, que nada seja feito às pressas e que tudo seja fruto de um plano. Não quero que ninguém se mate trabalhando em prol da Alcateia, apenas, desejo que os trabalhos sejam realizados. Com um pouco de esforço de cada um, viveremos com respeito e dignidade.
Não permitirei que haja lobos preguiçosos, comilões e cabeçudos. Quando eu tinha apenas seis meses, todos me consideravam como um grande caçador. Ouvi dizer que há entre vós, lobos oportunistas que lucram com o trabalho alheio. Comigo é assim: “quem não trabalha, não tem o direito de comer”. Há entre vós, lobos que devoram as suas próprias crias. Isto é um absurdo! Saibam que vou defender a todos, contando que sejam obedientes às minhas normas.
Em alguns meses, conhecerei a todos vocês. Quero saber o nome e as qualidades de cada um. Quero saber os sonhos, os segredos, os medos e as inquietações de cada lobo. Somente assim, poderei escolher meus colaboradores, formar o meu conselho para que todos possam sair ganhando. Não estranhem se um lobo perder o posto antigo ou se receber um ofício inferior à sua própria capacidade. Deem as suas sugestões. Vou deixar aqui bem perto de minha toca uma caixa para que vocês coloquem suas sugestões. O que deve ser mudado? Quais os cargos e ocupantes que devem ser mantidos nos antigos postos e quais devem ser trocados? Nem sempre um bom líder, que exerce uma determinada função com sabedoria, deve ser premiado com um cargo mais elevado. Pode ser que perderemos um bom líder numa área e ganharemos um péssimo líder em sua nova função. E não se esqueçam! A escolha de meus colaboradores diretos será feita por mim. Aceito sugestões, mas a última palavra é minha. Aqui eu sou a lei!
Entre os membros de meu conselho, não permitirei a participação daqueles que não têm iniciativas. Meus colaboradores serão aqueles que estão sempre abertos ao novo, que fazem de sua vida uma escola de aprendizagem. Pedirei que afastem de mim e também da Alcateia todos os lobos e lobas que não têm grandes sonhos. Serei radical em defender a verdade. Odeio fingimento e mentira. Prometo ser fiel a este cargo a ocupar. Serei mestre e amigo, instruirei a todos. Terei o prazer de lhes ensinar com carinho e seriedade. Sejamos verdadeiros e nos ocupemos daquilo que é de vital importância para nossa Alcateia.
Criarei meu modo de governo e exigirei fidelidade de todos. Usarei o meu poder com força e, ao mesmo tempo, farei de tudo para não perder a ternura. O meu poder é serviço, entrega e doação. Não pense que estou à frente da Alcateia para ser servido. Eu mesmo darei a vida por cada um de vocês. Saibam que não governo uma organização democrática. Eis que esta Alcateia tem um líder. Este líder tem nome. Ele se chama Lino Luar das montanhas de Além mar. (o discurso foi interrompido com uivados ensurdecedores).
No primeiro parágrafo do livro “Sabedoria lunar”, está escrito: “Insista nos absolutos!”. A falta de referencial leva qualquer organização para o fundo do poço. São muitos os aprendizes da sabedoria lunar, porém, poucos sabem ser discretos e prudentes. A arte da caça depende de um plano. Aqueles que querem enfrentar os perigos sozinhos têm seus dias contados. A união faz a força. E, de modo algum, permitirei individualismo no grupo. Se houver caso de corrupção, saibam que os infratores serão punidos imediatamente. Se persistirem no erro, serão dispensados da organização. “Não permitirei escândalos enquanto eu estiver no poder!”.
Vejam, meus súditos! Não estou prometendo dias fáceis em minha administração. Mas, saibam que os frutos de minha liderança serão saborosos. Bastam ter paciência e coragem para, juntos, deliciarmos das novas conquistas. Quando eu escolher meus colaboradores, pedirei a eles que façam planos. Durante o dia, eles se reunirão em pequenos grupos para programar os ataques da noite seguinte. Quando o sol se esconder, que todos estejam reunidos para as últimas coordenadas.
Quando iniciarem o ataque, escolham as presas mais fáceis. Não sejam autossuficientes, se conhecem algum lobo mais preparado e ligeiro para tal ofício, deixem o cargo para ele. Deixar o outro fazer o que você mesmo pode fazer com perfeição é covardia, mas ocupar o lugar de quem é mais preparado que você é uma grande tolice. Que todos aprendam a arte de trabalhar juntos. Não deem ouvidos a muito blá-blá-blá. O importante é a atitude concreta. O reconhecimento de seu trabalho não está no elogio dos outros. Sejam bons em tudo que fizerem. Não esperem aplausos em tudo o que fizerem.
A gratidão é uma virtude que não pode faltar em nossa Alcateia. Lembre-se de que nossas conquistas serão frutos do esforço de muitos. Não se isolem uns dos outros. Sejamos unidos!
Não permitirei bajuladores. Cuidado com as críticas. Quando você estiver no poder, você poderá fazer do seu jeito. O orgulho e a teimosia não levam a nada. Às vezes, é necessário retirar-se. As repreensões serão bem-vindas para todos. Saibam que a posição melhor que aprecio são as dos lobos ômegas. Eles estão sempre no último lugar. São sempre fiéis às ordens de seu chefe. Desejo que todos sejam, no meu governo, lobos ômegas. “Quem obedece, não erra!”
Quando tudo vai bem é porque tudo vai mal. Odeio quem esconde problemas! Odeio fingimentos! Saibam que cortarei o mal pela raiz. Sou tolerante até no momento em que alguém pisou no meu calo. Sou como uma serpente venenosa. Todo aquele que fizer algo que comprometa minha moral não passará por mim, sem que eu os fira com meu veneno mortal.
Planeje a sua noite junto com o seu grupo. Seja esperto e inteligente. Resista à tentação de fazer coisas espetaculares e concentre-se no essencial. Não tem que fazer o que o outro faz. Aprenda a ser diferente, mas sempre em sintonia com o grupo. Seja equilibrado e coloque muita força numa única direção. Aprenda a correr risco sem ser imprudente.
Quando conquistares seus objetivos, não seja hipócrita, não seja arrogante. Deixe que o seu trabalho fale por você. Dê o seu testemunho. Não permitirei que alguém critique por criticar. Entenda bem este provérbio: “Só tem direito de criticar quem pode ajudar”.
A motivação é a alma de minha organização. Quem perde o entusiasmo está fadado a destruição de si e de seu grupo. Farei o possível para reconhecer o trabalho de todos, sem utilizar o aplauso ou os puxões de orelhas. Mas, não se esqueça, sem minha liderança, poderá a organização se dividir, enfraquecer e sucumbir. Saiba que todos são importantes.
Quando surgirem grandes problemas, quando aproximarem nossos inimigos, nada de pânico. Cada um saberá se defender, segundo as regras do livro “Sabedoria lunar”.
Quando um lobo é punido, ele fica chateado e poderá me chamar de quadrado, mas não arredarei o pé diante de minha posição. Minha posição deve ser respeitada a qualquer custo.
Muitos dizem que eu sou exagerado em minhas colocações, menos emotivo e frio. Saiba que eu paguei o preço para estar onde eu estou. Desde pequeno, tinha o grande desejo de estar aqui. E, se estou neste lugar, é porque fui considerado digno, por isso me respeitem como seu legítimo chefe.
Gosto de comida boa, não venham com restos de caça para me agradar. Detesto também lobos cabeçudos que desejam dar ordens em meu lugar. Nesta hora, não ouço conselho de ninguém.
“O cachorro que late é aquele que ganhou a pedrada”. Então, fique alerta. Não faça nada que possa ser motivo de punição. Os que são obedientes tornarão meus amigos íntimos.
Para finalizar, gostaria que cada um de vocês levasse para casa estas perguntas: O que eu posso fazer pela Alcateia? O que eu devo fazer pela Alcateia? O que eu quero fazer pela Alcateia?
As respostas me ajudarão a elaborar um código de leis para ser usado em minha administração.


Ao anoitecer de mais um dia

No segundo dia, após o primeiro discurso de Lino, seis lobos não aguentaram a pressão. Eles foram para outras montanhas. O primeiro deles achou que o novo líder tinha mania de grandeza. Achou que o seu nariz era, de fato, muito inclinado para cima. O segundo não achou graça no primeiro discurso, assustado, com o olhar arrogante do novo chefe, foi-se embora. O terceiro achou que o discurso foi muito longo e não estava disposto a ouvi-lo uma série de vezes. A quarta era Luna. Ela notou que o discurso era muito técnico e frio, suspeitou que, em poucos dias, tivesse problemas de relacionamento com o novo chefe e também foi embora. O quinto achou que o discurso de Lino não deixava uma brecha para o modo de como ele vivia na antiga organização. Esse também procurou outros caminhos. Finalmente o sexto lobo, assustado com a retirada de seus irmãos, foi com eles tentar uma nova vida numa outra organização paralela.
O tempo foi passando e, pouco a pouco, a Alcateia foi-se modificando. Com a escolha do novo secretariado, alguns dos seus súditos estranharam certos nomes da lista. Havia um lobo chamado Tim-Tim. Ele era odiado pelos companheiros, por ser falso e enganador. A esse coube a tarefa de ser o secretário particular do novo chefe. Infelizmente, teve que ser demitido, quando Lino viu as peripécias do então colaborador de sua confiança. Desapontado, o novo chefe começou a notar que teria sérios problemas com a organização senão iniciasse um trabalho de recrutamento de novos lobos do grupo. Ordenou que fosse realizada uma reunião extraordinária. Era meia-noite. O Lobo Alfa, com o seu uivado conhecido pelos súditos, se fez ouvir além dos limites de seu território. Motivo da reunião: recrutamento de novos lobos para a consolidação da Alcateia.
A Loba Zara, que era especialista em relações públicas, ficou encarregada de reunir todas as lobas nesta ordem: Cada loba teria o ofício de enviar uma de suas crias para receber aulas de treinamento no grande exército de Lino. Aliás, o que mais chocou a Alcateia foi o jeito mandão do novo Lobo Alfa. Lino tinha mania de dominação, controlava minuciosamente cada movimento de seus súditos. O seu plano era de inibir possíveis candidatos a ocuparem o seu cargo. Muitos diziam que o medo de Lino era tremendo. Ele era capaz de provocar um incêndio a partir de um simples uivado atrevido de algum súdito. Ficava sentado em seu trono e, ai daqueles que pensassem em ocupar o seu lugar.
Naquele tempo, existia um grupo considerável de soldados do antigo império de Cris, o predecessor de Lino. Havia um coordenador do Antigo Pelotão chamado Figo. Ele era alto, robusto e usava uma fita amarrada na pata dianteira. Era um sinal de que pertencia a um antigo grupo dos desbravadores. Era muito mau para com os seus subordinados, e muitos não queriam se alistar, pois os tratos não eram simpáticos. Havia corrupção e intrigas, luta pelo poder e pouco serviço.
Apesar de ser temperamental e agir, às vezes, de modo inconsequente, Lino se mostrou um lobo determinado. Ele dava os seus uivados ensurdecedores, colocando medo em seus súditos. Só voltava atrás em suas decisões, quando tinha certeza de que eram importantes para a educação dos lobos. Não era um lobo de duas palavras. Ele mesmo mostrava onde estava a caça, porém, não era capaz de expor sua vida em qualquer batalha.
A agressividade de Lino se alternava com brincadeiras pouco simpáticas. Achava que era capaz de fazer tudo e sempre queria ter liberdade para colocar em prática todos os seus sonhos. Detestava quando era criticado ou quando algum lobo atravessava o seu caminho com a intenção de mudar o seu ponto de vista. No início de sua administração, demonstrava ser inteligente e agia com maestria na resolução dos problemas. Demonstrava amor pelos seus súditos, apesar de manter certa distância dos lobos para não ser influenciado por outros modos de governo que colocasse sua administração em risco. Era ambicioso e não tinha medo de enfrentar o mundo. Apenas era inseguro e cultivava certa dificuldade em relacionar de modo espontâneo com seus súditos, sobretudo, aqueles que tinham força dentro da organização.
Com o governo de Lino, a Alcateia conheceu dias de prosperidade. Ele era insaciável. Tinha muitas ideias e as colocava em prática. Muitos simpatizantes questionavam: “Da onde ele tirou tanta sabedoria?”. Mais tarde vieram saber que Lino passava o dia inteiro lendo a Sabedoria lunar e também livros publicados até mesmo nas terras além do Rio das Pedras. Como diz o ditado, “Nada se inventa, tudo é cópia, tudo é aumento”. Sua luta incansável trouxe para a Alcateia muita prosperidade. Seu jeito de ser, agindo sempre de acordo com o seu ponto de vista, motivava os lobos a serem mais francos e agirem com mais agressividade.
Lino era um líder sagaz e muito esperto. Aprendeu a aproveitar o seu tempo resolvendo problemas. Ele não concentrava suas forças em si mesmo, mas procurava enxergar os problemas e sentia calafrio quando tinha que resolvê-los. Ele gostava de ver problema em tudo. O seu foco era o problema. Então, ele tinha que ser como um bombeiro que está sempre procurando fogo para apagar. Era mestre em descobrir os problemas dos outros, e quando se sentia frágil, corria léguas e mais léguas para resolvê-los. O pior de tudo era a sua falta de humildade. Em muitos casos, tomava posse de ideias alheias como se fossem suas. Por outro lado, muitas vezes ficava estressado e reivindicava repouso com frequência.
Quanto aos problemas, parece que Lino tinha um documentário escrito em sua toca. Para cada problema tinha uma regra. Era o lobo das regras. Mas as regras não resolviam todos os problemas, por isso, a administração de Lino começou a se arruinar.
Não é possível resolver problemas sozinhos. Até que Lino se esforçava. Ele mesmo se atrapalhava com o modo de agir. Dizia que tudo tinha que ser decidido em equipe, mas na verdade o que funcionava era a euquipe. Vivia a ilusão de que era o lobo mais inteligente de toda a Alcateia. Mas, a realidade era que ele não resolvia os problemas com diplomacia. E, quando não era capaz de resolvê-los, inventava boas desculpas e colocavam muitas vezes a culpa nos outros. Vivia se queixando. Nada estava bom. Parecia que seu cardápio era limão com fel. Sempre azedo e de mal humor.

A Nova Lei

Naquele tempo, Lino reuniu todos os membros da Alcateia para fazer um estatuto que tivesse força de lei. Ele acreditava na Sabedoria lunar, mas preferiu elaborar um pequeno estatuto que ajudasse a Alcateia em relação às questões essenciais da organização, a fim de estruturá-la melhor. O estatuto abordaria o modo como os lobos deveriam resolver os problemas, o comportamento e a missão de cada lobo nos limites da alcateia.
Lino quis elaborar um Estatuto com normas claras e objetivas. A lei regulará as atitudes dos lobos. Com a aprovação do estatuto, tudo se encaminhou rumo ao nivelamento dos lobos. Disse Lino:
_ Quero fazer desta Alcateia a mais organizada de todas. Vou chamar alguns amigos de outras alcateias para me ajudarem. Eles são profissionais na arte do conhecimento da Sabedoria lunar e de técnicas de caça. Gostaria que todos os coordenadores de caça comparecessem a uma reunião para definirmos o início dos trabalhos.
Após de expor suas ideias, o lobo Alfa fugiu para o deserto, a fim de estudar a sabedoria lunar e as regras mais importantes a serem colocadas no esquema preparatório. Em poucas semanas, o rascunho do Estatuto estava pronto. Tinha como base os estatutos de outras alcateias, com alguns acréscimos por parte de Lino. O texto foi entregue a todos os coordenadores dos grupos de caça. Lino pediu que todos fossem sinceros e apresentassem suas sugestões. Depois de acrescentar e tirar alguns dos artigos o estatuto foi aprovado. As normas mais importantes eram as seguintes:

Da coordenação

Art. 1. O Lobo alfa é o chefe principal da organização. Cabe a ele resolver todos os problemas, tendo como suporte o Grande Conselho.
Art. 2. O respeito em relação ao chefe deverá ser assegurado para maior estabilidade na organização.
Art. 3. As decisões a serem tomadas pela Alcateia compete ao Lobo Alfa e somente a ele, a decisão final. Os outros lobos poderão tomar decisões apenas em relação aos cargos de confiança.

Dos assuntos relativos à caça

Art. 4. A idade mínima para quem deseja ir à caça é de seis meses.
Art. 5. Os coordenadores da caça deverão entregar parte da caça para o Lobo alfa e seus secretariados.
Art. 6. As lobas que estão em fase de amamentação deverão caçar mais enquanto que as lobas jovens vigiarão seus filhotes.
Art. 7. Os aproveitadores deverão ser punidos, caso não estejam colaborando de maneira eficiente com a caça.
Art. 8. Os lobos que caçarem nos territórios mais abundantes deverão dividir a caça com outros lobos.
Art. 9. O território deve ser respeitado. Em caso de desrespeito em relação à caça em outros territórios, cada lobo deverá ser punido, não podendo comer da caça comunitária.
Art. 10. Os lobos que pegarem uma presa maior que o seu peso será premiado com dia de descanso.

Disposições finais:

Art. 11. Estão sujeitos à pena capital aqueles lobos que desobedecerem aos estatutos, a menos que se retratem de sua indisciplina.
Art. 12. Não serão admitidos lobos de outras alcateias sem antes, serem aceitos pelo Grande Conselho.
Art. 13. Quanto aos lobos (as) idosos (as), deverão ser alimentados em suas tocas e protegidos dos ataques felinos.

Não há dúvidas de que o estatuto tornou-se um referencial para todos. Cada lobo sabia o que fazer quando tinha de resolver um problema. Para cada situação, para cada caso, havia uma solução. O estatuto foi uma bênção para a Alcateia, sobretudo, o primeiro artigo que diz a idade certa para iniciar as aulas de caça. Ao iniciar cedo demais, os lobos acabavam tendo traumas. Muitos lobos chegavam à idade adulta sem aprender a arte da caça. Com o estatuto, foi possível diminuir o número dos lobos que viviam lucrando com a caça dos outros. O quinto artigo também facilitou a vida para muitos lobos. Às vezes, alguns setores menores não ofereciam caça suficiente para todos os lobos. O presente artigo exigia que os lobos dos territórios melhores repartissem a caça com os outros. Este nivelamento agradou a todos. O artigo mais polêmico do estatuto foi art. 10. Nele, Lino premiava os lobos com um dia de descanso para os que pegassem uma caça superior ao seu peso. Muitos lobos não se sentiam bem em ficar descansando e comendo da caça alheia. Além do mais, criou-se uma onda de disputa entre os lobos para ver quem era o melhor!
Apesar de alguns lobos serem rebeldes em relação ao estatuto, 99% dos lobos aderiram ao estatuto promulgado por Lino. O estatuto de Lino foi um instrumento valioso em sua administração e também nas administrações seguintes. As regras eram severas. Havia lobos que acreditavam que o estatuto era muito radical e depois de algum tempo foram aparecendo as primeiras rachaduras. Lino não dava o braço a torcer e não queria abrir mão de nenhum de seus artigos. Ele até poderia deixar de cumprir algum dos ensinamentos da Sabedoria lunar, mas, quanto ao estatuto, nada de mudanças. Flexibilidade era uma palavra desconhecida no vocabulário de Lino.
As normas eram de fato, claras, e atingia os objetivos. Antes do Estatudo, cada lobo agia como se fosse lobo alfa. Cada lobo fazia a sua lei. O que mais agradou aos lobos foi a confiança e a determinação que o chefe lhes passava. Ele era esperto na hora de escolher seus companheiros. Escolhia sempre os melhores e com sua capacidade de compreender as coisas mostrava a todos que sabia o que estava fazendo, semeava a boa semente nas mentes dos lobos e exigia que os mesmos produzissem bons frutos.
Os artigos significavam certo exagero por parte de alguns lobos que gostava de vida mansa. Alguns tinham dificuldades em ouvir os sermões do chefe. Outros, porém, aplaudiam com gosto e entusiasmo. Por isso, Lino tinha certa predileção por alguns lobos e acabavam fazendo discriminação entre seus súditos. Isso não era uma coisa simpática. Para Lino, quem tinha mais, era valorizado e acabava sendo mais beneficiado. Outros que viviam à margem de sua administração, não tinham outro caminho a não de ser conformar com a sobrevivência, sem muitas chances de crescimento. Alguns abandonaram a alcatéia e foram para outros lugares tentavam uma nova vida em outras organizações. Havia lobos, que por debaixo dos panos tentava agradar Lino descobriam certas brechas para viver a seu modo.

Lado positivo da administração de Lino

Nenhuma organização tem vida longa se não é administrada por líderes competentes. Lino era um lobo sonhador. Em seus estudos e discursos dava impressão de tocar o céu com a pata. A mística de Lino era escalar as montanhas do sucesso, mesmo que elas fossem íngremes e de difícil acesso. Ele tentava remover as montanhas do pessimismo, do sentimento de inferioridade, do medo e das decepções em dois tempos. Lino ensinava a todos viver seus ideais no concreto de seu existir. Dizia ele:
_ “Seja o que você é, e alcançará a felicidade”.
O fato de conhecer os segredos da inteligência, de permanecer nas alturas, semelhante a uma águia e a capacidade de enfrentar os perigos com determinação fez dele um grande referencial para todas as alcateias vizinhas.
Lino era um vencedor nato, ele sempre quis, acreditou e conseguiu realizar seus sonhos. Era direto, não esperava para amanhã o que podia fazer hoje. Era motivador em seus discursos, embora fosse um pouco rude. Ele não media os uivados quando o assunto era corrigir ou punir os infratores. Ele não esperava que os lobos resolvessem os problemas a seu tempo. Ele mesmo intervinha, assumindo os compromissos com maestria.
Em seus discursos apontava metas, elaborava planos e ficava furioso quando não conseguia seus objetivos no tempo previsto. Acordava muito cedo para trabalhar e para refletir o que fazer para resolver os problemas que se avolumavam diante de si. Ele sempre fazia perguntas, mas em muitos momentos não tinha paciência para ouvir as respostas. Ele mesmo as respondia e por isso, muitas vezes julgava e cometia certos enganos.
Lino sabia o que queria. Ele não lamentava o passado, nem se importava com o que as pessoas pensavam dele. Estava disposto a caminhar sempre para frente, seu foco era o presente, porém o seu olhar alcançava novos horizontes. Lino buscava sempre novas experiências, mas não conseguia esquecer suas glórias e suas conquistas. Em sua toca havia uma coleção de medalhas e troféus. A justificativa era: quando você contempla suas conquistas estará apto para conquistá-las, mas se você fica relembrando as coisas ruins que aconteceram, logo sentirá uma profunda depressão.
Certo dia, Tim Tim pediu a Lino que explicasse uma pergunta:
_ Olá, Lino, tenho uma pergunta a fazer. É possível aprender com nossos próprios erros?
_ Certamente, Tim Tim. Quero dizer que é possível aprender muito mais com aquilo que deu certo. Por exemplo: quando eu descubro uma nova maneira de capturar a presa, o momento certo de dar o pulo, adquiro um nobre conhecimento. Mas, quando eu sou vítima de algum erro, posso criar um trauma dentro de mim.
Bora também quis saber outro conselho:
_ Gostaria de fazer outra pergunta: quais os segredos de um vencedor?
Lino respondeu:
_ Acredito que tudo é questão de inspiração e trabalho. O segredo está em unir as duas coisas. É preciso estratégia, determinação e visão. Os problemas a serem solucionados não podem ficar esperando. Eles podem crescer cada dia mais. Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Aqui está o segredo do sucesso.
Após responder as perguntas Lino chamou um grupo de caça, enquanto alguns lobos preferiram descansar.

O governo da agressividade

O estatuto vigorou por muito tempo sem nenhuma modificação. Após várias reclamações, Lino convocou, em assembleia, todos os lobos para alterar alguns artigos. Mas, no dia marcado, não apareceu. Depois disso, ninguém mais tocou no assunto e o sonho das mudanças acabou.
Lino foi traído pela própria mania de resolver os problemas sem ajuda de seus colaboradores. A lei promulgada por Lino era justa, porém, algumas delas saíram de sua cabeça e isso trouxe algumas desavenças no futuro.
É um risco tentar resolver os problemas dos outros, usando o seu próprio modo de julgar. Cada um deve desenvolver os talentos de acordo com sua capacidade. E, caso haja, alguém que se interesse pela arte de fabricar lobos, mostre o caminho da liberdade e não deem respostas prontas. Não seja agressivo e nem crítico demais para instaurar um ambiente que proporcione crescimento.
Lino era intransigente e, muitas vezes, colocava obstáculos que impediam os lobos de crescerem na liberdade.
Para Lino, o excesso de liberdade criava libertinagem e muitas regras acabavam atrofiando o dinamismo e a criatividade.
O maior problema na administração de Lino era o modo como conduzia a Alcateia. Lino era intransigente e frio. Os resultados positivos apareciam, mas, em pouco tempo, foram aparecendo sinais de declínio. Para resolver um desafio são necessárias a prudência, diplomacia e reflexão. O medo e a insegurança de Lino em perder o poder cegaram-no completamente. Já não tinha domínio em suas atitudes. Não media os uivados e as mordidas contra os seus colaboradores mais próximos. O lobo é um animal medonho, quando lhe é tirado o direito de ser o número um, tudo é permitido, até mesmo o assassinato de quem está mais próximo de ser o futuro líder.
Um dia aconteceu um incidente com Lino. O chefão estava controlando o número de lobos a sair para a caça naquela noite. Bora, seu secretário, achou que poderia fazer parte do grupo e marchou no meio dos lobos sem que Lino desse a ordem. Furioso e descontrolado, quando viu Bora no meio dos demais, pulou sobre as costas do mesmo ferindo uma de suas vértebras. Toda a Alcateia ficou furiosa. Foi então que Davi se aproximou e, de modo diplomático, manifestou seu descontentamento, apontando para o seu chefe seus erros. Lino não gostou, mas ficou calado, pois Davi era muito querido por toda a Alcateia.
Certa vez, aconteceu que Lino chamou a atenção de Coiné porque ele estava comendo parte de sua comida e entrando em sua toca. Mais uma vez, Davi interferiu dizendo que não se tratava de nenhuma atitude má, pois o chefe também se alimentava da comida de outros lobos. Tudo é questão ponto de vista.
Já no final da administração, Lino foi aprendendo a arte da liderança e passou a respeitar mais alguns lobos, sobretudo, por causa de suas limitações. Ele temia uma revolução próxima e lutava contra todas as forças para se manter no poder. “O poder é bom”, dizia Lino. Sua capacidade física estava cada vez mais decadente, mas a experiência lhe dava esperança de reinar ainda por um bom tempo a Alcateia. Lino sentava em seu trono e mostrava os dentes para qualquer sinal de ameaça contra o seu reinado. Além disso, não deixava que ninguém se sentasse num trono paralelo. Destronava seus companheiros, possíveis concorrentes.
Havia alguns lobos que já não mais o consideravam como tal, apenas demonstravam respeito para não serem punidos pelo poderoso chefão. Uns achavam muito radicais as colocações de Lino, mas não tinha mesmo jeito. Ele era temido e portador de qualidades muito além das qualidades dos lobos daquela Alcateia. Muitos apostavam em Timão, um lobo de pulso firme e caráter forte, porém, mais diplomático.
“Quem deseja viver num mar de rosas não tem lugar em minha administração”. Este era um dos princípios da administração de Lino. Ele se apoiava em seus estudos e nos princípios da Sabedoria Lunar, mas o modo como ele se expressava, não agradava a maior parte dos lobos. Quem resolve todos os problemas dos outros sempre terá novos problemas para resolver. O segredo da administração não deve estar no próprio “eu” do Lobo Alfa. É preciso contar com a participação de todos. Lino era convicto desse princípio, porém, na maioria das vezes, não conseguia ser flexível e diplomata. Quase sempre girava em torno de si mesmo e gostava de ver os lobos a sua volta, aplaudindo e elogiando a sua habilidade em resolver os problemas. A posição de Lino era sempre a mesma. Tudo tinha como centro ele mesmo. E, quando alguém se aproximava para dar sugestões, podia dizer mil vezes seus defeitos que ele, aborrecido, tapava os ouvidos e jamais dava o braço a torcer.
Um chefe intransigente, perfeccionista, sem afeto e humor é difícil de suportar. Tudo tinha que passar por ele. Sua decisão era sempre a melhor e insubstituível. Quando não resolvia os problemas, simplesmente jogava-os para longe dele. Se isso não quer funcionar, confirmou Lino, é só jogar para bem longe. Manila, uma loba aplicada, dissera a Lino, em reunião, que as coisas não podiam ser resolvidas daquele modo. Um problema não pode ser jogado fora junto com o lobo. Lino era mestre para fazer isso. Ele não era capaz de resolver um problema sem que desse umas boas mordidas nos lobos. Tudo era resolvido com mordidas e uivados de efeito moral. Manila ainda alertou Lino que não se podia bater de frente com o problema, é preciso contorná-lo.
Em assembleia, Lino disse:
_ Se o problema é este lobo que não quer trabalhar ou que é oportunista, bastam umas três ou quatro mordidas para eliminar o problema de nossa Alcateia.
_ A violência não se acaba com violência, interferiu Davi. Não se pode dizer que os lobos são problemas. Eles não são cruzes a serem carregadas por toda a Alcateia. Apenas devemos ser mais reflexivos, carinhosos e diplomáticos para não criarmos mais problemas para a Alcateia.
O método de Lino podia ser eficaz para cada caso, mas não resolveria os problemas a longo prazo. Ao implantar a pena de morte na Alcateia, Lino tornou-se odiado por todos e ninguém estava seguro naquela organização. Depois de umas medidas severas de Lino, muitos lobos bateram em retirada. Timão não estava de acordo com o novo decreto sobre a punição capital para quem desobedecesse às leis. A pena deveria ser proporcional ao dano causado e deveria ser pedagógica. Afinal, todos os lobos são importantes, independentes dos atos que eles praticam.
Timão sonhava em ser o lobo chefe, por isso agia com a diplomacia. Procurava aconselhar os lobos e ao mesmo tempo fortalecer sua posição na Alcateia. Tinha esperança de que mais cedo ou mais tarde ocuparia o seu lugar.

O desafio maior

Sem sombra de dúvidas, o maior problema enfrentado por Lino foi o uso das famosas marmeladas selvagem. Dos mais jovens aos mais velhos, ao ingerirem tais marmeladas, muitos lobos perdiam o controle emocional. Alguns caiam por terra e passavam a maior parte do tempo com fortes dores de cabeça, diarreia e até mesmo vômitos frequentes. Aquela situação para Lino era absurda. De todas as maneiras, tentou acabar com este comportamento, porém, o problema crescia em proporções descomunais.
A primeira atitude de Lino foi a de punir os lobos que se atrevessem a comer desses frutos. Os infratores eram advertidos e muitas vezes amordaçados. O problema continuou sem solução. Lino estava disposto a expulsar de seu território tais lobos que não fossem capazes de deixar este vício. A solução melhor de Lino foi a de cortar o mal pela raiz. Ordenou que fosse criada uma comissão para resolver esse grande problema. Os integrantes desta comissão foram preparados para exterminar todas as árvores e pequenos arbustos de marmelada selvagem de seu território. A mesma comissão foi responsável pela punição dos infratores, não permitindo que nenhum lobo avançasse outros territórios para sustentar seus vícios. A pena maior era a de expulsar os infratores da Alcateia.
As iniciativas de Lino trouxeram um pouco de paz para toda a Alcateia. Não podendo resolver o problema do mundo, Lino fez o que devia ser feito. Se alguns lobos encontraram formas de manter o vício não foi por culpa de Lino, mas pela intransigência e loucura de quem não tem amor pela vida. Ele mesmo dava palestras, abordando os riscos de morte prematura para quem persistisse naquele vício terrível. Tais marmeladas poderiam dar sensação de prazer, mas, em pouco tempo provocaria infecções intestinais e outras doenças graves. Não contendo os nutrientes básicos para a sobrevivência, tais frutas tiravam o apetite dos lobos e os deixavam sonolentos e, como não se alimentavam bem, em pouco tempo, a saúde estava comprometida.
Cortar o mal pela raiz nem sempre resolveu o problema. Lino bem que tentou, mas o problema do uso das marmeladas selvagens, como substituição dos alimentos saudáveis, continuou por várias gerações. E quanto mais se ouvia falar de tais marmeladas selvagens e seus efeitos, mais despertavam curiosidades entre os lobos. As normas nem sempre resolvem todos os problemas. É preciso redescobrir novos projetos que promovam a vida e motivam a todos buscar o que dá sentido a vida.

Avanços e retrocessos no governo de Lino

Lino desconfiava de todos os lobos de sua Alcateia. Ele era vingativo e via problema em tudo. Dava a impressão de que ele tinha pavor dos problemas. Ele era, muitas vezes, medroso e covarde. Divertia-se com os problemas como se fossem brasas vivas. Pegava-os com as mãos e quando não podia mais segurá-los, lançava-os em direção aos outros, ferindo-os sem piedade. Ele dizia: “Meu negócio é resolver problemas. Controlar os lobos que não sabem nada. Todos vocês são um bando de ignorantes que precisam ser chefiados por quem entende das coisas”.
Lalá, uma loba muito esperta e contemplativa, apostava num novo modo de resolver os problemas, não apoiados na força da razão, mas, segundo os critérios do coração. Com ela, concordava Davi, um simpático lobo, que tinha fama de ser líder. Seu temperamento era bem diferente de Lino, suas ideias não eram tão radicais em relação à administração, porém tinha fama de não ter muita garra.
Davi não tinha muita queda pelo poder, mas os seus colegas sempre atiçavam-lhe o ânimo, dizendo que ele era capaz de liderar a Alcateia com muita diplomacia. Timão, apesar do sonho de ser o novo líder, tinha simpatia por Davi. Ele mesmo não concordava com o jeito brincalhão de ser de Davi. Estava sempre inventando uma nova brincadeira. Divertia a todos, porém, para ocupar a posição de um Lobo Alfa, faltava-lhe alguma coisa. Uma grande maioria defendia a administração de Lino, dizendo que nunca teria outro governo tão carregado de bons frutos. Dois pesos, duas medidas.
Um dia Lino foi conversar com Tim-Tim. Ele tinha cometido um grave erro. Com humildade, Tim-Tim pediu desculpas a Lino e foi poupado de uma pena maior. Como castigo, Lino lhe deu um ultimato: “não volte a repetir este mesmo erro. Se acontecer novo erro, eu boto você para fora da Alcateia”. Depois de alguns dias do incidente, outro lobo pisou na bola e foi expulso sem piedade.
Nuna, uma loba muito inteligente, filha de Lino com Lina, afirmou que o fracasso de seu pai iniciou quando ele assumiu uma postura além da Sabedoria lunar. Ela disse ao pai para ser maleável, não corrigir os outros em “público”, mas, ele foi sempre cabeça dura e se colocava sempre por cima da lei. Achava estranho o seu ensinamento sobre defesa e ataques. Ele reagia sempre e não deixava espaço para soluções mais prudentes. Nuna disse:
_ Meu pai não foi capaz de colocar em prática todas as regras da Sabedoria lunar. Eu mesma acredito que está na hora de mudanças.
A posição de Lino era muito radical para ser suportada pela maioria dos lobos. Ele mesmo já demonstrava cansaço e esperava o momento certo para se aposentar, porém o desejo de crescimento não se afastava dele. Deixar o poder era algo impensável para Lino. Com o poder, Lino trouxe progresso para a alcateia e desejava partilhar seus conhecimentos com outras alcateias, caso fosse possível.

A ferro e fogo - declínio à vista

O tempo foi passando e a organização foi se tornando insuportável. Era um ti-ti-ti pra lá e pra cá. O pavio da bomba estava aceso. Em pouco tempo poderia acontecer o inevitável. Muitos tinham medo de Lino, por isso não questionavam sua administração. Já tinham se acostumado com aquele modo de liderança e não nutriam tantas esperanças em ter um novo líder com novas ideias. Muitos lobos faziam vista grossa e continuavam participando das caçadas como forma de subsistência. Com a diminuição dos lobos, o trabalho tornava-se um desafio. A caça era insuficiente e as exigências de Lino ultrapassavam a média dos outros lobos alfas.
Ao comentar sobre a administração de Lino, a loba Lina afirmou que o seu modo de resolver os problemas era muito agressivo. Ela tinha sido machucada por desobedecer a uma ordem do chefe. Lino a puniu com uma mordida tão forte que deixou marcas profundas em sua pata dianteira. Com isso, não pôde mais caçar, a não ser pequenos répteis ou aves, debaixo dos galhos das árvores.
A hostilidade ia crescendo cada vez mais, o clima foi ficando insuportável. Lino soube que os seus melhores colaboradores também estavam de acordo com sua retirada, por isso apressou em fazer suas malas e procurar uma nova alcateia.
Desde o início do governo, Lino apostou em sua inteligência. Escrevia cartas e mais cartas para os seus amigos e colaboradores. Presenteava os seus subalternos e cobrava deles o dobro. Condecorava os que eram mais próximos e apoiavam certos partidos prá lá de suspeitos. Ele era insistente. Por causa de sua mania de grandeza, ficava o dia inteiro ocupado com os seus afazeres. Sua diplomacia era vazia e muitas vezes chata. Ele cobrava pontualidade de seus súditos e sempre chegava atrasado. Era o último a chegar e o primeiro a sair. E sempre dava um jeitinho de se desculpar, mas não aceitava desculpas de ninguém. Quanto à participação de seus súditos era controlada com agressões e julgamentos maldosos.
Lino não era aquele lobo que visitava seus súditos em suas casas. Ele tinha seus pupilos e mantinha distância da maioria de seus subalternos com medo de ser contaminado. O grupo de amigos de Lino era reduzido e, por isso, não era capaz de fazer amizades duradouras. Sua natureza era daquelas: “Não me encosta! Está sujando o meu pelo”. Aos poucos sua antipatia e mania de isolamento transformaram-no em lobo porco-espinho. Exigia aproximação. Queria que todos estivessem ao seu lado, mas, apenas os preferidos tinham vez e voz. Sua postura era confusa. Dava a impressão de não decidir corretamente segundo a sua própria índole. Sua mania de grandeza cegava-lhe os olhos. Ele não era capaz de perceber que era antipático e suas manias de grandeza desagradavam a todos.
Muitos lobos acreditavam que o fracasso de Lino era a concentração do poder. Ele não respeitava os artigos contidos na Sabedoria lunar. Nunca desejou servir a Alcateia e sim usá-la como laboratório para crescer na arte da dominação. Ele queria ser dono de tudo e ter prestígio sobre todas as coisas. Seu maior sonho era ser considerado o maior e mais inteligente lobo alfa do planeta terra.
Lino se espelhava em muitos lobos que considerava grandes heróis ou líderes. Só não era capaz de reconhecer os modos de administrar, mesclados com a sua mania de poder. Ele era esperto e amigo de todas as filosofias, mas fora traído pela incapacidade de se adequar à sabedoria com diplomacia e liderança com conhecimento. Por ser mestre em copiar o que os outros faziam, colheu amargos frutos ao aplicar métodos dos outros sem muitos critérios.
O poder partilhado, o prazer moderado e a comida na quantidade certa, trazem conforto, paz e alegria para todos da Alcateia. Lino não sabia controlar muito bem o prestígio sem deixar de lado a honra, a simpatia, sem ter que misturar com os outros lobos, a humildade, agarrada, apenas, pelas frágeis conquistas intelectuais de quem vivia a ilusão de saber tudo.
O cansaço era visível em Lino. Com agressividade e imprudência acendia o fogo das paixões. Muitos diziam que ele era um fofoqueiro. Não gostava de guardar segredo e “colocava a boca no trombone”. O final de cada história era deprimente. Muitos lobos deixaram de seguir o seu grupo, preferindo outras alcateias vizinhas ou fazendo de conta que estava tudo bem, mas, a seu modo, tocava a vida para frente. Houve um tempo que Lino não mais suportava aquela vidinha de chefe de uma pequena Alcateia. Apesar de não ter capacidade para resolver tantos problemas, vivia na ilusão de que em outras terras, poderia exercer com mais diplomacia a arte da liderança. Ele mesmo achava que seus súditos eram tolos demais para compreender toda sua sabedoria. Ele achava ser um desperdiço estar ali, diante de um número insignificante de lobos que não têm sabedoria para nada.
Com o governo de Lino, os lobos aprenderam como organizar a alcateia. Foi uma grande lição de liderança. Os segredos da administração de Lino, suas qualidades e seus defeitos muito contribuíram para o crescimento da organização. Afinal, todos os lobos são chamados a serem líderes. Se não estão diante da alcateia, estão diante de seus filhos, os quais partilham a mesma existência.
Para administrar melhor as energias e os impulsos é preciso usar nossa própria inteligência. A liderança de Lino deixou uma marca de determinação, apesar de sua agressividade. A capacidade de Lino tornou-se exemplar para muitas alcateias que adotaram seu plano de governo.

Os últimos dias de Lino como chefe da Alcateia Além-mar

Lino teve um sonho que seria melhor se afastar da organização. Para ele, os lobos passaram a ser cobras venenosas. Cada um com seus defeitos: cabeçudos, desobedientes, desequilibrados, intransigentes e ingratos. O ambiente hostil formado ao seu redor não lhe dava paz interior. A vida inteira de Lino foi olhar para si e concentrar-se nos problemas. Somente depois é que ele olhava para os lobos. Ele estava mais preocupado consigo mesmo, com sua capacidade de administração do que com os lobos. Não podia parar. Sua missão naquela alcateia já não tinha mais sentido.
Lino decidiu agir com diplomacia e escolher uma nova alcateia onde poderia reiniciar um novo modo de administrar. Ele tinha crescido muito como líder e colecionava muitas qualidades. Havia chance de ser promovido, por isso passou a dedicar algum tempo a esse trabalho de negociação, a fim de encontrar o espaço no qual pudesse se sentir melhor. Além do mais, Lino foi criado para as grandes aventuras. Ele sonhava em atravessar o oceano e ser um grande aventureiro, mas o seu estilo não se afinava tanto com os desafios possíveis em outras áreas de clima diferentes e costumes, nada simpáticos. O melhor seria não escolher uma alcateia com grandes problemas. Aliás, Lino via os problemas tão próximos dos lobos que, muitas vezes, não conseguia separá-los de quem os tinha. A crítica de Lino era ferrenha. Procurava destacar entre os chefes das redondezas, por ser perfeccionista e controlador, mas o seu centralismo não lhe permitiu grandes progressos.
De tanto uivar, Lino passou a ter problemas sérios de saúde. Seu olhar parecia cansado, bem como o som de seus uivados. O forte guerreiro era movido também pelo medo de ser derrotado. A mania de grandeza fez com que Lino conquistasse outros territórios, Lino abriu mão de alguns territórios considerados bons de caça, para descobrir novos postos, novos horizontes. Lino conquistou várias regiões ricas de caça. Por estas conquistas corria o boato que seria promovido em breve. Em pouco tempo foi nomeado como o chefe de uma alcatéia longínqua. O antigo Lobo Alfa, chamado Munis, fez com ele um acordo: Caso Lino o deixasse repousar tranquilamente e não deixasse faltar comida e algumas outras exigências, poderia se tornar o novo chefe da Alcateia Cachoeira Bela. Marcado o dia da posse, ele deixou para trás a antiga organização nas mãos de Timão.

A escolha do novo Lobo Alfa

Por um breve período, Timão acendeu o desejo de ser o novo líder da Alcateia, porém seu sonho foi se apagando, quando percebeu que não era uma figura simpática para muitos lobos. Ele mesmo fez um discurso tentando convencer a todos que seria um bom Lobo Alfa, mas as vaias eram ensurdecedoras. Quando ele começava a uivar, era aquela confusão. A Alcateia não aceitaria outro lobo com as qualidades do antigo chefão. Era um lobo autoritário e mandão. O pior de tudo, não fazia nada, desconfiado, procurava superar o desejo de ser o novo líder, apesar de não dar o braço a torcer.
Certo dia Figo, um lobo muito sábio, chamou Timão e lhe disse:
_ Você sabe que a Alcateia estava descontente com o modo de Lino conduzir a todos nós. Não é hora de esticar mais o sofrimento de todos. Devemos, pois, escolher um lobo que seja mais equilibrado e menos radical.
_ Você está me chamando de radical?
_ Eu acho que a sua hora não chegou. Precisamos de um lobo com outras qualidades.
_ Eu sei – disse Timão. É que também tenho preocupação quanto ao novo chefe. O meu futuro está em jogo. Se o novo chefe não tiver minhas ideias, serei punido ou quem sabe até mesmo afastado da Alcateia.
Figo disse:
_ Precisamos de um líder para governar nossa Alcateia. Não de um chefe. Estive lendo a Sabedoria lunar. Encontrei esta passagem: “A prudência e a flexibilidade são as armas de quem deseja ser um verdadeiro líder”. A Alcateia precisa de um líder, não de um chefe.
_ Não estou entendendo – disse Timão. O que isso tem a ver comigo? Meu modo de ser não é este!
_ Calma! Estas são qualidades de um lobo muito simpático de nossa Alcateia. Além disso, eu vi na toca deste lobo este trecho da Sabedoria lunar. Acredito que ele poderá ser o novo líder.
_Quem é este pretendente? Quero saber agora!
_ No momento oportuno, você saberá.
Figo era como um grande articulador da Alcateia. Tinha fama de mago, pois adivinhava onde podia encontrar a caça. Além disso, ele desenvolveu técnicas de escalar montanhas e fugir dos ataques de cachorros. Ele mesmo foi atrás de Davi e disse que o novo líder deveria ser ele. Davi levou um susto, mas depois se recompôs. Chamou Figo para dentro da sua toca e ficou quase o dia inteiro discutindo o problema. Nessa mesma noite, um grupo de lobos se reuniu em torno de Davi para ir à caça juntos.
Em poucos dias, Timão compreendeu que Davi era o seu concorrente. Muitos lobos já não mais andavam em sua companhia, por isso houve uma briga entre os dois pretendentes. Felizmente, as mordidas foram leves.

A conquista

Uma alcateia sem líder, não dá. A eleição do novo Lobo Alfa era prioridade. A segunda noite do incidente, entre os pretendentes, foi suficiente para que toda a Alcateia pudesse decidir qual seria o próximo lobo alfa. Todos estavam ansiosos. Uns diziam: “Quero assistir à briga entre os dois valentões”. Outros demonstravam preocupação, querendo resolver a questão com diplomacia.
De repente, Figo teve uma ideia. Foi até Timão e fez uma proposta. Você sabe que sua qualidade é a força e seu defeito é seu jeitão difícil de se relacionar com os outros. Renuncia a esse sonho de ser chefe e faça um acordo com Davi. Ele não deixará você numa situação ruim. Você sabe que a maioria da Alcateia está a favor de Davi. Se você ganhar a luta, terá muitas lutas pela frente. Mas, se você desistir do cargo, poderá estar em paz. Ele é muito generoso, não fará mal a você. E saiba que se você perder o cargo numa disputa sangrenta terá que se afastar da organização. Você é muito importante para nós, mas, Davi, no momento, é o lobo que mais se adapta à nossa realidade.
Você se lembra que o cargo de Lobo Alfa é uma aventura para quem tem força, habilidade e inteligência. Acho que terá muito a fazer para ter tais qualidades. Além do mais, você já está um pouco cansado e não é mais um jovem. Já passou da metade de sua vida útil. Toda energia e esforço podem fazer falta para você. Não queira enfrentar uma batalha para a qual não é o lobo certo e nem tente ocupar o cargo somente pelo prestígio que ele poderá lhe oferecer.
Timão disse com lágrimas nos olhos:
_ Há muito tempo esperei por este momento. Justamente agora que tenho a chance... Não posso renunciar!
Sabendo da insistência de Timão, Davi se preparava para a luta.
No dia que antecedia a luta, comeu carne de primeira, pediu que Zara o ajudasse com massagens e que o deixasse repousar tranquilamente. Pediu que Tim Tim, o antigo secretário de Lino, lesse a Sabedoria lunar. Depois chamou Dino, mestre em ataques surpresa, para lhe ensinar alguns golpes. Dino foi o encarregado de manter a guarda de Davi. Zara, por sua vez, se encarregou da comida. Na noite seguinte, seria a grande noite. Toda a Alcateia conheceria o novo líder. Com a ajuda de alguns lobos, seus amigos, Davi se preparava para exercer o importante cargo da liderança de sua Alcateia.

Finalmente, a vitória de Davi

A luta foi pacífica, apesar da insistência de muitos lobos. Alguns queriam ver o novo líder dar provas de sua competência, mas, a força de Davi estava em seu coração. Alguns queriam vê-lo discursar, pois sabiam que seu discurso era atraente e tocava profundamente os corações de quem o escutava. Mas isto não aconteceu. O novo líder se comportou discretamente. Apenas usou autoridade nas poucas palavras proferidas naquela noite, demonstrando qualidades essenciais para ser o novo líder.
Timão havia recebido uma advertência de Nuna, no dia anterior: “Davi pode ser de aparência frágil, mas é veloz em seus golpes. Com uma mordida, poderá partir você ao meio. E além do mais, ele é insistente. Não é alguém medroso, que entrega os pontos após ganhar algumas mordidas. Você nunca ouviu falar que Davi sabe de cor toda a sabedoria lunar? É verdade, tome cuidado com ele. Ele é muito mais esperto do que você imagina”.
Depois que Nuna disse estas palavras, veio um grupo de lobos com fitas amarradas ao pescoço. Nelas, estava escrito o nome de Davi como o novo líder.
Timão contemplou aquela cena e disse:
_ Acho que compreendi. Mesmo que eu ganhe a luta, certamente será a primeira delas. Aquele trecho da sabedoria lunar é muito significante: “Não aceite nenhum cargo para o qual a maioria de seus subalternos não esteja de acordo”.
Naquela noite, depois que cessou os uivados dos curiosos, todos foram caçar. Combinaram, para a noite seguinte, a cerimônia de posse do novo líder. A passagem da nova coordenação contrariou a opinião de muitos lobos. Uns diziam: “isto é injusto! Se alguém deseja ser o número um, tem que mostrar trabalho”. Outros diziam: “nem tudo se resolve com violência!” Apesar de sermos animais selvagens, devemos saber usar nossas energias sem nos envolvermos em disputas desnecessárias.
Não é de se estranhar que nem todos eram convictos de que o governo de Davi pudesse ser promissor. Havia discussões sobre o futuro da Alcateia. Davi era muito brincalhão e, às vezes, exagerava em suas atitudes. Muitos diziam que ele era um “meninão” que queria apenas diversão. Outros o defendiam, dizendo que ele cumpria muito bem os compromissos e vivia uma vida de qualidade. A vida dos lobos não é somente ampliar territórios, caçar e machucar uns aos outros com mordidas por qualquer motivo.
Chega de bobagem – disse Nuna – vamos esperar para ver o que acontece. A preocupação não resolverá o problema. Nada de julgamentos precipitados. Deveríamos agora estar pensando em como ajudá-lo a conquistar para a nossa Alcateia tudo que signifique crescimento para todos. Eu acredito no talento de Davi. Ele é muito simpático, é muito sábio e fará uma boa administração.


CAPÍTULO II - UM NOVO LÍDER: O LOBO ALFA DAVI

A noite escolhida era de lua cheia, as estrelas completavam o brilho. Mesmo as aves e animais, de hábitos diurnos, andavam para lá e para cá, como se fosse dia. No horário combinado, a Alcateia se reuniu no topo de uma montanha. Era uma noite histórica para aquela Alcateia. A cerimônia aconteceu entre uivados musicais dos lobos artistas. Era como se fosse um concerto de uma orquestra sinfônica, um espetáculo ao ar livre.
O discurso de Davi foi feito com ar de poesia e, em alguns trechos, carregado de humor. Se o antigo Lobo Alfa se expressava com clareza de ideias, Davi deixava sair de si palavras do coração. O discurso de Lino era frio e racional, o de Davi era como um romance. Se o discurso de Lino convencia pelo modo radical e incisivo, Davi abusava da arte. Era mais calmo e sorridente. Lino era detalhista, Davi optou pela flexibilidade. Ele foi mais coerente com seu discurso simples, porém, original. Enquanto que o discurso de Lino foi feito antecipadamente, Davi deixou que a inspiração falasse por ele. Desse modo, seus uivados proporcionaram mais segurança e paz para todos da Alcateia.
Era realmente um discurso acolhedor, aberto a todos e, ao mesmo tempo, cheio de esperanças. Lino falava das leis, do comportamento e das regras que deveriam ser seguidas à risca. Davi, porém seguiu uma linha propositiva. O peso das ideias de Lino tinha como fundamentado os grandes ensinamentos universais. Davi, por sua vez, buscava reforço em sua própria experiência.

Discurso do lobo Alfa Davi

Meus irmãos lobos e lobas, é com muita alegria que ocupo este cargo, pois sei que a maioria de vocês está de acordo. Sou Lobo Alfa mais feliz desta Alcateia. Vejo em cada olhar a esperança refletida e tenho a consciência dos desafios que teremos pela frente para promovermos a paz, harmonia e a alegria entre nós. Antes de resolvermos os problemas, devemos estar bem com a nossa pele. Minha filosofia de vida é esta: “Estar sempre alegre e seguir os instintos do coração”. Meu antecessor dizia: “Coloque a pata em sua consciência! Eu digo a vocês: “Procure ouvir mais os desejos do coração”.
Quanto à minha administração, vocês ouviram falar neste provérbio popular? Mexe-mexe, mexe e remexe, “time que está ganhando, não se mexe!”. Às vezes, quando colocamos um lobo numa posição de destaque por muito tempo, perdemos oportunidades de termos líderes criativos. Mudanças frequentes no quadro administrativo pode ser a causa de instabilidade. As mudanças devem ocorrer, mas, no tempo certo. Não sou favorável àquele tipo de líder que se diz perfeito em suas considerações, agindo de modo radical e de maneira irresponsável. Tudo é questão de negociação! “Macaco que pula de galho em galho leva chumbo”. É claro que devemos levar em conta outros provérbios: “Águas paradas, apodrecem!”. A virtude está no meio. A vida é movimento, porém o equilíbrio é fundamental.
Quando eu trabalhava no antigo reino do famoso Ló, que era chamado de Sargentão, ele me disse um dia que não se importava que os outros o chamassem de “quadrado”. O quadrado é a figura mais perfeita. Todos os lados são iguais. Ora, é bom sabermos que a figura geométrica mais perfeita não é o quadrado, e sim a esfera. Ela é perfeita por não possuir pontas. A verdade torna-se relativa quando o assunto é particular.
Existem verdades universais nas quais prefiro fundamentar meus conselhos e minhas metas de trabalhos. A Sabedoria Lunar nos ensina as regras básicas do relacionamento. Como sabemos, todos os anos, nos reunimos para eleger novas regras de convívio e tornar caducas aquelas que não mais podem ser usadas por causa das mudanças. Tenho muitos projetos a serem apresentados. Gostaria de contar com o esforço de cada um. Meu predecessor foi campeão em matéria de discurso. Era inteligente, mas temível. Suas qualidades de orador eram notadas por muitos. Quase sempre se demonstrava radical em suas colocações. Muitas vezes, Lino foi criticado pelos sermões de mais de uma hora de duração. Parece até que ele queria colocar nos trilhos todos os lobos num único discurso. E foi assim em toda a sua administração.
Minha posição é diferente. Sou mais flexível e prudente. Tudo tem o seu tempo, o seu limite e intensidade. Meus amigos, sejam prudentes, simples e nunca apegados à própria caça. Não sejam vaidosos demais, mas não sejam descuidados.
Detesto lobos que são atirados demais. Muitos são os que uivam sem parar, além de espantar a presa e fazer toda a Alcateia perder a paciência, na hora do trabalho, nem se apresenta para os desafios. Odeio também lobos que não têm iniciativas. Quanto a estes, são os primeiros a morrerem, pois ignoram que a vida é movimento. Não suporto a presença daqueles que querem ser chefe de tudo. Mandam em tudo e não fazem nada. Em meu governo, farei de tudo para libertar tais parasitas de suas manias mortais. Os mestres que dão ordem e não fazem nada não terão emprego garantido em minha administração. Quando é apresentada uma proposta, são os primeiros a criticar e os últimos a fazer algo. Há lobos que são os últimos a começar a caçar e os primeiros a abandonar o trabalho, antes de conquistar o objetivo.
Aprecio quem tem criatividade. Cada um desenvolve seus talentos, suas aptidões. Ninguém pode apoiar no trabalho do outro. Uma das regras da Sabedoria Lunar é: “Não permita que os outros façam por você aquilo que você mesmo pode fazer”. Se você ajuda demais o outro, ele irá explorá-lo a vida inteira. Coisa boa é a gratidão. Seja grato para com todos, mas não carregue os outros nas costas.
O caminho certeiro para todos é o equilíbrio. Trabalhe sempre, mas não faça do trabalho a única ocupação. Trabalhamos para viver e não vivemos para trabalhar. O repouso é coisa boa, mas se este é demasiado, tornar-se-á prejudicial.
Não perca o senso de humor e tome cuidado para não cair no ridículo. Não faça da sua vida um eterno filme cômico. Seja alegre e mantenha sempre o facho da luz acesa, mas não seja motivo de riso para os outros. Deem a todos um sorriso aberto e nunca seja alvo de piadas e brincadeiras fúteis. Lembre-se da regra de ouro: “Não faça do seu convívio, oportunidades de alimentar os seus sentimentos doentios. Use de seus sentimentos para fortalecer o convívio, promovendo relacionamentos fecundos”. Esta é uma das sabedorias lunar que mais aprecio.
A melancolia é uma doença que tem atacado muitos lobos ultimamente. Eles sonham com posições altas na Alcateia, passam a vida desconfiando de tudo e de todos, mas são amargos e sentimentalistas. Preferem passar a vida toda mergulhados em mágoas e murmurações a enfrentarem de cabeça erguida os momentos difíceis. Desenvolva sua inteligência e domine seus sentimentos, caso contrário, passará a vida assombrando os outros.
Pensamentos desordenados e maus desejos devem ser banidos, assim repousará a mente para que o estudo e a criatividade possam ser lanças afiadas em direção aos seus objetivos. Afinal, qual será o seu tesouro? O descanso é mais simpático que os desgastes de energias desordenadas. Muitos renunciam a grandes projetos para conseguirem outros bem maiores! Será que não são capazes de renunciar às bugigangas da vida?
Quanto à liderança, muitos são chefes, mas poucos são os verdadeiros líderes. Os chefes são centralizadores, enquanto que os líderes amam seus colaboradores e se sentem felizes com a participação de todos. Os chefes impõem suas ideias e não dialoga com seus súditos. Eles têm medo do que os outros ocupem o seu lugar. Agem sempre às escondidas. E quando dão ordem, não aceitam críticas. O líder é amigo do grupo e sabe que sua liderança é mais importante que a sua pessoa. Quem focaliza a si mesmo como ponto de referência, torna-se um peso para a organização. É difícil suportar um chefe, principalmente aqueles que acreditam serem os donos da verdade. Enquanto o chefe massageia o seu ego, o líder procura conquistar a todos com o seu trabalho.
Um lobo obeso é um fracasso. Ninguém terá paciência em ajudá-lo por muito tempo. A vida é ação contínua, conquistas, mudanças e descanso. A arte do viver é comparada àquela filosofia juvenil que diz: “Jovem não dorme, dá um tempo”. Os lobos mais jovens têm força e dinamismo, mas falta a experiência. Quanto a estes, deverão estar atentos, ouvirem as lições dos lobos mais experientes, refletirem e respeitarem os mais velhos. Quando todos estão de acordo, mãos à obra, mas não caia em tentação, agindo de modo irresponsável. Assuma os compromissos com alegria. Muitos desejam ser o número um, mas não têm capacidade de ser o número dois. Difícil é ser o número dois. Muitos querem apenas dar ordens ou estar numa posição de destaque. Quanto a estes, vivem de sonhos e jamais crescerão.
O equilíbrio é fundamental. Entre o ser e o agir existe a prudência, a inteligência, o trabalho e o juízo. Não faça tudo o que lhe vem à mente. Elabore um plano, consulte os critérios e reflita se vale a pena colocá-lo em prática. O pensamento vale ouro. Todos pensam e, portanto, poucos são os sábios. Somente aqueles que têm o pensamento alicerçado na Sabedoria Lunar, poderão desfrutá-lo como o ouro fino.
Para finalizar, nosso território é grande, tem espaço para todos. Com a divisão, seremos frágeis. Sejamos solidários uns para com os outros, a fim de vivermos em harmonia e perfeita paz.

Um novo dia na administração de Davi.

O discurso de Davi agradou a todos. Era realmente um lobo inteligente. Alguns lobos acreditavam que apesar de sua sabedoria, seu reinado era de transição. Cresciam as desconfianças, sobretudo, no meio dos lobos mais vorazes, que o achavam sábio, mas consideravam sua aparência frágil. A maioria dos lobos louvava aos céus por ter concedido um líder de aspecto mais tranquilo e de aparência alegre. Lobos da terceira geração contavam histórias, dizendo que outrora havia um Lobo Alfa chamado Cris. Era verdadeiramente um líder nota dez. Sonhavam com o seu retorno. Havia também lobos fiéis ao governo de Lino e inauguraram um museu com os objetos pessoais dele. Na realidade, quase toda a Alcateia não se importava com aquilo, mas, se algum lobo tocasse num desses objetos, era advertido.
Havia um lobo muito sábio chamado Crispim. Davi gostava de ouvir suas ideias e era amigo confidente. Crispim era um tipo sacerdote e aconselhador. Uma das forças mais significativam na administração de Davi era Crispim, um lobo discreto, mas quando uivava fazia a diferença.
De todos os modos, Davi tentou livrar-se da imagem negativa de seu predecessor, pois ainda não tinha conquistado definitivamente todos os membros da Alcateia. Por outro lado, também, tinha desconfiança quanto ao seu futuro. Será que os seus admiradores fariam o mesmo gesto em relação a si mesmo, depois de encerrar sua liderança? De acordo com a Sabedoria Lunar, um lobo não pode ter como apoio o bastão do aplauso. Davi estava consciente disso, no entanto, os seus dotes mais expressivos eram seus uivados musicados. Todos tinham fascínio em ouvi-lo. Muitas lobas diziam: “Quando eu ouço os seus uivados, eu me derreto toda”. Outros diziam: “É um grande artista, nunca vimos coisa igual.”
Certo dia, Davi chamou todos os lobos da Alcateia para um banquete. Providenciou um cabrito e também alguns animais pequenos. Pediu que fosse organizada uma gincana. O lobo ou a loba que trouxesse mais galinhas ou aves de qualquer espécie ficaria uma semana sem caçar. A proposta agradou a todos. Então, no horário marcado, começou a busca das aves. Manila, uma loba esperta de orelhas brancas, foi a vencedora. Ela trouxe 12 aves. Muitos lobos desconfiaram do resultado e descobriram que Manila tinha suas colaboradoras. Ela tinha um plano de conquistar o coração de Davi, por isso fez de tudo para ser a vencedora. Ao descobrir a façanha, Davi demonstrou descontentamento e passou a tratar Manila com certa indiferença. Para Davi, a lealdade está em primeiro lugar, sobretudo, quando se tratava de conquistar o seu próprio coração.
O modo de administrar de Davi estava dando certo. Até mesmo os lobos mais preguiçosos se sentiam motivados ao trabalho. Os que foram atingidos pela arrogância e imprudência de Lino foram contagiados pelo afeto e simpatia de Davi. Os lobos tornaram-se mais criativos e empolgados na descoberta de novas técnicas de caça.
Manila disse às colegas:
_ Vamos elaborar um plano. Um grupo de três lobas agirá junto. Uma dará uivado intermitente de um lado da fazenda, a outra fará o possível para manter os cachorros afastados do galinheiro. Finalmente, a terceira estará livre para trazer as galinhas.
Ao ver o plano de Manila, Davi teve uma ideia. A partir desta data, faremos também concursos sobre metodologia de caça. Os lobos que trabalharem em equipe e que apresentarem melhores resultados, serão premiados.

Uma administração para todos

Para modernizar a vida da Alcateia, Davi apostou todas as fichas na sabedoria Lunar. Ele mesmo promoveu encontros, ouviu novas ideias, organizou teatros, concursos de poesias e editou um livro. Não faltaram as críticas ao lobo Alfa, dizendo que ele se arriscava demais com a mania de usar recursos modernos. Mas, Davi insistia nos ensinamentos: “Quem planta, colhe”. Se cada uma fizer sua parte, toda a Alcateia será beneficiada. Por outro lado, a violência é a coisa mais detestável. “Não se pode pagar o mal com o mal”. Mesmo que nossa natureza seja selvagem, não significa que os lobos devam ser cruéis uns com os outros. “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Davi tinha fama de ser poeta e romântico. Seu hobby era fazer poesias e colecionar provérbios. Acrescentou Davi: “Aquele que escolhe o comodismo como refúgio, nunca será promovido”. “Barriga cheia, pé na areia”.
A vida não é só comida e nem mesmo conquista de território. Vida é diversão, arte, entretenimento. Vida é impulso, movimento que se endireita pelos caminhos da beleza, do conforto, da saúde e da inteligência de quem sabe ser um dom para todos. Pouco adianta ser proprietário de um longo território se a convivência com os demais lobos é irritante. O acúmulo de comida pode fazer da Alcateia um paraíso de obesos.
O bom humor fez de Davi um grande contador de contos e autor de eventos engraçados. Ensinou seus companheiros a uivar em todas as notas musicais. Davi tornou-se um músico profissional. Ele sabia conquistar a todos com suas apresentações, cheia de humor e melodias celestiais.
Numa certa noite, Davi pediu que fosse organizado um concurso de frases, tendo como referência a sabedoria lunar. Os lobos jovens redigiram dez frases.

1a. De galinha em galinha, o lobo enche o papo.
2a. É melhor ser amigo do cachorro que amigo da onça.
3a. Lobo que não sabe soprar morre de fome.
4a. Quem corre atrás de duas galinhas não pega nenhuma.
5a. O lobo que uiva muito morre de fome.
6a. Lobo que enjeita galinha, pau nele.
7a. Lobo que corre de cachorro bravo tem medo de galinha choca.
8a. Cachorro que late é chumbo certeiro.
9a. Se correr o lobo pega, se ficar o lobo come.
10a. Em terreiro que tem cachorro manso, qualquer lobo vira herói.

Davi tinha o seu coração voltado para as grandes emoções. Entre as lobas preferidas estava Luna. Logo no início da administração de Lino, Luna se distanciou da alcateia, mas conservava amizade com Davi, pois ambos tinham a mesma idade. Mesmo fazendo parte de outra alcateia, os dois mantinham um romance às escondidas.
O coração de Davi era de todos, porém, o amor por Luna era especial. A responsabilidade de seu compromisso assumido lhe restava pouco tempo para as suas histórias românticas. No caso de Lino, em matéria de romance, suas aventuras eram discretas. Lino não se entregava totalmente às suas lobas preferidas. Ele tinha medo de ser dominado por seus amores. Apesar de serem suas companheiras e mães de seus filhotes, eram suas súditas. Davi, ao contrário, era exagerado e passava além da conta.
A simpatia de Davi agradava a todos. O caso de Davi não era uma posse intelectual, muito menos, queria devorar os outros com sua diplomacia. Ele apenas tinha a capacidade de envolver a todos com sentimentos afetivos. Era artista por natureza. Seu jeito brincalhão e sorridente arrastava para si muitos simpatizantes. Lobos e lobas, até mesmo de outros territórios vizinhos, admiravam o modo de Davi conduzir a Alcateia. Era, de fato, uma liderança quase perfeita. A maioria dos lobos aprovava a administração de Davi, apesar das brincadeiras.
Com Timão, a convivência não foi fácil. Bem que Timão se esforçava para melhorar. Procurava sempre ler bons livros, mas estava sempre contaminado por uma lógica da ilusão de saber tudo. Timão era um lobo que adorava ser modelo para todos, porém estava sempre amargo. Dava impressão de que suas atitudes, ainda que inconscientes, eram realizadas com a intenção de arruinar a Alcateia. O motivo pelo qual agia assim manifestava o desejo de ser o líder da Alcateia. Ao saber disso, Davi convidou Timão para morar com ele. Dividiu sua própria comida e aumentou o espaço de sua morada dando conforto para aquele que o considerava como inimigo. Na verdade Timão ainda não havia vencido aquela tentação antiga de ser o chefão, por isso se comportava como tal. Davi fez de tudo para conquistar o coração de Timão. No final, cheio de frustrações, reconheceu a grandeza de Davi, embora não sendo capaz de superar o medo e o fantasma de quem viveu sem realizar grandes feitos e nem cultivar o amor e a verdadeira paz no coração dos lobos e em seu próprio interior.
Aconselhado por Crispim, Timão passou a respeitar Davi, mas por debaixo das cinzas havia brasas acesas, prontas para queimar quem nelas pisassem.

Um jeito novo de ser o primeiro

Davi tinha mesmo jeito para a juventude. Muitos diziam que ele exagerava nas competições e levava a vida em brincadeiras. Era um tipo conquistador, com fama de bonitão. Foi chamado até de “tigre da montanha”, mas, ele não se importava com isso, apesar de ser um tanto quanto vaidoso. Estava preocupado com as aparências. Por isso, sentava em seu trono e fazia o show. Todos desejavam ver o novo líder. Se os lobos gostavam de ouvir os discursos de Lino com sua coerência lógica, com Davi era diferente. Ele falava para os lobos e lançava um olhar sereno para todos. Ninguém tinha medo de Davi, a não ser aqueles críticos e amantes da antiga administração que o achava divertido demais para ser o líder da Alcateia.
Numa de suas conferências, Davi disse a toda Alcateia:

“O bom líder sabe que existem diferentes tipos de lobos, com ideias e culturas diversificadas, fruto do contato com o meio em que vive. O convívio com os lobos e o acesso às fontes de conhecimento são a receita, para formar novas e boas lideranças. Existem lobos que priorizam mais o intelecto. São ativos. Não têm preguiça de ler livros, buscam novas ideias, fazem cursos e ouvem palestras, conversam sempre com os outros e são estrategistas. Os governos de primeiro mundo, onde o estudo é coisa séria, apresentam uma forte característica racionalista, calculista e prejudicial na vida daqueles que sua própria natureza é mais coração. Além disso, o império da razão tende a sufocar os lobos poetas que usam a inteligência no campo reduzido da emoção e do sensacionalismo. Parafraseando um ensinamento de nosso amigo Crispim: o segredo da liderança é usar a sabedoria, que é um misto das duas realidades - racional e emocional”.

Uma das sabedorias lunares é fazer de tudo em prol da promoção de relacionamentos duradouros e fecundos. Quando conquistamos uma amizade verdadeira, ganhamos um tesouro. Mas, para usufruir deste tesouro, devemos partilhá-lo. Não podemos escondê-lo só para nós. Do que adianta ganhar uma garrafa de vinho fino se não podemos abri-la e saboreá-la? Difícil é conquistar uma amizade, mais difícil ainda é mantê-la por muito tempo. O alimento é bom e nos dá prazer, mas o exagero provoca desequilíbrio em nosso organismo. Corremos para alcançar o alimento, comemos para restabelecer nossas forças. A sabedoria mais louvável é saber direcionar o que sobrou de nossos empreendimentos em prol da organização futura.
Nada mais significativo que as grandes descobertas em favor de uma melhor estrutura de relacionamento entre os membros de uma Alcateia. Não importa quantos amigos temos, o modo de relacionarmos com eles será essencial na continuidade dessa amizade. O respeito, o convício e a amizade são elementos importantes para termos uma saborosa convivência.
Davi era sábio, porém, muitos lobos não depositavam tanta confiança nele. Era um tipo romântico demais. Suas confraternizações passavam dos limites. Há quem dizia que ele aproveitava esses momentos para dialogar, conhecer os integrantes da Alcateia e até fazer do tempo de diversão a oportunidade de formação. A motivação era sua marca principal. Ele era o tipo animador por excelência. Os lobos desafinados com sua organização, logo eram convencidos por suas qualidades de liderar a organização.
O bom líder é aquele que não segue as orientações dos outros sem analisá-las com sabedoria. Age de maneira livre, pois os critérios no qual fundamenta seu trabalho têm características duradouras. Os objetivos, os ideais de um líder devem ser maiores que as expectativas de seus colaboradores. Ele vai sempre à frente, apontando caminhos, e, quem sabe, fazendo caminhos e mostrando os meios a serem usados para que a Alcateia, sob a sua liderança, possa atingir mais e mais objetivos, de acordo com as necessidades da organização.
O Lobo Alfa deve ser destemido e corajoso. Deve ser alguém que não tem medo de represálias. Ele afasta de seu caminho os interesses mesquinhos da organização e coloca sua vida em risco para não deixar seus colaboradores desanimados e sem perspectivas de crescimento. Afinal de contas, o entusiasmo governa o mundo. Quem deseja um dia crescer na arte de liderar não pode esquecer este grande mandamento da sabedoria lunar. Não se pode esquecer a humildade, o respeito. Com estas virtudes, um bom líder conquista a todos. Sabemos que somos todos limitados, mas o modo como trabalhamos nossas limitações é mais importante. “Nossas qualidades devem ser trabalhadas, pois, se estas são verdadeiras conquistas, o desafio é mantê-las”.
_ Engraçado – dizia a Loba Manila – Davi era um lobo simples, sua mãe não lhe ensinou todas estas coisas. Era uma loba cheia de entusiasmo. Hoje, ele não é mais o mesmo que conheci há alguns anos atrás. Sua mãe era sábia e seu pai muito calado, porém, bastante trabalhador. Acho que ele herdou o charme e a sabedoria da mãe e do pai, a responsabilidade.
Luna interveio:
_ Os fracos se transformam em fortes. Por isso, não podemos desprezar ninguém. Havia muita expectativa em torno de seu irmão Tino, pois ele tinha as mesmas características de um Lobo Alfa chamado Cris. Era inteligente, com pose de grande estrategista, mas era como o fogo de palha. Tino tornou-se acomodado e medroso, deixou de ser um bom caçador e passou a ser um simples lobo, bonzinho para com todos, porém, mal defendia a própria comida do dia-a-dia. Muita empolgação nem sempre é sinal de crescimento e boa liderança.
Uma das grandes descobertas de Davi foi a capacidade de entender as diferenças temperamentais dos lobos. Muitos lobos eram ferozes e atacavam uns aos outros quando alguém queria impor o seu jeito de ser. Davi compreendeu que, nestas diferenças, o melhor remédio é o respeito. Os lobos mais ferozes eram menos criativos e os mais flexíveis eram mais inspirados para o trabalho. Havia, ainda, um terceiro grupo, os diplomatas, mas, muitos deles, eram preguiçosos e comilões.
Ao reconhecer os pontos fracos e fortes de cada lobo da Alcateia, Davi tornou-se mais cauteloso quanto ao relacionamento individualizado. Para a Alcateia, esta foi uma vantagem em relação ao antigo líder Lino. Sua organização teve grandes lacunas na área do relacionamento. O jeito franco e explosivo de Lino trouxe muitos benefícios para a Alcateia, porém muitos já estavam cansados de seu posicionamento.
Davi era mestre em relações públicas. Ele sabia resolver os problemas com maestria. A análise dos pontos positivos e negativos e a tomada de decisão foram pensamentos que Davi aprendeu com Cris. Nessa forma de administração, muitos problemas eram resolvidos com sucesso.
Certa vez duas lobas não se entendiam bem. Uma delas foi ter com Davi e lhe disse: “Você que é amigo de Luna, diga para ela ter mais paciência comigo, há muito tempo que não somos capazes de relacionarmos bem. Ela é uma manteiga derretida. Todas as vezes que tento aproximar-me dela dá tudo errado!”
Davi disse:
_ Você deve estar mais atenta ao modo de vida de Luna, minha amiga Tatá. Você nunca poderá impor o seu jeito de ser, seu temperamento, querendo mudar a natureza de Luna. Ao contrário, procure valorizar o que ela tem de bom. Procure conhecer os segredos dela, de que ela gosta, como é o modo dela resolver os problemas. Se o seu modo é diferente do modo dela, torna-se, já de antemão, uma realidade contraditória, impedindo que o relacionamento entre vocês se deslanche naturalmente. Aprenda acolher Luna estando em seu lugar. Faça mais perguntas para depois fazer certo tipo de julgamento, caso seja necessário.
_ Acho que entendi – disse Tatá. Nós somos muito diferentes. Uma parece com o sol e a outra com a lua.
_ Se isto verdade, procure saber mais sobre as qualidades e limitações de Luna. Não aponte os defeitos de Luna, mostre as suas qualidades e as valorize. Se você contempla as coisas boas, terá um bom relacionamento com Luna.
_ São essas diferenças! Tudo acontece por causa dessas malditas diferenças! Afirmou Tatá.
_ Não diga isso Tatá. Imagine se a Alcateia fosse uniforme. Todos com qualidades e defeitos sob medidas. A maior riqueza de nossa Alcateia está nas diferenças.
Terminado o diálogo, Tatá foi imediatamente à toca de Luna e propôs que as duas fossem caçar juntas na noite seguinte. Luna ficou admirada com o convite e disse: “Combinado! Quando a lua aparecer no céu percorreremos o território juntas”. No outro dia, tudo voltou ao que era antes.
Certamente, as ações entre as duas lobas foram condicionadas pela diferença de temperamento. Elas agiam daquele modo para salvarem sua própria identidade e o temperamento. Todas as duas estavam certas e, ao mesmo tempo, erradas. Certas por defenderem sua individualidade e erradas por causa da mania de controlar a outra ou desejar que seu ponto de vista fosse aceito a todo o custo. O diálogo para Davi era o instrumento número um, que resolvia a maioria dos problemas da Alcateia.
O modo de resolver os problemas nem sempre agradava a todos. Havia lobos que preferiam os antigos métodos de relacionamentos como: correção em público, punição descabida para os rebeldes, mordidas e ameaças de todo o tipo para quem praticasse algum ato errado.
Certo dia Davi exclamou:
_ Quando um lobo dá opinião sobre tudo, mas não tem a sabedoria e a ciência suficiente para ajudar a equipe é sinal de que ele quer ser patrão.Tem a resposta para tudo e tudo justifica, mas não é capaz de apresentar ideais ou razões convincentes. Quem deseja ser líder e está deslocado de sua missão, aponta os erros dos outros, mas não sabe se posicionar como aprendiz.
O maior desastre para uma alcateia é contar com uma dezena de lobos que pensa ser o que nunca será e nunca poderá ser. Isso é hipocrisia. Davi sabia muito bem quando algum lobo era infectado por um vírus do “não concordo”. Por trás de tudo isso estava um lobo medroso, covarde e injusto. Quando se tem alguém com essas qualidades o melhor remédio é não levar a sério seus conselhos, porém estar atento, pois suas queixas podem conter a verdade. Tais lobos são mestres em nos ajudar a perceber nossos defeitos e perseverarmos no caminho da verdade, fazendo tudo e somente aquilo que é para o bem de todos.
Numa reunião do Grande Conselho, disse Davi: “Como é triste saber que um lobo ajuda muito a Alcateia, quando ele não faz nada”. Já pensou se isso acontece com uma família de lobo. É como cuidar de um parasita. Saber que ele está sempre tirando, e tirando e tirando, sem ser capaz de ajudar a organização. O contra testemunho dos lobos traz insegurança e retrocesso para a Alcateia. Na Alcateia existiam alguns lobos que são verdadeiros parasitas, mais atrapalhavam do que ajudavam. Davi teve compaixão daqueles que não eram capazes de fazer algo de bom, mas que não significava grandes preocupações para a organização, porém, os que praticavam o mal eram severamente advertidos e punidos em alguns casos.

Pleno apogeu

A administração de Davi seguia a pleno vapor. Além dos territórios a serem mantidos, houve grandes avanços na qualidade dos relacionamentos. É certo que nem tudo foi perfeito. Davi compreendia cada situação a ser trabalhada para que todos pudessem viver em paz. Apesar de suas limitações, boas lições ele deixou.
Davi colecionava boas amizades. Aliás, esta é uma das marcas mais preciosas em seu governo. Era um lobo querido por quase todos. Conservava-se sempre uma figura simpática e controlava os seus impulsos para tornar agradável o ambiente em que ele servia como líder. Suas qualidades eram de um verdadeiro líder. Todos os dias procurava conquistar o coração de mais e mais lobos de sua Alcateia. Sua agenda estava cheia de compromissos informais, encontros, festas e confraternização. O segredo da administração de Davi tinha como orientador de seus projetos um grande lobo chamado Crispim. Com ele, Davi encontrava as melhores ideias para fazer da Alcateia um lugar bom de viver.
Quanto à resolução dos problemas, Davi era esperto. Não se envolvia com eles. Seguia a Sabedoria Lunar, Davi dizia que não se pode bater de frente com os problemas. Se eles existem, devem ser resolvidos um por vez, e na hora certa. Ninguém resolve um problema num piscar de olhos. É preciso sair da desolação, ou seja, nos momentos difíceis, é preciso esperar a poeira assentar! Passar por baixo dos problemas é um gesto de humildade, não de covardia. Quem resolve um problema com agressividade, reage, muitas vezes, sem pensar. Mas, quando percebe que está na hora de tomar as decisões, se está seguro, decide e não volta atrás. E assim agia Davi; não era lobo de duas palavras.
Davi era mestre em ajudar os lobos a resolverem os seus problemas. Certa vez contou que conheceu uma loba chamada Naná. Um dia ela disse a Davi: “Minha vida não tem sentido, vou deitar-me nesta relva para nunca mais levantar. Não consigo ver sentido em nada. Eu sou um grande problema para toda a Alcateia”. Davi respondeu:
_ “Nada é sem sentido. Se você pinta sua vida de preto, verá somente o luto e a sua sombra. Mas, se olha para o arco-íris tudo se torna diferente. Que a sua vida não tem sentido do jeito que você está vivendo, eu não tenho dúvidas. Eu também daria um fim se estivesse em seu lugar. Mas, fique atenta, o problema está em como você vê o mundo. Tudo tem sentido quando o coração e a mente estão ligados entre si. Devemos acreditar que o mundo é um paraíso. Desse modo o veremos com alegria, motivação e vontade de abraçá-lo como se ele fosse nosso. E, na verdade, o mundo é nosso. Podemo-nos sentir parte dele e termos a sabedoria de viver nossa vida com arte e inteligência”.
Naná compreendeu que o verdadeiro sentido da vida não estava na tristeza, no desânimo e no sentimento de culpa que a atormentava, mas, na opção de uma vida cheia de luz. Acreditar que somos divertidos e benquistos por todos, é uma questão de interpretação e escolha de seu papel no palco da vida. Se a sua escolha é participar de um filme de terror aqui na terra, seu papel será sempre desesperador. Faça de sua vida uma aventura dinâmica, mas não deixe de fazer um papel engraçado e cômico. A alegria faz parte da vida. A escolha depende de você.
O poeta tímido e frágil foi ganhando fôlego e, em pouco tempo, conquistou toda a Alcateia com o seu sorriso contagiante. Ele fazia poesia de tudo, até mesmo das coisas mais elementares. Davi gostava da farra, mas não era tão disperso, uns diziam que ele era vivo e atento aos pequenos detalhes. Não importava tanto com o modo de se comportar, desde que mantivesse sua liberdade em fazer amizades, de se relacionar bem com todos. Sua preocupação não era o julgamento e sim a ação concreta em se tornar alvo de atenção. Ele mesmo não queria estar no centro das atenções, mas não dispensava uma boa identificação. Todos querem ser ou ter uma bela imagem. A saúde, a beleza o estado de espírito são sinais de que tudo está em seu devido lugar. A vaidade deve ser evitada, porém cuidar de si faz bem para a alma e o coração.
Um bom líder deve ser honesto e gentil. Ele sabe muito bem como conquistar aqueles com os quais vivem ao seu redor. Para conquistar o mundo e a todos deveria abrir mão de seu futuro, de seu passado e até mesmo de seu presente. Davi governava a Alcateia com o seu coração. Quando sentia que algum dos seus súditos aprontava com ele, logo buscava um jeito de reconciliação. Até mesmo com os durões, lá estava Davi disposto a reduzir os aborrecimentos ou confundir os seus agressores com o seu silêncio. No final, tudo dava certo. Às vezes ele agia com determinação, mas em muitos casos a flexibilidade é que produzia bons frutos.
No seu mundo dos sonhos, passou a maior parte de seu tempo. Conversou com as estrelas e mergulhou no mundo dos afetos e das sensações mais elevadas que qualquer lobo poderia sentir. Ele esvaziou a mente dos raciocínios e a encheu de sonhos. Rasgou o peito e decidiu plantar nele um jardim de flores. Nesse jardim, havia também espinhos e pedras.
Davi decidiu viver da arte e da poesia. Seu problema era não ter problema o suficiente para viver grandes emoções. Era ser o grande problema. Ele trouxe para si o mundo e atraiu todos para ele, como uma galinha junta debaixo de suas asas os seus pintinhos.
A liderança de Davi era cheia de entusiasmo e vida. Não era aquele lobo que dizia: “faça o que vocês quiserem” ou “o que vocês resolverem, para mim está bom”. Ele era de verdade um grande líder. Seus sonhos, suas emoções estavam enraizados na arte de não mimar ninguém, nem mesmo fazer de todos os lobos reis e rainhas, com a liberdade de fazer o que quiserem. Apenas quis levar para seus súditos o bem estar e a vida renovada e divertida, sem tirar o peso da responsabilidade com que cada lobo deveria se comprometer.
Ao chamar atenção para si mesmo, Davi organizava a Alcateia em torno dos valores que ele mesmo adquiriu ao longo de sua experiência. Com muito jeito, aprendeu que no centro não podia ficar. Então, tomou a firme decisão de fazer tudo para agradar a Alcateia e optou pelo caminho mais longo e doloroso: o sacrifício de si mesmo. Por causa dos tempos difíceis e de sua idade que não o ajudava, deixou de tocar flauta e cantava com menos frequência. Passou a dominar a arte de ser mais concentrado no essencial. Deixou de contar histórias e piadas engraçadas. Quando idoso, Davi optou pela tradição e pela articulação de bons conselhos dos lobos sábios de diversos reinos. Usava mais a inteligência e a diplomacia, passou a se relacionar mais com os lobos fazendo perguntas e incentivando-os a ficarem mais unidos. No final de seu reinado, Davi passava a maior parte do tempo ensinando os mais jovens as lições da vida. Era carinhoso com os filhotes e compreensível com todos.
Davi era, de fato, conquistador de corações. Ele era mestre em fazer brotar do coração dos lobos novo sentido para suas vidas. Parecia até que os lobos ganhavam de Davi um novo coração. Era como um toque de mágica. E todos se transformavam interiormente. O seu uivado era doce de se ouvir, não significava ameaça para nenhum lobo. O que mais gostava de fazer era de obter novas amizades e bons relacionamentos.
O estilo de Davi agradava a Alcateia. Mas esta sensação causava insegurança e medo especialmente para os seguidores da doutrina de Lino. Davi era um místico sonhador. Muitos pensavam alto: quem ele pretende ser? Parece até que é estrangeiro, de sangue real ou o último dos heróis das terras Além-mar.
Lins, um lobo muito esperto e brincalhão, fizera amizade com Davi. Ele era um companheiro de caça indispensável. Davi lhe ofereceu as melhores áreas de seu território. Junto com ele, estava Kaká, uma loba jovem e com muitos talentos. Kaká era encarregada pela formação de novos guerreiros na arte da caça. A dupla fazia um sucesso tremendo. Os jovens caçadores os ajudavam e eles eram os campeões em número de presas. Com o auxílio de Lins e Kaká, em pouco tempo, a Alcateia pôde contar com caçadores hábeis.

O segredo da convivência

O governo de Davi obteve sucesso porque se tratava de um grande sonhador. Ele pensava alto e sabia arriscar sua vida por amor à Alcateia. Já, bem antes de ocupar o cargo, procurava conquistar o coração dos lobos com seus talentos musicais. Além de fiel às leis do antigo Lobo Alfa, criou um estilo próprio. Foi Davi quem desenvolveu um plano piloto chamado “Caçada inteligente”. Antes mesmo de ser escolhido como Lobo Alfa, seus projetos eram elogiados por outros Lobos Alfas da região.
Nos primeiros meses de sua liderança, Davi soube beber de sua própria fonte. Era jovem, esperto e prudente. Ele tinha um caderninho com folhas amareladas. Nele, anotava todas as boas inspirações. Gostava de frases curtas e definições matemáticas. Não era rápido demais para tomar decisões, mas, nada de comodismo. Ele mesmo dizia: “É preferível perder um minuto na vida a perder a vida num minuto”. Na época em que Davi assumiu a liderança, havia um grande problema. marcada pela escassez da caça e por outros desafios, Davi teve que investir na formação de novos caçadores, com novas técnicas adaptadas às intempéries do tempo.
O plano piloto de Davi tinha como base a Sabedoria Lunar. Nada que fosse alheio a ela não podia ter força de lei. Davi era um humorista. Com entusiasmo e seriedade, motivava a todos a dar a vida pela organização. Num de seus discursos Davi disse:
_ “Tomara que todos os lobos vistam a camisa de nossa Alcateia. Já mandei confeccionar um marca para minha administração. Aqueles que desejarem, adquiram suas vestes. Quero dizer que não é obrigado a usar tais insígnias, mas recomendo a todos que procurem assumir corajosamente nossa identidade. Um lobo deve estar bem situado em seu espaço, contando com a ajuda de seus companheiros. Não me considero superior em relação a nenhum de vocês. Acho mesmo que todos nós somos iguais em dignidade. Quanto a minha liderança, não será vivida como se eu fosse um faraó do Egito antigo. Sou apenas um lobo como vocês, cheio de limitações. Quanto a mim, sinto-me responsável pela felicidade dos que estão sob a minha liderança.
Davi era mesmo mestre do relacionamento. Quando encontrava algum lobo com pensamentos diferentes, não impunha suas ideias e nem assumia uma posição de dominação. O respeito era uma qualidade muito apreciada por todos, em relação a Davi. Ele ouvia com atenção seus opositores e depois pegava o que era bom. Quanto aos pensamentos contraditórios, ele mesmo afirmava que também tinha suas ideias, mas fixava seu olhar apenas naquilo que era comum. Somente, no final do discurso, apresentava sua visão como proposta, sem impor suas ideias como se fossem as únicas verdadeiras.
Um bom líder está atento em não agradar a todos ou aceitar suas opiniões como sendo todas verdadeiras. Um líder que tenta agradar a todos, faz da Alcateia um caos. As ideias insignificantes e contraditórias devem ser abandonadas. Mas o problema está na forma de eliminar estas ideias sem desvalorizar as iniciativas de cada lobo. Davi não era um diplomata, mas tinha fama de ser cuidadoso e prudente em suas decisões. Ele renunciava muitas coisas, sobretudo aquelas que podiam machucar o ego de seus pimpolhos.
A liderança de Davi exigia cooperação e muito estudo. Ele escolhia todos os seus colaboradores, apesar de não fazer distinção entre eles. Não tinha medo de colocar na coordenação de cargos importantes, lobos que tinham pensamentos diferentes em relação aos seus. Era perfeitamente possível a convivência de lobos com pensamentos diversos. O segredo da boa convivência não está na igualdade dos pensamentos, mas na diversidade de opiniões que significa riqueza para toda Alcateia. Davi acreditava que a harmonia da Alcateia não era unilateral. A diversidade era sinal de prosperidade. Um estatuto rígido pode trazer sérias consequências como reclamações e rivalidades, divisão e mal-estar geral.
A escolha dos líderes não era feita a toque de caixa. Davi dizia que nenhum lobo poderia ocupar um cargo de liderança no qual o mesmo candidato se apresentava como pretendente. “Qualquer pretensão em ocupar algum cargo sem qualificações, será, para mim, um sinal negativo de pura vontade de status”. – disse Davi. Nesse caso, Davi sempre suspeitava do candidato. Não se pode sair por aí dizendo: “eu sou um poeta, eu sou um poeta!” É necessário aprender a arte da poesia para recitar poemas. Depois de algum tempo, será classificado e reconhecido como poeta.
Geralmente as escolhas se concretizavam sempre mais tarde, depois de investigar os candidatos. Ele sempre dizia:
_ “Não posso aceitar que um lobo assuma um determinado cargo na Alcateia se eu não sinto paz interior, quando pronuncio o seu nome”.
O plano piloto de Davi envolvia todas as áreas em que os lobos necessitavam estar atentos. Somente depois da apresentação deste plano é que Davi retomou os trabalhos de Lino, seu antecessor. Ao mudar a mentalidade dos lobos, irrigando suas mentes com novas ideias e novos projetos, o Estatuto de Lino foi reelaborado. Algumas regras tiveram que ser modificadas. A maioria delas permaneceu sem qualquer alteração. A única novidade estava no modo de expor. Davi apresentou uma linguagem mais dócil e menos normativa. Cada artigo fora confrontado com a Sabedoria Lunar. Se houvesse aprovação por unanimidade, tudo ok! Os artigos polêmicos eram estudados à parte. Cada lobo tinha que expor sua posição, contra ou a favor. Depois era feito uma síntese das melhores posições. Numa segunda assembleia, os artigos eram novamente analisados. Ao final, o estatuto deixado por Lino tornou-se mais enxuto e flexível. O documento final agradou aos lobos.
Davi preocupava-se com a sua própria imagem. Alguns diziam que ele era muito vaidoso. Usava o argumento da arte. “A beleza atrai o olhar, a bondade atrai o coração e a inteligência atrai a razão”, assim, ele fazia uso dos grandes pensamentos para impressionar toda a Alcateia. Evidentemente, Davi não se colocava no centro das atenções. Era discreto, mas era notado por todos.
O seu talento e sua presença qualificada não eram para impor suas ideias, mas para viver junto aos lobos. Desde os mais jovens até aos mais velhos, dos agressivos aos mansos. Todos tinham um lugar reservado em seu coração. Enquanto Lino marcava suas visitas e exigiam certas regalias de Lobo Chefe, Davi gostava da companhia de todos como simples integrante da Alcateia. Ele sabia ouvir seus companheiros e suscitar novas amizades. Era mestre na arte do diálogo, raramente fazia perguntas embaraçosas e, se isto acontecia, era rápido em pedir desculpas. Às vezes, seus questionamentos eram motivadores e audaciosos. Fazer perguntas sobre o futuro, de modo especial, para os lobos mais jovens, era o seu ofício preferido. Seu olhar era certeiro, não conseguia disfarçar. E quando farejava algum problema, logo entrava em ação. Num piscar de olhos, relembrava algum dos ensinamentos da Sabedoria Lunar que pudesse resolver aquele problema. Parece até que ele tinha uma caixinha de segredo guardado em sua mente e em seu coração. Depois de procurar aqui e ali, retirava pensamentos valiosos. Tudo era feito com prudência para não tomar decisões precipitadas e nem esperar o mal se alastrar e tornar-se incontrolável.
A qualidade da liderança de Davi era a capacidade de resolver os problemas sem muita demora, mas não os resolvia de qualquer jeito. Para cada um havia certo ritual. Tudo devia estar em sintonia com o infinito. Deste modo, Davi abria mão da pressa e procurava resolver os problemas com maestria. Para cada solução, achava um meio termo que pudesse agradar a todos e que fosse a melhor. Às vezes, agia pelo emocional e isso lhe custava caro. Mas, como ninguém é perfeito, era comum que estas perdas acontecessem.
Diante do perfeccionismo de Lino, Davi agradava em muitos pontos mais da metade dos lobos da Alcateia. Tinha senso de humor, acreditava no que os lobos diziam e dava apoio a eles, quando os mesmos apresentavam suas opiniões sobre determinados problemas. O seu excesso de confiança trouxe alguns sérios problemas que, pouco a pouco, desarticulou a Alcateia.
Quanto ao funcionamento dos diversos grupos de caça, nenhum deles podia reclamar de seu líder. Ele os apoiava e quando tinha tempo ia para a caça junto, com exceção, das noites escuras. Nas noites sem lua, Davi repousava e, ao amanhecer, aproveitava para caçar alguns animais de pequeno porte e logo retornava à sua toca.
Nos períodos de muita escuridão, os lobos tinham que caçar durante o dia. Tarefa difícil, pois os problemas eram frequentes. Davi convenceu a todos que, nesses períodos, a caça fosse suspensa nos lugares descobertos. Foi permitida a caça apenas nas matas e reservas florestais, longe da civilização humana.
A Alcateia foi crescendo e muitos lobos passavam dificuldades para encontrar a comida, que já era escassa. O reino dos lobos exigia doação e sacrifício. Viver e sobreviver era uma grande aventura. Por isso, Davi apostou em educar os lobos para partilhar a comida. Tudo era posto em comum, para que todos pudessem garantir o sustento, na esperança de uma nova estação de fartura.

Liderança de Davi

Davi reconhecia que não era perfeito. Os erros fazem parte da vida de qualquer lobo. Se algo não funciona bem, então está na hora de mudar o foco. Feliz o lobo que aprende com os erros dos outros. Os jovens lobos aprendem a ter sucesso na vida quando se arriscam e são treinados, aperfeiçoados na arte da captura de sua presa.
Luna perguntou a Davi:
_ Como posso aprender com os erros dos outros? É possível aprender com algo errado?
_ Quando eu vejo um lobo cair numa emboscada, previno para não cair nela e sigo por outro caminho, explicou Davi.
Timão afirmou:
_ O segredo do sucesso é manter sempre a lâmpada do bom humor acessa. Vejo que você está sempre sorrindo e brincando. Você não acha que suas brincadeiras estão passando dos limites?
_ Uma coisa é o compromisso que eu tento fazer com maestria, mas a vida é feita para grandes aventuras e a aventura do amor é a maior delas, respondeu Davi. Prefiro viver na poesia ao estar mergulhado em problemas. Você deve fazer o mesmo e não ficar por aí sempre agressivo e querendo resolver os problemas de todos de uma só vez. Relaxe, não fique perdendo o tempo com tantos julgamentos. Vejo que você não é feliz enxergando apenas o lado ruim das coisas.
Timão deu um rosnado de descontentamento e se afastou para sua toca.
Davi aproveitou a presença de algumas lobas com seus filhotes e lhes ensinou algo que aprendeu em um curso de formação:
_ Minhas amigas, cada um de nós temos o nosso valor. Se não estamos presentes, fazemos a diferença. Mas, se estivermos atrelados ao nosso egoísmo ou quem sabe à nossa indiferença, nem seremos notados quando estamos presente, muito menos a nossa ausência. O modo como você vive na Alcateia, participando com seu esforço é que faz a diferença.
Luna afirmou:
_ Sem trabalho e luta uma alcateia não sobrevive. Vejo que estamos crescendo, mas há grupos de lobos que não estão colaborando. Quero ajudar nossa Alcateia a conquistar seus objetivos.
Figo questionou:
Apesar de tanto bom humor de nosso líder, vejo que apenas uma parte da alcateia trabalha demais. Sei que quem trabalha não tem o direito à caça, mas têm lobos que dão seu suor somente quando são cobrados ou quando estão exercendo um cargo de liderança. A maioria são aproveitadores. Aqueles que encontram decepções na hora da partilha não têm ânimo para o trabalho. Uns não trabalham porque estão fartos, outros porque estão muito fracos e com fome, ficam esperando para serem beneficiados da caça alheia. Inventam mil desculpas. Acho que você, como líder deve chamar a atenção desses lobos acomodados.
Tudo bem, Figo, nesta semana prometo realizar uma reunião e vou ser mais enérgico com toda a alcateia assegurou Davi.

Reunião sobre o trabalho


Davi reuniu em torno de si um número considerado de lobos e lobas. Entre eles estavam os coordenadores de caça e professores dos lobos jovens. Assim ele discursou:
Meus amigos e amigas, é preciso que a partir de hoje nos adaptemos às mudanças. Vivemos numa grande alcateia, em número de lobos e também na diversidade de culturas. O mundo dos lobos tornou-se perplexo e certas regras deixadas pelo meu antecessor Lino não podem ser mais referências para nossa Alcateia. Precisamos de algo maior, que estimule e que nos ajude a compreender melhor o modo de vivermos.
Sejamos brincalhões, sem contudo, deixar nosso compromisso. Cada um receberá a sua recompensa. Não podemos apoiar no trabalho do outro, a não ser quando algum lobo tenha motivos para isso. O segredo do sucesso está na capacidade de conviver com nossas limitações. Ninguém é perfeito, mas todos estão convidados a respeitar os companheiros e companheiras, mesmo que não tenham parentesco de sangue.
Os seus desejos só poderão ser realizados quando é vivido na alcateia e partilhado com todos. Fora disso, são sonhos loucos e alienantes. A harmonia é fruto do respeito às diferenças e ao cumprimento do dever. De que adianta termos um território farto se há hipocrisia, vaidades e tristezas. A alegria, o bem estar de todos reprova o uso da agressividade, do comodismo e do orgulho.
Quero fazer algumas perguntas. Você sabe os nomes de todos os lobos de nossa alcateia? Você tem partilhado sua caça com algum lobo que não seja seu irmão de sangue? Creio que nem todos poderão responder positivamente tais perguntas. Por isso, é preciso mudar. Todos podem e devem mudar. Mova-se! Coragem! Procure desenvolver a arte do bom humor, mas não se esqueça que sem trabalho não conquistaremos nossos sonhos. Pense nisso.

As jovens lobas-mães

Davi teve grandes problemas na área sentimental. Talvez porque tinha um coração grande, muitos lobos e lobas se entregavam a qualquer tipo de aventura amorosa. O próprio Davi teve que segurar as pontas para não cair em tentação de levar a vida num mar de rosas, entregue aos sentimentos. O romântico Davi teve sérios problemas em controlar os impulsos dos corações de seus súditos. Alguns críticos diziam que Davi não resolveria todos os problemas da Alcateia com sorrisos e piscar de olhos. A bomba estava pronta para estourar.
O plano administrativo de Davi era autêntico, mas os rebeldes não tinham acesso aos seus discursos e às escolas de formação. A nova metodologia de Davi foi a de compor poesias, cantar hinos e canções que pudessem atingir um maior número de lobos. Ele mesmo publicou alguns artigos e poesias, a fim de acalmar e regulamentar o comportamento dos lobos na área do relacionamento. Muitos lobos iniciavam sua vida amorosa muito cedo, antes de atingirem uma formação física e psicológica para terem seus filhotes. Os genitores, como manda a regra geral, deveriam caçar e tratar de seus filhotes. Havia jovens lobos que nem sequer defendiam seu próprio sustento. Daí surgiram graves problemas para as futuras gerações de lobos. Muitas lobas-mães comiam ervas selvagens para impedir o nascimento de filhotes, mas este comportamento, além de ser arriscado, trouxe também desconforto e divisão entre os membros da Alcateia.
Alguns lobos, sobretudo os mais velhos, diziam que agindo assim contrariavam a lei natural. Não se pode de modo algum impedir o nascimento dos lobos, uma vez que eles já estavam a caminho. Outros, porém, achavam que a vida é só diversão e que os lobos deveriam viver das fantasias e dos sonhos.
A proposta de Davi foi propor um ritual que envolvesse os pais das lobas e lobos adolescentes numa mística da passagem da infância para a vida adulta. A passagem para a fase adulta era esperada com muita ansiedade por parte dos lobos. Tudo tem o seu tempo e a sua intensidade. A proposta de Davi trouxe para a Alcateia mais segurança e paz. Enquanto os jovens se preparavam para o acasalamento, desenvolviam a amizade, procuravam ser mais hábeis no exercício da caça e procuravam aprender mais os segredos da vida.
Neste tempo, os jovens lobos eram encorajados a fazer boas amizades e escolherem seu par, a fim de entregar suas vidas a uma grande paixão. O respeito e a amizade superam infinitamente a capacidade de se relacionar num plano apenas físico. Somente quem está preparado interiormente poderá ser um grande herói ou heroína e colher bons frutos de um relacionamento duradouro. Quem vive de aventuras pode ter os seus dias contados. A única aventura que vale a pena é viver com respeito, integrado numa organização que valoriza e acolhe com carinho atos de amizade e de partilha, a fim de que a Alcateia seja um paraíso terrestre.
A resolução do problema das lobas-mães foi solucionada em partes. O grande mérito de Davi foi a de reduzir o número de nascimentos de lobos que não tivessem pais e mães preparados para a difícil missão de cuidar dos filhotes. A arte, a música, a dança e tudo o que pudesse instruir os lobos, as lobas jovens e adolescentes da Alcateia eram promovidos em sua administração. Tudo isso trouxe para todos mais qualidade de vida.

Avanços e retrocessos

A Alcateia prosperava de modo descomunal, por isso, apesar do controle de natalidade, a Alcateia cresceu de modo assustador. Todos diziam: “É um exagero, essa quantidade de lobos. Ou dividiremos em dois grupos ou deixaremos de existir”. O tempo foi passando e a administração de Davi deixou de ser um sucesso. Muitos lobos diziam: “Não podemos mais nos apoiar na simpatia de Davi. Vivemos numa época de mudanças radicais. Precisamos de sangue novo”.
Davi era um lobo prudente, simples e desapegado de tudo e de todos. Mas, este sonho foi sempre interrompido pela sua mania de querer abraçar o mundo do entretenimento e da ciência de uma vez. O problema não estava em seu comportamento junto aos lobos de sua Alcateia. Até aí tudo bem. As rachaduras começaram a aparecer por excesso de idealismo. Ele era elétrico e queria fazer as coisas acontecerem tudo de uma só vez. Do teatro à música, dos estudos da Sabedoria Lunar às aventuras de alpinista sonhador. Tudo, para Davi, era questão de tempo. Muitos diziam: “onde já se viu atingir níveis tão elevados de ciência para uma alcateia tão simples e humilde como a nossa?” A maioria dos lobos não estava preparada para acompanhar o ritmo de vida de Davi. Ele tornara um lobo tão eficiente e tão estudioso que passou a atingir níveis de conhecimento bem superiores à média dos lobos de sua Alcateia. Este foi um dos primeiros problemas no governo de Davi. O que deveria ser vivido na prática passou a ser apenas admirado. E Davi não percebeu que seus planos estavam escritos nas mentes dos lobos, mas não se alojavam nos corações de seus súditos. Muita teoria e pouca prática, muito sonho e pouco realismo.
Nem tudo é perfeito. Numa reunião, Davi fora criticado por ter tomado uma decisão. Tim Tim foi quem uivou alto, reivindicando seus direitos. Naquela noite, Tim Tim passou na toca de Davi e, de propósito, deixou um osso como presente de aniversário. Pouco tempo depois, Davi deu o troco. No aniversário de Tim Tim, Davi não apareceu para cumprimentá-lo. Davi, às vezes, era indiferente em relação a quem agia com agressividade e não suportava lobos acomodados.
Figo disse com ar de segurança: “A vantagem de Davi sobre os outros lobos é que ele tem jogo de cintura, não se esquenta por qualquer motivo e age com prudência. É verdade que ele, de vez em quando, tem algumas atitudes de jovem lobo, mas todos nós um dia fomos jovens”. Timão replicou: “O mundo dos lobos não precisa de poeta, de lobo que canta e que desperta suas lobas com seus uivados afinados. Prefiro as regras e a vida selvagem. Somos uma Alcateia, isto é, um conjunto de lobos ferozes, não um rebanho de ovelhas”.
Bora defendeu Davi, dizendo: “Não estávamos mais aguentando a liderança de Lino. Ele era apegado a tudo, centralizador e com mania de grandeza. Se algum dia um lobo como você, Timão, ocupasse o lugar de Davi, eu seria a primeira a ir embora”.
Luna afirmou que Davi ignorava Timão, desde o dia em que Timão tornou a desafiá-lo uivando mais alto que ele numa reunião do grupo de caça.
Figo afirmou que nenhuma organização vive sem diálogo e negociação. A indiferença é pior do que o ódio, pois se eu ignoro alguém é como se ele não existisse.
Davi, percebendo o zum-zum-zum, aproximou-se para certificar do que se tratava. Imediatamente, Timão deu as costas para o líder e foi se retirando. O líder percebeu que os problemas não tinham desaparecido. E disse assustado: “Eu já fiz de tudo para que Timão se sinta acolhido na Alcateia, mas ele é insistente. Acho mesmo que precisamos dar um basta em tudo isso! Parece não ter mais jeito. Dois líderes não podem ocupar o mesmo espaço”.
Nunca se ouviu falar de uma liderança tão significativa para a Alcateia. Apesar de suas brincadeiras, Davi era articulador. Muitos diziam que era um pouco desorganizado. Tinha a mania de iniciar muitos projetos de uma só vez. Apesar de tudo, mantinha os projetos passados e era fiel à Sabedoria Lunar. Estava sempre aprendendo coisas novas. Ele dizia que o lobo ideal era aquele que defendia a comida para si e para mais dois lobos. Só assim poderia ser considerado um lobo autêntico. Deveria, porém, ser disciplinado e menos atirado a gula. Deveria ser alegre e equilibrado, dono de seu próprio nariz.
Davi era criticado em não resolver os problemas de uma só vez. Muitos diziam que ele jogava o problema de um lado para outro como se fosse uma bola de ping-e-pong. No fundo, era estrategista e confiante na força de todos. Ele mesmo dizia que não queria resolver os problemas de todos os lobos. Cada um tinha que apostar em sua própria capacidade. Até aí, Davi tinha razão. Por isso, depois de alguns anos, os conflitos passaram a ser resolvidos por cada um, pois, ao ser valorizado em sua capacidade individual, não dependia tanto da intervenção de seu chefe.
No caso de Lino, os problemas eram resolvidos por ele e isso trazia muito desgaste para quem liderava a organização. Lino procurava expulsar os lobos problemáticos da Alcateia depois que eles aprontavam. Davi era mais tolerante. Ele mesmo dizia que não se exclui ninguém. Ninguém é perfeito, por isso deveria ajudar os lobos a resolverem seus problemas sem cair no julgamento. Muitos lobos que têm cara de problema poderão ser grandes e importantes para a organização. Todos devem ter vez e voz. Afinal, quem não tem defeitos?
Um dia Davi entrou na toca de uma loba muito perigosa. Seu nome era Estela. Tinha o pelo comprido e usava uma fita azul no pescoço. Sua beleza encantou o rei das montanhas. Porém, ele mesmo tinha destinado Estela a um lobo chamado Gugu. Atraído por sua beleza, Davi cometeu o maior de todos os erros, expulsou Gugu da Alcateia e se acasalou com a sua parceira. A questão do acasalamento para os lobos é de uma seriedade sem igual. Esta atitude de Davi custou-lhe muito caro. Os filhotes de Gugu passaram a desconfiar de Davi e, a partir dessa data, reinou um clima de insegurança e medo.
Uma atitude simples e normal passou a ser objeto de preocupação para toda a Alcateia. Ao cometer um erro, que não era próprio de sua índole, Davi trouxe para a Alcateia instabilidade. Toda a Alcateia achou aquilo um abuso de poder e daí para frente, Davi não era o mesmo, sua imagem caiu no descrédito e, em pouco tempo, seu reinado começou a desmoronar.

Decadência e fim da administração de Davi

Os problemas não eram apenas sentimentais. Começaram a aparecer novas dificuldades quanto aos territórios transformados em lavouras. Com o passar do tempo, a caça foi diminuindo em proporção às áreas desmatadas. Muitos lobos eram verdadeiros comilões compulsivos. Crescia o número dos lobos, uma vez que o ambiente era hospitaleiro. Todos queriam estar em seu território. Havia excesso de lobos para cada região. E cada vez mais aumentava as disputas pelos territórios vizinhos, pois, quanto mais diminuía a caça, mais territórios teriam que ser conquistados. As disputas entre as alcateias eram intermináveis.
Davi incentivou uma campanha em prol de uma alimentação balanceada e periódica. Ele mesmo fez um regime e aconselhou a todos a moderação.
Os lobos mais idosos já não se alimentavam bem. Lina, uma loba matriarca, fora envenenada ao comer carne de porco, próximo a uma fazenda. Nabi, o lobo de maior prestígio na organização, fora atingido na perna direita e, de tristeza, contava os dias de vida. Toda a Alcateia estava de luto e esperava o pior.
O governo de Davi ainda durou alguns anos, sobre forte pressão interna de concorrentes. Muitos queriam ocupar o seu lugar antes do término do tempo. Armaram ciladas e tentaram de muitas maneiras afastá-lo de seu posto. Davi era seguro naquilo que fazia. Não era palha de coqueiro que balançava para o lado que soprava o vento. Estava decidido a dar a última gota de suor pela Alcateia. Apesar de estar cansado em tomar decisões e não se apoiar nas próprias conquistas tinha-se a impressão de que ele não fazia muito progresso. Se Lino foi um lobo que ajuntou para si todo o tipo de honra e recursos para resolver os problemas, Davi dispunha tudo o que lhe era de direito seu para os outros. Ele era, de fato, desapegado. Para resolver um problema abria mão de seus próprios pertences.
O seu testemunho foi seguido por muitos lobos de sua Alcateia. Mesmo em idade avançada, Davi conservou o bom-humor e a alegria de viver.
No final de sua existência, Davi fez um testamento: “Sempre procurei ajudar a todos a serem instrumentos de união. Que meus ensinamentos sejam seguidos por vocês. Saibam que, a partir de qualquer momento, poderei estar tirando férias permanentes, mas uma coisa eu quero lhes dizer: sejam alegres, verdadeiros e motivados a conquistar o melhor modo de viver. Tenham sempre um plano de vida e lutem sempre por um ideal. Eis que agora somos obrigados a imigrar por terras desconhecidas. Não sei o que espera por nós. Pode ser que eu não tenha força e agilidade para seguir a todos, por isso terei de deixá-los partir. Tentarei fazer a travessia, rumo às terras do outro lado das montanhas. Mas sinto algo estranho dentro de mim. Parece até que eu adivinho que o meu fim pode estar perto”.
Era inverno, com os desmatamentos frequentes, os lobos foram obrigados a morar nas regiões desmatadas e sem água. Em busca de novos territórios, os lobos tiveram que enfrentar longas noites de frio e ataques de cachorros. Num desses ataques, Davi foi atingido com uma mordida no pescoço. Depois de uma semana, isolado numa gruta ao pé o morro, veio a falecer.


CAPÍTULO III -CRISPIM – O NOVO LOBO ALFA

Depois de uma época turbulenta, os lobos se reuniram para escolher o seu novo Lobo Alfa. As qualidades do novo administrador, segundo várias opiniões, eram: a humildade, a ternura e a bondade. Muitos tinham medo de apostar num grande revolucionário, seria um risco para toda a Alcateia. Havia um lobo chamado Crispim. Era de descendência humilde. Filho de um grande lobo chamado Serafim. Em matéria de caça, nunca houve alguém melhor. Crispim não era um bom guerreiro. Ele era de confiança, tanto que deu até a medula de seus ossos na administração anterior. Como dizem os críticos: “Ele fez das tripas coração para que a organização tivesse êxito”. Era discreto e, sem que os lobos percebessem, o brilho da administração de Davi tinha por trás dos bastidores a figura de Crispim. Ele tinha um jeito amigo de tratar os lobos e os chamava de filhos. Sua ternura e amor contagiavam a todos. Nunca se ouviu falar que ele humilhou alguém em público. Além de educado, era prudente em tudo que fazia e falava. Era, de fato, um candidato ideal. O antigo secretariado de Davi estava de acordo com o nome do novo líder. Era simpático e inteligente. Tinha um coração de mãe. Com tais qualidades, os membros daquela Alcateia esperavam um grande milagre: a missão de Crispim era a de congregar numa mesma unidade uma multidão de lobos nunca vista antes.
A administração de Davi deixou algumas lacunas. Havia lobos mansos por fora, mas não foram capazes de libertar de seus corações sentimentos doentios. Com a escolha de Crispim, havia esperanças de que muitos problemas internos fossem resolvidos. A administração de Lino consolidou o dinamismo e injetou nos lobos o desejo da luta. Na vida selvagem não pode faltar determinação. A administração de Davi consolidou na Alcateia uma organização alegre e responsável. O equilíbrio foi a marca principal nessa época, apesar de algumas falhas no final de sua administração. Nem tudo é perfeito. Ainda restava uma nova forma de administração. Toda Alcateia apostava em Crispim e esperava que fosse ele o representante da diplomacia para cumprir o círculo da vida e dar aos lobos a possibilidade de ter diferentes líderes. Se não é possível agradar a todos de uma só vez, cada mudança de líder é uma chance de novos aprendizados.
“Quero dizer as qualidades de Crispim” – disse Nuna – uma inteligente secretária da antiga organização de caça, na qual o futuro líder era o coordenador: “Comer, dormir e alisar o pelo”, estas são suas qualidades mais comuns. Muitos lobos acreditam que Crispim é um bonachão e preguiçoso. A verdade não é esta. Ele é um lobo espirituoso. Não podemos nos esquecer de que sua filosofia de vida não é a ociosidade, mas a qualidade de vida. Ele seguia uma regra da Sabedoria Lunar que aconselha o trabalho de forma equilibrada. Trabalhamos para viver e não vivemos para trabalhar. Nisto também, foi fiel ao modo de governar do antigo Lobo Alfa Davi. Muitos dizem: “Não se esquenta com nada. Para ele tudo está bem”. E ainda mais: tem mania de limpeza. Por outro lado, chegava atrasado aos compromissos. Pontualidade não era o seu forte. Era criativo, tinha um sorriso discreto, respeitado e amado por todos. Muitos diziam: “Lá vem o atrasadinho!”. Não se contentava com as coisas em seus devidos lugares. Dizia que era preciso ser solene em todas as ocasiões. Era diferente de Lino. Quando Lino era o Lobo Alfa, ninguém podia entrar em suas dependências sem as credenciais. Crispim era o inverso. Tinha o prazer de ficar horas a fio junto aos lobos, contando e ouvindo história. Talvez por causa de sua capacidade de atender bem os lobos, sempre se atrasava.
_ “Quer dizer que Crispim não era responsável?”- Perguntou Bora.
_ Responsável, ele era, mas a disciplina deixava a desejar. Seu zelo era extraordinário, mas havia muitas reclamações. Em todo o caso, posso afirmar que se trata de alguém de pulso forte. Ele tem uma forma de vida invejável. Equilíbrio da vontade e do coração. Não é um lobo que faz tempestades em copo d’água. - Falou Nuna.
_ Mas, o que podemos esperar da administração de Crispim? Será ele o nosso salvador?
Nuna interveio dizendo que Crispim era confiante em si mesmo e que era preciso ver para crer. A providência é uma palavra chave que resume toda sua expectativa. Vamos também usá-la para que nossa Alcateia seja bem administrada e que tenhamos bons dias pela frente.
Depois de várias negociações, Crispim fora acolhido. Ninguém estava disposto a cumprir aquela missão difícil. A escolha do novo líder não foi uma grande surpresa. Todos apostavam que Crispim seria o novo Lobo Alfa. Nessa época, não havia candidatos para disputar com Crispim. Todos estavam abatidos e tristes com a morte de Davi. Ninguém ousava levantar uma bandeira de candidato a ser novo líder. O candidato único era Crispim. Sabendo que seria o novo líder, bastou apenas marcar a data de sua posse, depois do luto, que toda a Alcateia guardava em honra a Davi.

O discurso do Lobo Alfa Crispim

Numa noite de lua cheia, a Alcateia, mais uma vez, parou para ouvir o discurso de um novo líder. Ele mesmo não teve tempo para fazer um grande discurso, mas, suas palavras foram suficientes para levantar o ânimo dos lobos.

Meus amigos, “Não se deve falar mal de ninguém, nem mesmo comentar o que os outros disseram de alguém. Antes mesmo de assumir o cargo, ouvi de alguns lobos certos juízos apressados. A ternura é a melhor das virtudes. Como é bonito admirar estas qualidades em tantas lobas de nossa Alcateia. Mas também muitos lobos são profissionais nesta área. Um coração bondoso não faz mal a ninguém. Somos vorazes e devoradores, mas, enquanto membros da Alcateia, nada de desunião. Todo o reino dividido acaba sendo destruído. Quero dizer a vocês, queridos integrantes desta Alcateia, ninguém é mais importante do que o outro. Todos têm o seu valor. O número um é apenas ponto de referência. O respeito que devo ter por todos vocês não é menos importante que a consideração de cada lobo em relação ao seu Lobo Alfa. Cada um se coloca em seu devido lugar.
Deixe que o primeiro lugar seja ocupado por aquele que possa fazer algo de bom para a Alcateia. Sejam confiantes. No centro está é a Sabedoria Lunar. É ela quem nos instrui na arte da boa convivência. Somente depois de saborear os estudos desta memorável sabedoria, poderemos organizar nossa Alcateia.
O poder da transformação de uma Alcateia está na capacidade do domínio de si mesmo. A referência principal não é a figura do líder e sim, o conteúdo, a mensagem que deve ser passada e vivenciada. Caríssimos, não posso administrar uma Alcateia que presenteia alguns lobos por causa de certos serviços prestados e pune outros por causa de vícios. Tenho medo de que isso lhes prejudique. Ninguém pode esperar algum diploma de reconhecimento ou título para sentir-se realizado na organização. E nem mesmo a falsidade poderá ser a regra de vida de nenhum lobo desta Alcateia. Devemos aprender a valorizar os outros sem ter que usar artimanhas que mais atrapalham do que ajudam. A felicidade é ver o outro lobo ser ele mesmo. Os defeitos deverão ser corrigidos sem ter que usar o aplauso ou as punições que mais humilham e deformam.
Fiquei sabendo que existiu há muito tempo um lobo músico. Um dia fizeram uma pergunta para ele: Qual o instrumento mais difícil de tocar? Sorrindo, respondeu o músico: “o segundo violino”. É verdade! Todos querem tocar o primeiro, mas quando não se têm bons tocadores do segundo violino, então a orquestra não faz bem a sua apresentação. Assim também acontece conosco. Se não tivermos bons lobos na Alcateia, de nada adianta ter um bom Lobo Alfa. Que todos estejam em seu devido lugar e saibam viver em seu espaço com alegria. Não espere que o Lobo Alfa seja o seu Salvador. Ele pode ajudar você, mas a felicidade é um dom interior, 99% do sucesso da realização de uma Alcateia está em cada lobo, apenas 1% está na atuação do Lobo Alfa. É claro que um péssimo Lobo Alfa é um desastre, mas se não temos bons lobos na Alcateia, o desastre ainda é maior.
Minha filosofia de vida é esta: estar atento a tudo, mas, não trabalhar para morrer. O trabalho é bom, mas se é demasiado, temos um problema. A humildade e o carinho são virtudes que mais aprecio. Detesto a arrogância, o individualismo e a falta de amor entre os lobos. Desejo me consumir por vocês. Darei a minha vida por vocês, mas, em troca, espero que tenham fortaleza de ânimo, compaixão pelos mais fracos e respeito pelos mais velhos.
Não procurem reter toda a glória para si. Estejam tranquilos em todos os empreendimentos. Saibam dar um sorriso a alguém que está triste, partilhem a sua caça com quem não tem e trabalhem sempre em equipe. A alegria está no coração de quem sabe viver em comunidade. Tenham sempre a humildade e reconheçam que vocês são membros de uma Alcateia. O segredo de nossa organização é a cooperação e não a divisão.
Há muito tempo viveu em nossas montanhas um lobo muito esperto. Ele tinha algumas regras que servem para nós. Vejamos:
1ª. Tente compreender mais suas limitações antes de achar que é o dono da verdade.
2ª. Reconheça que pode melhorar ainda mais. Não há nada tão bom que não possa ser melhorado.
3ª. Evite qualquer tipo de reação ou debate desnecessário. Lembre-se de que “o sábio sabe o que diz e o tolo diz o que sabe”.
4ª. Não seja preguiçoso, aprenda diariamente uma coisa nova.
5ª. Vivamos unidos, a vida de um lobo solitário dura pouco.
6ª. Peça aos outros e, de modo especial, àqueles de que você menos gosta, que eles apontem os seus defeitos. É provável que eles tenham vivido seus próprios defeitos.
7ª. Quando os outros falharem com você ou com quem você gosta, não cultive o ódio deles. Aprenda a contemplar também os seus próprios defeitos.
8ª.Silenciar e uivar é uma questão de vida ou morte. O rumor espanta nossa caça, mas a falta de comunicação é a causa de tantos ataques malsucedidos.
9ª. O bom-humor vale ouro. Alcateia feliz é sinônimo de vida boa.
10ª. Se desejar ser feliz, procure fazer o outro feliz. É assim que se conquista o paraíso para todos.
Estas considerações são importantes e valiosas. Tudo na vida tem o seu preço, por isso devemos esperar com calma para não cometermos injustiças. Quando vamos resolver um problema temos que amadurecer as soluções. Quem toma decisão apressada acaba errando. “A pressa é inimiga da perfeição”. No meu governo, quero que todos estejam atentos e que se dediquem mais ao conhecimento da Sabedoria Lunar. Uma vida sem princípio é um desastre. Eis que temos muito a fazer. Não se engane com atos de violência ou de precipitação. Tudo tem o seu momento certo. Mas, se fica aí parado, nada acontece de bom. Vamos juntos lutar por novas conquistas. Unidos, jamais seremos vencidos!
Depois da cerimônia de posse, o novo Lobo Alfa saiu para descansar um pouco. Tomou uma refeição e não quis saber de trabalho naquele dia. O discurso lhe custou muita energia. Pediu que a equipe de caça fosse à luta. Naquela noite, ele descansaria em companhia de duas lobas mães e alguns filhotes ainda pequenos.
Crispim pediu que os lobos voltassem para suas tocas e trocassem carinhos uns com os outros, sobretudo entre os casais com suas crias. Ele mesmo escolheu como lema: Obediência e Paz. A sabedoria Lunar seria a referência principal de Crispim, a sua identidade seria a verdadeira paz. Ninguém podia lhe roubar a sua paz.
Luna fez um comentário sobre a identidade do novo Lobo Alfa: “Quando Crispim encontrava alguém que não tinha paz, era o primeiro a ficar ali, plantado, até que tudo fosse resolvido. Quando os lobos iam buscar seus nobres conselhos, ficavam assombrados com sua ternura. Não usava a palavra de qualquer maneira. Quando abria a boca tocavam a alma dos lobos. Ele mesmo dizia que nenhum lobo deve se envolver com os problemas. Todos os lobos deveriam aprender a arte da sabedoria. Para Crispim sabedoria vem de exercício, que se conquista com muita concentração. Para isso é necessário silêncio, estudo e muita observação. Davi era muito observador e Crispim, contemplativo. Não tinha medo de permanecer horas e horas mergulhado no silêncio, a fim de encontrar inspiração e resolver seus problemas”.
Na noite seguinte, todos esperavam que Crispim organizasse o seu secretariado. Era meia-noite. Os lobos estavam ansiosos pelo primeiro sinal de mudança. Muitos admiravam o sono profundo de Crispim. Alguns desconfiados diziam: “Será ele um bom líder?”. Ao levantar, Crispim fez uma ginástica perfeita, esticando todos os músculos de seu corpo. E com um uivado deu sinal de que a reunião estava começando. Não houve surpresas. Crispim informou que os seus colaboradores mais diretos deveriam ser escolhidos em breve. Pediu que todos mantivessem seus trabalhos. Os que exerciam cargos de lideranças deveriam continuar até segunda ordem. Somente, no final da conferência, falou um pouco dos projetos que tinha admiração.
Nesta conferência, relembrou alguns tópicos da sabedoria Lunar e traçou algumas diretrizes gerais tendo, como fundamento, as regras de ouro de um lobo famoso, chamado Rodolfo. Rodolfo era um lobo humilde e cordial. Ele não se apoiava em suas conquistas. Valorizava boa parte de seu tempo lendo bons livros sobre administração. Era muito sábio em seus discursos e atitudes. A filosofia de vida de Rodolfo era: “pense mais sobre as consequências e o fim de cada atitude, agindo assim, nunca assumirá um comportamento agressivo contra nenhum lobo. A preguiça e a mania de levar a vida em festa destroem a vida”. Crispim estava atento sobre a qualidade de vida de seus súditos. A maioria estava esperançosa pela conquista de um novo modo de administração, onde a ternura teria a sua marca principal.
Crispim, ainda, enfatizou: Conheci um lobo chamado Coiné, há alguns anos. Era um lobo bondoso e amigo de todos. Nunca me esqueci de seus conselhos. Eis algumas dicas importantes: 1. Não queira resolver os problemas de uma só vez. 2. A maior parte dos lobos é feliz quando resolvem ser. 3. Não tente consertar o mundo, procure primeiro consertar você. 4. Fortaleça sua inteligência, não deixe de aprender algo de bom que exercite a sua mente. 5. Exercita a sua vontade, fazendo o bem para alguém sem contar para mais ninguém. 6. Faça um programa de ação e tente colocá-lo em prática. 7. Não seja apressado demais em tirar conclusões e nem indeciso a ponto de não tomar iniciativa. 8. Tenha sempre o costume de descansar. Descanso não significa dormir, mas repouso inteligente. 9. Não tenha medo, em toda a natureza, contemple a vida e seja feliz. 10. Cuidado com o presente. O passado não pertence a você, o futuro ainda não existe.

As amizades de Crispim

Não houve nenhum Lobo Alfa que tivesse mais amizades que Crispim. Ele era mestre na arte de conquistar os lobos. Escrevia carta aos montes e não se esquecia de telefonar para os seus amigos. Era um tipo bonachão que vivia em primeiro lugar para os outros. Não importava a hora e o tempo gasto com os amigos. Podia ser de madrugada ou em pleno sol do meio-dia, lá estava Crispim para servir o amigo lobo.
Certa vez, Chiquinha, uma amiga de Crispim, foi visitá-lo, quando ele estava passando por uma alcateia distante e em missão. A acolhida foi calorosa, ele tinha a capacidade de esquecer tudo, até mesmo das tarefas importantes para dar atenção aos amigos. Chiquinha ficou ao seu lado por uma semana e teve um atendimento de rainha. Quando Crispim saía da toca, levava sempre o seu telefone amarrado ao pescoço, não para fazer ligações desnecessárias, mas para atender os amigos e amigas. Todas às manhas, depois que o sol nascia, ele recolhia todas as anotações de sua secretária, depois permanecia pendurado ao telefone dando atenção a todos que o procuravam.
Um dia alguém disse a Crispim: “Como consegue estar atualizado com tantos contatos e com tanto serviço a fazer?” Crispim relatou que o segredo da vida está em não permanecer envolvido com os problemas. Existem lobos que vivem mergulhados nos problemas a todo o momento.
Kaká pergutou:
_ De que maneira podemos nos livrar dos problemas?
_ Os problemas vão sempre existir, respondeu Crispim. Só no cemitério não existe problema. A arte de resolver os problemas está no modo a ser realizado. Se eu resolvo apressadamente, terei novos problemas. Parece até que os problemas dão crias. Mas, quando demoramos um pouco mais, o problema por si mesmo desaparece, se for picuinha e, se for considerável, será resolvido no tempo certo e de uma só vez.
Penso que os problemas não são tão graves quanto acreditamos, afirmou Munis.O segredo é viver e deixar-se viver.
Crispim acrescentou:
_ São muitos os lobos que vivem atribulados com bastantes ofícios ao mesmo tempo, com isso provocam vários desastres. Sei o que aconteceu com Davi, meu predecessor. Ele se envolvia com muitas coisas ao mesmo tempo. Queria saber tudo e não se aprofundou em muitas coisas. O que ele sabia era muito, mas não se aprofundou em nenhuma delas. Era como um clínico geral, sem nenhuma especialização. Uma coisa eu admirava em Davi, a capacidade de olhar em diversas direções ao mesmo tempo, a capacidade de transmitir alegria e vitalidade. Mas, quando o assunto era especialização, Davi não era um bom profissional.
Davi era ótimo motivador, mas, brincalhão e dispersivo. Nisto você tem razão, concordou Luna. Creio que o segredo da felicidade está no bom relacionamento.
_ Fico feliz quando vocês dizem que Davi foi um ótimo Lobo Alfa no quesito liderança, mas acredito que uma boa administração deve passar pela estrada do equilíbrio entre a determinação e a flexibilidade, ponderou Crispim.
Coiné, um lobo muito sábio, afirmou:
_ O bom relacionamento passa obrigatoriamente pela diplomacia. Davi era meigo e simpático, mas lhe faltava algo mais. Se Lino era inteligente e racional, Davi era muito emotivo. O seu poder poético acabou roubando parte do tempo que seria dedicado à liderança mais racional e menos dispersiva. A virtude está no meio. Nem tanto o céu, nem tanto a terra. Espero que Crispim possa ajudar a Alcateia a compreender a arte da diplomacia.
Crispim usava muitas histórias para educar os lobos. Atrás de uma história, encontrava uma lição de vida. Ele explicava a lei de um jeito novo e manifestava interesse pelos lobos doentes ou que foram vítimas de algum ataque de inimigos. O que era dele, também podia ser dividido com os outros. E todos tinham alegria em partilhar a comida com ele. Ele sempre retribuía com alegria um favor recebido. Na organização, ninguém ultrapassa Crispim. Os mínimos detalhes eram observados.

As qualidades de Crispim

Quando morreu a Loba Zezé, Crispim ficou ao seu lado toda a madrugada. Era um típico consolador, estava sempre do lado dos mais fracos e, quando a situação exigia sua presença, não discriminava ninguém. Ele tinha mesmo sentimento de afeto por todos os membros da Alcateia. Apoiava a todos e os incentivava a ser mais ternos, compreensivos e dedicados em relação aos seus companheiros, assim, toda a Alcateia saía ganhando. E quando notava que havia um problema ou que algum lobo havia aprontado, corrigia a sós e não permitia que o fato se espalhasse. Ele era justo, mas acima de tudo encorajador. Detestava falar mal de seus lobos e convidava a todos a seguir os seus exemplos.
A amizade de Crispim era contagiante. Quando era convidado para banquetear com um novo amigo, não perdia tempo. Além de visitar os amigos, levava consigo outros amigos. Era assim a política de Crispim. Quando encontrava alguém solitário, chamava-o para dar um passeio. No caminho, sempre encontravam outros solitários que se ajuntavam a eles e se divertiam muito.
Em casa, sua comida preferida era carne com gorduras. Ele sempre convidava os amigos. Às vezes, tinha que sair às pressas para resolver algum problema. Deixava os convidados à vontade e depois voltava para dar mais atenção aos amigos. Para Crispim, dar atenção aos amigos era sagrado. Poderia algum problema ficar sem solução, isto não tinha tanta importância, mas deixar de atender um amigo era coisa impensável para Crispim. Era movido pelo poder de sua alma. Em seus olhos brilhavam a verdadeira paz. Contagiava a todos com sua ternura e tinha um coração de mãe na hora de enfrentar os desafios.
Por causa de suas qualidades, Crispim era coordenador e representante de cargos importantes do interesse das alcateias vizinhas. Por isso, suas amizades iam crescendo sempre mais. Os endereços eram anotados com cuidado e não se esquecia de enviar um cartão no dia do aniversário de seus amigos.
Muitos diziam: Crispim é entusiasmado com tudo. Parece que uma força invisível penetrava em suas entranhas. Era um lobo iluminado. Parece que uma luz estava sempre acesa em seu interior. Tinha um coração e uma alma transparente. Um lobo sábio, que vale a pena ouvi-lo. Quando ele falava, todos o obedeciam, pois, suas palavras eram mais doce que o mel. Ele era especial. Apostava todas suas fichas na sabedoria lunar e alertava os lobos para os grandes desafios.


O segredo da administração de Crispim

O tempo foi passando, e muitos lobos acreditavam que a arte da liderança era importante, mas de nada adiantava ter um bom líder, se não houvesse cooperação de todos os membros da Alcateia. Os segredos da Sabedoria Lunar foram passando de governo para governo, de geração em geração. Graças às iniciativas de Crispim, toda a Alcateia contava com uma rica tradição, pois, com a sua sabedoria, soube aproveitar a experiência de muitas administrações e de muitas lideranças dos antigos Lobos Alfa. Graças à Sabedoria Lunar, toda a Alcateia podia crescer em qualidade, sobretudo, em matéria de relacionamento. O convívio entre os lobos tornou-se mais cheio de ternura, pois Crispim dava o exemplo e exigia que todos tratassem bem os seus companheiros. Não prejudicar ninguém, ser tolerante, não pagar o mal com o mal e serem espirituosos sempre. Crispim lembrava sempre da famosa regra da Sabedoria Lunar: “Um lobo sem entusiasmo é como um ramo seco. Tudo para ele não tem sentido. O entusiasmo governa o mundo”.
O governo de Crispim foi marcado pela diplomacia. Em uma de suas falas, Crispim chamou atenção para este comentário:
“O segredo da vida está nas pequenas coisas. Não adianta fazer projetos mirabolantes. A esperança, a determinação, a ternura e o empenho cotidiano farão a grande diferença. A ternura vai renovar o mundo. Muitos falam do amor, mas esta palavra já está desgastada. Devemos descobrir maneiras de dar razões a nossa existência, procurando exercitar a mente e o coração na direção da acolhida”.
A liderança de Crispim foi marcada pela ternura. A ternura salvou a Alcateia dos conflitos internos. Em nossa vida necessitamos de alguém que nos dê lições de vida. Crispim, com seu temperamento equilibrado e diplomático, construiu uma nova Alcateia. Havia lobos que uivavam demais, outros de menos, mas quando uivavam, provocaram revoluções. Crispim era um desses lobos. Uma vez ele disse aos membros da caça noturna que a melhor maneira de cultivar a paz, era voltar atrás e reconhecer os erros, pedindo desculpas e se colocando em seu devido lugar. O modo como isso aconteceu, favoreceu o clima de harmonia da Alcateia. Diante de uma situação embaraçosa e sem perspectivas imediatas, a melhor saída é o silêncio. O tempo colocará as coisas no seu devido lugar. É necessário colocar em destaque todo o seu potencial, toda a sua alma, inteligência, vontade e força para se resolver qualquer tipo de problema. Por isso, uma boa dose de tempo não faz mal a ninguém, ao contrário, em muitos casos, o processo da resolução dos problemas demora semanas.
Bem sabemos que as ideias são mais valiosas do que operar uma máquina moderna. Para se fabricar uma ideia é preciso ter tempo. É preciso analisar os problemas, os projetos e as decisões, tendo em vista, os critérios de pensamento já experimentados. Crispim era um grande pensador. Suas ideias passavam por um processo muito parecido com o cozimento dos alimentos. O primeiro passo consistia na preparação desses alimentos. O segundo passo, colocava-os em uma panela e os levava ao fogo. Somente depois de algum tempo, proporcional a cada alimento, o banquete estava preparado. Crispim ensinava aos integrantes de sua Alcateia que o fogo que servia para cozer os alimentos era a reflexão. Muitos jovens lobos partiam para a luta e não eram capazes de progredir na arte da caça. Sem concentração, nenhum lobo se tornaria um bom caçador. O movimento do corpo e a discrição preparatória eram fundamentais para alcançar os objetivos. O silêncio, a estratégia, a observação, o preparo, a confiança são outros elementos importantes.
Crispim expandiu o seu território, muito mais que Lino. Sua simpatia e seu jeito simples de ser atraíram uma numerosa quantidade de lobos de alcateias vizinhas que fizeram aliança com a sua Alcateia. A administração dele foi uma confirmação de que é possível conciliar determinação, imaginação e diplomacia. A força de muitos contribui para o êxito de uma multidão.
As contribuições mais valiosas da liderança de Crispim foram publicadas no livro de Luna. Quanto à preguiça, o remédio é o trabalho; nas decisões descabidas, diálogo e negociação; nas coisas misteriosas, o tempo e a reflexão; nos momentos difíceis, a fé e a determinação; nos momentos mais felizes, a alegria e o afeto; nas situações conflituosas, o amor e a acolhida; nos dias frios e invernos prolongados, a união, o aconchego e a solidariedade; nos dias festivos, a moderação.
A administração de Crispim foi modelo para os futuros governos. Ele apostou na verdade dos fatos e na capacidade engenhosa de resolver problemas, não num piscar de olhos, mas com diplomacia. Ainda que muitos criticassem Crispim, pela mania de resolver os problemas com muita calma e paciência, no final, todos compreenderam que se tratava de estratégias eficientes.
Existem lobos que passam a maior parte do tempo preocupados em defender seu território, desperdiçam energias e vivem sempre mal-humorados. Cada atitude deve ser medida em dosagens equilibradas e contínuas. É a chuva fina que molha a terra. As tempestades destroem a plantação e provocam erosões. Devagar se vai longe! Crispim gostava muito de provérbios, pois são frutos de uma experiência e não de raciocínio rápido ou ideias soltas. As experiências vão além dos sentimentos. Elas são objetivas quanto à comprovação de tais atos como bons ou maus. Nesse caso, Crispim foi mais longe, optou por usar a Sabedoria Lunar, mas soube colocar em prática o provérbio que diz: “A voz de todos é a voz da verdade”. Davi usava a poesia para impressionar os lobos. Através de sua simpatia, conseguia com facilidade o que queria. Crispim era ponderado em suas colocações. O que ele tinha era muito mais que simpatia. Ele era inigualável na arte de lutar contra as intempéries da vida. Surgiu mansamente, seguro de si e dos sentimentos, conquistando a todos pelo conteúdo de suas mensagens. Lino era um orador que se fazia ouvir pela capacidade de copiar inteligentemente bons discursos, obviamente, as fontes por ele buscadas, eram ecléticas. Davi usava de sua imaginação, controlava tudo o que ouvia e via, transformando tudo em poesia. Crispim fazia das palavras e dos pensamentos contos de fada e discursos surpreendentes. Se Davi empolgava a Alcateia com seu sorriso, Crispim governava seus súditos com atitudes de ternura e mansidão.
Há quem dizia que Crispim governava a Alcateia com alma. Era um lobo diferente. Dominava a arte do raciocínio, mas pensava de um jeito todo especial. Sua lógica era diferente daquela que Davi usava. Seu discurso não tinha nada parecido com o discurso de Lino. Ele era reflexivo, mas suas colocações eram como espada de dois gumes. Lino atirava para todos os lados, Davi girava por todos os horizontes e em todas as direções, Crispim, porém, era lento nas decisões e certeiro quando o assunto era atingir determinado alvo. O segredo da liderança de Crispim estava na diplomacia. Enquanto Lino procurou resolver os problemas de todos os lobos, Davi procurou motivar a todos a resolverem seus problemas. Crispim contemplava o mundo e depois mostrava aos lobos pistas seguras para a resolução de todos os problemas. Nem os problemas e nem Crispim estavam no centro de tudo, o que estava no centro era a capacidade de interpretar o todo de acordo com o real. Na alma de cada lobo, reside uma força interior, uma energia que transforma o mundo sem que o mundo seja destruído. É na alma de cada lobo que a ternura desabrocha e produz seus frutos. Um lobo desalmado não tem iniciativa, vive imitando os outros e nunca descobre a sua verdadeira identidade, assegurou Crispim.
O bom senso era outra qualidade de Crispim. O modo de conquistar o mundo e se relacionar com os lobos dependem não dos julgamentos, agressões ou sentimentos de que tudo está bem quando, ainda, se têm muitos problemas para se resolver. O segredo está na capacidade de juntar sonhos, interpretá-los à luz do real e experimentar com coragem a arte da vida.
Crispim era um lobo que valorizava cada membro de sua Alcateia sem distinção. Ele não esperava que os problemas tomassem conta dos lobos. Era organizado e sabia resolver os problemas com maestria. Alimentava sonhos grandiosos, mas era prudente em realizá-los. Muitos diziam que ele demorava demais para tomar as decisões. Foi aí que Luna disse a Manila: “Engraçado, veja como a vida é: uns lobos são ferozes e atrevidos, outros fazem mil e uma travessuras, vivem como se a vida fosse um favo de mel. Mas, há também os que sabem controlar as adversidades da vida e nos ensinam a tomar decisões ponderadas”. Manila concordou e disse ainda: “a vida é um jogo, uns são agressivos e querem vencer apostando nas regras. Outros são velozes nos dribles e golpes. Há ainda os que são diplomatas: usam a força do adversário e a habilidade para descobrirem o caminho da vitória.
Para Crispim, a Sabedoria Lunar ajudava os lobos a serem servidores, capazes de renunciar até mesmo a certas regalias em benefício da Alcateia. Por isso, era simpático e muitos enviavam cartas pedindo conselhos e preferiam ouvi-lo muito mais que os seus próprios genitores. Lobos de todas as regiões vinham buscar os seus conselhos. Crispim era dedicado, ele não tinha medo de estar com os seus súditos como um servidor. Ouvia suas queixas e era atencioso quanto às correspondências que, por sinal, eram muitas. Ficava uma boa parte do tempo escrevendo e anotando as considerações mais importantes para ajudar a Alcateia. Era dedicado ao extremo, em relação às correspondências. Nunca se soube que alguém ficara sem resposta. Usava as cartas para aumentar suas amizades e ajudar a todos com seus conselhos. Tinha como objetivo ajudar seus súditos. Se fosse preciso escrever, lá estava o líder instruindo com o coração de mãe. Dormia demasiado, porém sobrava tempo para ajudar seus colaboradores e amigos.
O governo de Crispim foi um exemplo de reconciliação e oportunidade. Foi Crispim quem iniciou uma nova revolução na arte do relacionamento entre os lobos. Ele mesmo fundou uma escola para formação dos lobos chamada Unidade na Diversidade. O objetivo geral era o de apagar toda agressividade e dispersão para que a Alcateia se adaptasse às novas exigências do mundo moderno.
A comida preferida dos lobos já não era mais propriedade sua. Ela estava junto à civilização humana, protegida por grades e defendidas por cachorros bravos e caçadores implacáveis. A harmonia entre a civilização humana e a vida animal passou a ser, para Crispim, uma questão de vida ou morte. Se os homens caçam as aves e répteis que são presas de direito adquiridos dos lobos por que não atacar as galinhas e aves domésticas dos humanos? A posição de Crispim era diplomática. Os lobos deveriam acreditar numa proteção natural e que seria mais viável procurarem outras reservas florestais, afastando-se cada vez mais das regiões ocupadas pelos humanos. Foi Crispim quem passou a estudar a civilização humana e descobriu que, nos caminhos feitos pelos humanos, tinham placas erguidas com algumas letras que diziam: “Proibido caçar e pescar!”. Nessas regiões, as perseguições eram menores. Ali se instalava a comunidade dos lobos, e eles, naquele lugar, podiam ter um pouco mais de paz. Apesar desta descoberta, muitos lobos foram mortos, por causa do mistério tão cruel da falta de caráter dos humanos. A lógica má e perversa que reinava no coração do homem, foi responsável pela morte de muitos lobos.
Certa vez, Crispim fora chamado a ministrar uma conferência para toda a Alcateia. A ternura foi o tema escolhido. Ele mesmo dizia que a ternura salvaria o mundo. A ternura é a força do amor humilde. Quem sabe consertar os próprios erros e superar os próprios limites, cultivando a ternura em seu coração, encontrará o verdadeiro caminho da realização. Somente a ternura poderá amansar o lobo de suas agressividade e mania de grandeza. A ternura com os outros, a bondade de coração e a generosidade só serão possíveis na vida de quem é humilde e sabe aceitar os outros como eles são. “A ternura é algo que deve ser testemunhado”, disse Crispim. Se alguém está com fome, de modo especial, os filhotes que ainda não sabem caçar, deem de comida a eles. Se algum lobo está triste, a ternura de outro lobo que vem ao seu encontro com carícias é um modo de expressar calor e afeto. Ouvi dizer que a falta de carinho provoca todo tipo de neurose. A ternura está ligada a um exercício contínuo de doação ao outro. É mais que um sentimento. Trata-se de atitudes reais que libertam a felicidade que mora no interior de cada lobo.
O coração de Crispim era do tamanho do mundo. Seus uivados eram como raios de luz. Tudo o que respirava, desde a colina ao simples grãozinho de areia, era motivo de louvor e exaltação na vida de Crispim. Ele amava cada pequena folha que caia das árvores e era apaixonado pela beleza da lua. Até mesmo um simples raio do sol era como se fosse uma gota de ternura do Autor da vida a cair sobre os habitantes da terra.
Se Lino fora um lobo elétrico pela capacidade de elaborar leis justas para o bom funcionamento da Alcateia, Crispim era um restaurador de almas. Ele dava esperança para todos e abria portas e janelas dos sonhos de cada lobo. Ele mesmo explicava que a brutalidade e a força deveriam dar espaços ao amor humilde. Somente a ternura poderá quebrar as barreiras do poder, do ter e do prazer desregrado que dão asas ao egoísmo, a indiferença e uma montanha de desejos frustrados.
Interrogado sobre alguns assuntos polêmicos, Crispim se comportou como um grande sábio. Nuna, uma loba jovem e talentosa pediu que ele explicasse como ser humilde se a maioria dos lobos eram egoístas e agressivos.
“A humildade é a capacidade de ser verdadeiro. Quem está muito acima da verdade é orgulhoso, e acaba alimentando sentimentos de soberba. Mas, quem está abaixo da linha da verdade, caí no outro extremo, permitindo todo o tipo de vícios, entre eles, os piores, que são a mentira e hipocrisia” – argumentou Crispim.
Tatá questionou Crispim sobre a difícil arte de educar seus filhos.
Crispim respondeu com diplomacia: “As mães lobas são as que mais conhecem o poder da ternura. Como eu gosto de ver as jovens mães empenhar-se por seus filhotes com respeito, afeto sincero e discreto. Tudo tem sua dosagem correta. O mesmo remédio que cura, sendo aplicado em dosagens maiores ou menores, é risco de morte. A ternura não anula a determinação. Ela é a fortaleza de ânimo. É possível ser firme nos propósitos e ter um coração encharcado de ternura”.
Nuna perguntou a Crispim se a ternura exagerada não seria uma forma negativa na edificação da Alcateia, Crispim interveio dizendo que ternura não significa muito dengo ou frescura. Trata-se de uma expressão de vigor interior. É mais que um sentimento. É atitude de quem percorreu um longo caminho interior de equilíbrio de sua própria vontade, controle de suas emoções e sentimentos, empenho na arte de dominar as pulsões instintivas de forma madura.
Dino também quis saber sobre o modo de servir a Alcateia na segurança contra os invasores. Crispim disse que melhor modo é cultivar o testemunho de uma vida autêntica, sempre voltado para os princípios apresentados na Sabedoria Lunar, que a força do lobo está no seu próprio coração e na sua própria alma.
Zara interveio dizendo que a segurança se faz com dentes e uivados ensurdecedores. Como era possível um lobo bonzinho guardar com segurança os limites territoriais?
Crispim afirmou: “há muito tempo surgiu um lobo Alfa que comandava sua Alcateia com a alma. Ele mesmo jamais se envolveu numa briga entre os animais felinos, mesmos os tigres e os leões. Ele sabia respeitar as regras da lei selvagem, e muitos de seus concorrentes se retiravam atemorizados quando o via passar ao longe. Seus uivados não eram um convite a disputas e brigas inúteis, mas um sinal de que ali estava um lobo especial que impunha respeito por onde passava. Ninguém ousava atravessar o seu caminho e transgredir suas leis. Ele era mestre em conquistar seus súditos e espantar concorrentes como o sol manda embora a escuridão para o outro lado do mundo”.
Crispim era um lobo decidido a encontrar todos os lobos e conceder-lhes o direito de expor seus problemas. Ele mesmo incentivava os lobos a percorrer o caminho da empatia. É preciso se colocar no lugar do outro. Muitas vezes ele mesmo começava seus conselhos da seguinte maneira: “Se eu estivesse em seu lugar, eu faria o seguinte”. Ter compaixão e respeito por todos é um ótimo investimento. Para Crispim até mesmo depender dos outros é um ato de humildade a ser valorizado. Quem se isola com mania de saber tudo e não depender dos outros leva sempre desvantagem. Eis o segredo da Sabedoria Lunar.

Sinais positivos da administração de Crispim

Rodolfo manifestou o desejo de aprender as técnicas de caça do famoso Crispim. Ao chegar em sua toca cumprimentou Crispim e logo falou:
_ Sábio mestre, gostaria de ser seu discípulo. Você pode me ensinar algumas técnicas especiais para que um dia eu seja parecido contigo?
Crispim afirmou:
_ Posso te ajudar a ser um ótimo lobo, quem sabe um candidato a ser o próximo lobo alfa. Mas, uma coisa é certa, cada lobo é um lobo. Todos têm sua individualidade, sua história, sua capacidade, seus sonhos, suas lutas e seu destino. Concentre-se no essencial e siga as instruções da sabedoria lunar.
_ Eu sei, respondeu Rodolfo. Mas, tem uma mística que eu quero aprender. Compreendo que você sempre bate nessa tecla, seja você mesmo! Mas, tenho dificuldade de estar compenetrado, acho que sou muito explosivo e tenho sonhos demais. Necessito usar mais a razão para descobrir as melhores opções.
_ Você tem valor, meu caro jovem. O que vai fazer de você um lobo alfa ou alguém respeitado dentro da alcateia é você mesmo. Comece a prestar mais atenção e a ser habilidoso em tudo. Tenha tempo disponível para aprender. Aprender nunca tira férias, explicou Crispim.
Decepcionado, disse Rodolfo:
_ Eu sei. Tudo o que você está ensinando eu já sei. Mas...
_ Isso mesmo Rodolfo. Então, mãos à obra. Eficiência e produtividade. São essas duas coisas básicas. Este é o segredo. Você tem os ingredientes ao seu alcance. Agora é só praticar. Tudo é questão de treino, trabalho. O segredo está no modo como você vive, no equilíbrio, na medida ou na dosagem certa. Acho que você precisa se libertar de alguma confusão que você tenha experimentado nos últimos meses, desconfiou Crispim.
_ Como assim, confusão? Você está sabendo de algo a meu respeito?
_ Percebo que você precisa aprender o segredo do aprender. Veja a regra da sabedoria lunar:
“Aprender é descobrir aquilo que você já sabe”
Tudo bem, Crispim. Reconheço que cada um deve fazer a sua própria história, ter os seus sonhos e ideais e seguir em frente. Mas, percebo que você está escondendo algo de mim.
_ Não, Rodolfo, não é nada disso. Apenas posso partilhar contigo o fato de que dentro de você existe uma luz. Ela deve estar acessa. Mas é você que deve viver e orientar sua vida. Você é capaz. Vá em frente!

Lobos avarentos

A diplomacia de Crispim foi fundamental para resolver um desafio bastante complicado. Muitos lobos estavam preocupados com a avalanche de problemas enfrentados por toda a Alcateia. Alguns lobos diziam que era preciso juntar maior número de caça possível. Eles eram avarentos e medrosos. Agiam pelo impulso e pelo medo de lhes faltar comida. Crispim convocou uma grande assembleia para acalmar os lobos medrosos e incrédulos.
“Meus filhos e minhas filhas, acalmem-se! Não se resolve os problemas de toda a vida com atitudes sem planejamento, realizadas às pressas. Fiquei sabendo que muitos lobos ajuntaram tanta caça que acabaram apodrecendo debaixo dos galhos de paus ou enfiados em pequenas cavernas. Além disso, muitos animais selvagens foram beneficiados com a sua caça. Não é assim que se resolvem os problemas. Cada dia tem sua preocupação. A vida vale mais que a comida. Usem a inteligência e tenham mais confiança em si mesmos. É melhor percorrer dez quilômetros ao dia para se alimentar do que ficar o dia inteiro dormindo e comendo comida estragada. A vida é movimento. Saibam usar a criatividade para não acabar de uma vez com nossa comida e nem mesmo afugentar nossas presas para longe, numa caça irresponsável e sem planejamentos.
Crispim elaborou um pequeno memorando para motivar os lobos a deixarem os filhotes das aves viverem. Desta maneira, o futuro deles estava garantido. Deveriam ao máximo evitar muito barulho quando fossem atacar bandos de pássaros. Agindo assim, o território seria um paraíso terrestre, onde todos viveriam em paz e em segurança.
A sabedoria de Crispim ajudou a Alcateia a ter sempre em seu território uma fartura de aves e pequenos répteis. Os lobos passaram a comer menos, mas sempre tinham o suficiente.

Avanços e retrocessos

O estatuto deixado por Lino era um dos melhores que uma Alcateia pudesse redigir. Com a diplomacia de Crispim a lei deixada por Lino passou a ter mais sentido. A crítica do novo administrador girava em torno do bem estar de cada lobo. A missão de Crispim era descomunal. Ele tinha planos ainda maiores, de proporção universal. Foi ele quem organizou um mega evento que reuniu os diversos Lobos Alfa de todo o planeta para analisarem, juntos, os problemas mais comuns entre os lobos, e como os Lobos Alfa os resolveriam. Nesse congresso, choveram ideias brilhantes que, no final, foram publicadas num livro chamado “Os pensamentos mais eloquentes dos Lobos Alfa”.
Havia um lobo chamado Levino que disse: “Não levo desaforo para minha toca e nem deixo de corrigir um lobo hoje para corrigi-lo amanhã”. O lobo Munis disse: “Os problemas estão sempre aí. Se eu não resolver hoje, posso resolver amanhã. Às vezes, quando tento resolver um problema, mas sinto inseguro naquilo que eu estou fazendo, deixo para o outro dia, porque poderão surgir outros problemas. A pressa é inimiga da perfeição”. “É verdade – disse – a loba Kaká. O remédio tem efeitos colaterais. É preciso saber se o conserto vai ficar melhor. Não adianta colar a perna quebrada no lugar errado. A resolução dos problemas realizada às pressas, pode deixar marcas para o resto da vida”.
Dos vários posicionamentos apresentados, as ideias de Crispim tiveram lugar de destaque. Ao final, Crispim fez uma síntese geral de todos os pronunciamentos do congresso e foi aplaudido por todos. Depois, ele mesmo passou um dia inteiro corrigindo, acrescentando e eliminando alguma coisa dos pronunciamentos, sem alterar o conteúdo, e apresentou no último dia do congresso. Todos o elegeram como o coordenador do próximo congresso que acontecia a casa dois anos.
Crispim, com sua diplomacia, foi responsável por um documento que teve repercussão universal. Além da sabedoria lunar, os Lobos Alfa, bem como todos os lobos sensatos, passaram a ter outro referencial. Este foi o maior de todos os feitos de Crispim, muitos achavam que ele era um sonhador que vivia no mundo da lua. Queria abraçar a lua como se fosse queijo, além disso, não parava quieto em seu território. E quando estava em sua toca, preferia o silêncio. Se Lino viajava muito em busca de glória, Crispim preferia levar a glória. Davi almejava à arte e à motivação, Crispim se contentava com a contemplação. Lino, a boa comida, Davi, a música e Crispim, o silêncio.
A administração de Crispim era aprovada por todos. Por muitos anos, a Alcateia viveu em paz. Porém, muitos já estavam entediados com a postura dele em relação à Alcateia. Era um lobo simpático até demais. Uma nova escolha não faria mal para quem estava acostumado com tanta calmaria, pois quando Crispim assumiu a liderança já não era jovem. O impacto da administração de Crispim transformou a Alcateia num modelo excepcional. Após alguns anos, já cansado de trabalhar, ele pediu que escolhesse um novo líder e esperava o momento certo para se aposentar.
Crispim estava disposto a dar tudo de si para aquela organização. Se tivesse que escolher ficar na Alcateia ou ser transferido para outra menor e com menos serviço, optaria em continuar o trabalho, aos trancos e barrancos. Um amigo de Crispim o encorajou a mudar de posto quando começou a perceber que toda a alcateia vivia numa expectativa de mudanças. Até mesmo Crispim contava os seus dias para finalizar o seu trabalho como Lobo Alfa. Tinha um vigor além do comum, quando o assunto era decisão de liderar. O velho e respeitado líder não arredava o pé. O que assumiu estava assumido. As orientações de Crispim e sua sabedoria eram mais interessantes que todas as virtudes de um jovem concorrente.
Havia lobos satisfeitos com a atuação de Crispim, pois os dois Lobos Alfas, predecessores seus, eram motivados a ponto de tirar todos os lobos de seus tronos. Dava-se a impressão de que Lino, sentado em seu trono, tinha medo de alguém conquistá-lo à força. Raiava com todos os que desejavam ocupar o seu trono. Não suportava nenhuma atitude que poderia ser interpretada como concorrência. Davi não era muito diferente. O líder até se esforçava para não ser antipático, mas não deixava que ninguém se aproximasse demais de seu famoso trono. Ele mesmo criava um ambiente gostoso em torno de si, com sua música e ninguém ousava ser o seu concorrente. Todos estavam felizes numa organização repleta de entretenimentos. Crispim tomou uma atitude ainda mais radical. Ele desmotivou os opositores que desejassem ocupar o seu trono, demonstrando uma atitude anti-Lobo-Alfa. Crispim não apenas sentava em seu trono, fazia questão de marcar presença em todos os cantos da Alcateia. Agindo assim, ninguém os lobos se concentravam mais no trabalho, ó havia lazer e descanso. Sua filosofia de vida era a de propor aquilo que fosse razoável, o que causaria menos impacto para que todos evitassem machucar o seu “Ego”. Ele sabia massagear o Ego de seus subalternos. E todos gostavam dele, menos os que tinham, na flor da pele, o desejo de serem futuros Lobos Alfa. Quanto aos opositores, Crispim era mestre em tratá-los com ternura e afeto. Sua identidade era forte demais para ser confrontada com alguém que fosse seu concorrente.
A paz tão desejada ia, pouco a pouco, transformando-se em inquietação. Crispim era muito culto e respeitado, porém o progresso da Alcateia dependia de alguém de pulso firme para avançar mais nas conquistas de novos territórios e colocar a lei em funcionamento. Crispim era um grande orador e vivia ministrando palestras sobre diversos temas, porém, o que mais gostava de fazer era defender as organizações mais necessitadas. Ele alertava os lobos dos perigos a enfrentarem, caso não tomassem providências sérias. O futuro da Alcateia dependia da colaboração de muitos. Por isso, o que ficou marcado como ponto positivo dos trabalhos de Crispim, foi a formação de uma associação que defendia os direitos universais dos lobos.
Crispim afastou-se da administração. Era respeitado por todos, apesar de ter a fama de ser muito lento para resolver os problemas. Nos dias finais de sua administração, incentivava os lobos a estarem unidos e a conhecer os segredos da sabedoria lunar. Como Crispim era esperto, ele mesmo preparou seu sucessor. Em pouco tempo tudo se encaixou como era de sua vontade. Ao recolher-se em sua toca, levou consigo um grupo de admiradores que sempre estavam por perto, alimentando e ajudando o sábio lobo alfa Crispim.
Ao ser confirmado o nome do novo Lobo Alfa, Crispim se afastou da liderança, mas sempre foi um referencial para a alcateia até a sua morte natural.

Crítica sobre a atuação dos Lobos Alfa

O primeiro Lobo Alfa, Lino, foi motivo de muita discussão entre os membros da Alcateia. Muitos diziam que ele era o chefe. Como diz o velho ditado: “mandam quem pode, obedece quem tem juízo”. A lei era boa, mas o modo de colocá-la em prática trouxe algumas rachaduras. Lino queria presentear a todos com os desafios e soluções prontas, como se ele pudesse resolver e viver a vida dos seus súditos. Ele estava sempre por cima de tudo, queria dominar tudo até mesmo os pensamentos e desejos dos outros. Esta foi a parte ruim. O zelo pela Alcateia, a determinação e a seriedade foram marcas positivas da administração de Lino. Sua dedicação foi total, apesar de centralizar demais em si mesmo a arte de resolver os problemas. Parece até que Lino olhava para si mesmo em primeiro lugar, depois para os problemas, somente num terceiro momento, é que olhava para seus súditos.
Todos sabem que não podemos estar no centro quando o assunto é liderança. Se nos convencermos de que somos os melhores, certamente os bons frutos serão poucos. Outro defeito de Lino foi olhar os problemas e ser profissional na arte de retê-los em sua cabeça. Se Lino olhava demais para si mesmo e depois para os problemas, tinha como resultado espalhar o medo, o terror e alertava a todos como se a Alcateia estivesse constantemente em perigo. Num terceiro momento, depois de estar cego pelo seu egoísmo e vaidade, acabava espalhando seu mau humor. Lino não percebia que sua atitude agressiva era compreendida como a única razão para conquistar o mundo com sua própria inteligência. O autoritarismo de Lino trouxe perdas para a Alcateia. Mania de grandeza sempre atrapalha quem deseja crescer na arte da liderança e na resolução dos problemas. O que conta é a atitude realista de quem se ocupa dos problemas com sabedoria, buscando apoio e orientação que lhe sirva de critérios de ação, antes de chegar às conclusões desejadas.
Lino, apesar dos defeitos, deu garantia de uma organização em torno da lei, que regulava o comportamento dos lobos. Esta foi a parte mais importante de sua administração. Sua determinação e inteligência estruturaram a Alcateia com novos critérios para que os lobos pudessem resolver os problemas.
O segundo lobo era um grande líder. Davi era mestre em fazer de seus discursos, poesias eletrizantes. Ele mesmo esbanjava bom-humor, mas, às vezes, caía no exagero e confundia os lobos com suas brincadeiras de pode e não pode ao mesmo tempo. Não era um lobo que gostava de ficar em cima do muro, mas sua postura era sempre a de um grande sonhador. Seus sonhos eram movidos pela experiência e pela capacidade de interpretar o que é certo sob o ponto de vista do bem-comum. Não era intransigente e nem quis resolver os problemas sem a ajuda de seus companheiros. Ele mesmo dava liberdade aos seus súditos, de modo especial aos seus colaboradores mais diretos, aos líderes das diversas equipes de caça e a guarda dos limites territoriais. Ficava irritado quando não podia contar com a ajuda de seus líderes. Diante dos erros, não perdia a cabeça. Era humilde o bastante para aprender uma nova lição. Parece até que Davi defendia uma tese, a de não se escandalizar com os erros dos outros. Foi assim que ele conquistou o coração de seus súditos e, pelo seu testemunho, pela sua capacidade de resolver os problemas no tempo certo, tornou-se referência para toda a Alcateia. Mas, nem tudo era perfeito. Davi negligenciava muitas coisas para não ferir o coração de seus amigos e amigas. O silêncio de Davi, em muitos momentos era profético, porém deixava sempre uma pergunta sem responder: o que ele queria dizer com tal atitude? Sabemos que uma atitude conta mais que mil palavras. Davi era mestre em acolher a todos. Nesses encontros sempre apareciam os desencontros. Era daqueles que acreditava: “melhor errar fazendo algo do que ser omisso”, porém, sua omissão era visível quando os problemas não eram resolvidos de acordo com suas convicções. Se a agressividade de Lino era visível aos olhos dos lobos, Davi tinha o grande defeito de criticar com suas brincadeiras fora do limite. Isto também é um ato agressivo.
A administração de Davi tinha como referência principal a motivação. No centro, estavam os lobos. Ele olhava com carinho para cada lobo e depois os conduzia à reflexão, a fim de resolver os problemas. Depois de analisar os lobos, cada um com seu caráter e temperamento, Davi olhava para si mesmo, buscava na Sabedoria Lunar inspiração para ajudar os lobos em suas dificuldades. Davi estava sempre atento para não bater de frente com os problemas. Por isso, ele mesmo se esforçava para manter sempre o foco não nos problemas, mas na solução dos mesmos. Esta foi uma descoberta que trouxe muita paz à Alcateia. Somente depois de olhar a realidade de cada lobo, Davi procurava os recursos de sua formação e analisava as possíveis soluções dos problemas, sempre respeitando a posição de todos. O problema estava sempre em último lugar. Agia com flexibilidade e sabia viver bem sem ter que ficar colecionando uma montanha de problemas em torno de si. A figura simpática de Davi agradava a todos, pois todos tinham oportunidade garantida em sua administração.
Já o famoso Crispim era um grande profeta universal. O sonho de Crispim foi realizado a longo prazo. Ele tinha os olhos voltados para o futuro da organização, analisava a situação presente e se lançava para frente. tinha-se a impressão que sabia ler a realidade num piscar de olhos. Alguns da Alcateia diziam: “Ele é um gênio!” como pode ter surgido entre nós um Lobo tão sábio!
Crispim foi aquele lobo especial que tinha um vasto conhecimento de como resolver os problemas com diplomacia. O foco principal de Crispim era o próprio problema. A sua sabedoria o levava cada vez mais a estudar cuidadosamente cada ato que merecesse critérios de julgamento. Parece até que ele saboreava os problemas e, depois de algum tempo, apresentava a solução dos mesmos como se fosse um prato a ser servido. Apesar de ter sido criticado por ser um lobo espirituoso e bonzinho, trouxe para a Alcateia uma série de mudanças. Num segundo momento, Crispim olhava o território, os lobos, e antes de motivá-los a resolver seus problemas, voltava para sua toca e meditava-os em seu coração. Somente depois é que vinha o tiro certeiro. Era discreto em tudo o que fazia. Jamais se ouviu Crispim sair por aí louvando a si mesmo por um bem realizado. Como também não se ouviu nenhum lobo falar mal dele por causa de uma atitude que prejudicasse algum lobo. Ele foi realmente um Lobo Alfa nota 10.
Crispim não perdia tempo. O gênio não se faz de uma hora para outra. Até mesmo quando se pensava que Crispim estava dormindo não deixava de processar novos conhecimentos. Durante o dia, ao invés de descansar, procurava ler a Sabedoria Lunar e refletir sobre experiências passadas. Ele era como um computador, que mesmo desligado da Alcateia não deixava de processar dados, tirar conclusões e reelaborar seus pensamentos. Era, de fato, Crispim um lobo iluminado. Por isso, muitos o achavam como o Messias de todos os lobos. Ele era mestre em resolver os problemas, pois passava a maior parte de sua vida concentrado neles. E, quando encontrava os seus súditos, era como se tivesse do seu lado uma enorme caixa de respostas. Estava sempre pronto para dar as melhores respostas aos que pediam seus conselhos. Foi assim que Crispim conquistou o mundo e trouxe para a comunidade dos lobos, juntamente com Lino e Davi, a arte de viver e conviver.
Como sempre, nem tudo é perfeito. Crispim, muitas vezes abandonou muitos projetos por achar que eles não eram importantes para a Alcateia. O que faltou em Crispim foi a capacidade de recolher como num punho os projetos que abraçava, resolvendo-os no tempo certo. Retomar aos antigos projetos era questão de tempo e para Crispim o tempo era insuficiente para tantos projetos a serem resolvidos.

Mensagem final

A selvageria humana era a maior rival da organização dos lobos e de todos os animais. Mesmo assim a administração de Crispim foi se desenvolvendo aos trancos e barrancos, não mais ameaçada pelas brigas internas, mas pela ditadura da violência e crueldade do mundo dos humanos. Quem sabe um dia, os homens conhecerão melhor os segredos de sua própria identidade e saberão usar apenas o seu espaço, sem, contudo, aderir às tentações de dominar o mundo e destruí-lo irresponsavelmente. A inteligência, o poder do coração e da diplomacia poderão ser elementos revolucionários na conquista de uma qualidade de vida melhor entre os humanos. Se todos aprendessem com os lobos a arte de administrar, reconhecendo seus defeitos e usando a imaginação, o mundo seria mais fraterno e menos cruel. E se acreditassem no dom da vida, suas atitudes seriam sempre em prol da civilização, da paz e da harmonia.
Agora, você sabe que todos devem ser líderes, mas, existirá apenas um ponto de unidade – um Lobo Alfa – que fará o serviço de liderança. Cada setor da vida humana deve ter um líder. Numa organização, onde há dois líderes mandando, os desacertos são evidentes. Não importa o que você faz ou o que você é. Seja líder onde é chamado a ser e, não simplesmente, integrante do grupo nas diversas áreas em que faz parte. Se não pode ser líder em sua casa, seja líder ao menos de seu quarto, trazendo-o sempre limpo, arejado e organizado, de modo que seja um espaço que lhe traga paz e harmonia. Na escola, você não pode liderar como se o ensino dependesse somente de você, mas poderá ser líder de si mesmo, no controle de sua participação, disciplina, no modo de administrar o tempo, de assimilar conteúdos e ser gentil com todos. Se você convive com filhos, irmãos, patrões e patroas, logicamente o modo de se relacionar com eles exige empatia e muita espírito de doação. A partir do momento que você entender que a vida é feita de serviço, a honra e o reconhecimento florescerão.
A arte de liderar é tão importante quanto a arte de ser agente ativo de uma organização. Se todos numa empresa desejarem ser líderes, deparar-se-ão conflitos e desentendimentos. Em casa, os pais deverão dividir as tarefas e, pouco a pouco, incumbir aos filhos tarefas que lhes darão a oportunidade de serem bons líderes no futuro. Aprenda também a arte de ser bom membro de sua família, de sua comunidade e da sociedade. Seja ao menos, voluntário por um dia. Ajude a quem precisa e descobrirá que a arte de ser feliz consiste em sair de si mesmo e fazer o outro feliz.


Conclusão

O livro Alcateia foi inspirado na observação do comportamento das pessoas. Somente depois de alguns anos de pesquisa o autor descobriu que Willian Sheldon, um pesquisador norte americano do século passado, defendia a ideia de que existem classes de pessoas diferentes. Sua tese comprovou sua observação e, em partes, a mesma pesquisa esclareceu muitas coisas que foram desenvolvidas nesta obra.
Também teve acesso ao estudo do “Enigma da esfinge”, da época dos faraós do Egito. Segundo uma tradição antiga, o homem é uma síntese de águia, leão e boi.
Podemos comparar a presente obra com um edifício, o fundamento foi a fonte de inspiração, o estudo científico, a base da observação. As paredes foram construídas com o material recolhido durante muitos anos de observação pelo autor, sem citar nomes de pessoas. Entre estas pessoas se encontram personagens importantes e simples, de seu convívio pessoal ou de pessoas distantes. Utilizando a história dos lobos revelou-se neste livro, o que normalmente acontece com as pessoas na hora de resolverem seus problemas. Para o autor, o importante é o modo que cada pessoa tenta resolvê-los.
Algumas pessoas são racionais, outras mais emotivas. Umas demoram para resolver os problemas; outras não têm paciência e acabam resolvendo os problemas pela metade. Outras, ainda, são forçadas a tomarem decisões apressadas. Umas decidem pela impaciência e outras, pela pressão psicológica, por medo ou por vaidade.
Nessas tomadas de decisões, deparamo-nos com outro “impasse” - talvez mais importante do que resolver problemas é a arte do bom relacionamento. Os problemas surgem. Parece que o mundo é feito de problemas e o homem, chamado a resolver estes mesmos problemas. As pessoas não são problemas, portanto, devemos desenvolver a arte do bom relacionamento e descobrir como resolver os problemas contando com a ajuda amiga de todos.
O autor acredita que o nosso maior desafio é viver em comunidade, como uma grande Alcateia. Almeja que todos sejam membros ativos dessa aldeia global, cada um respeitando os limites de seu território e esforçando para que a “Alcateia” seja, de fato, o local mais humano e mais bonito de se viver com dignidade e com todas as nossas potencialidades.
Segue abaixo algumas dicas para que você seja feliz na arte do relacionamento com as pessoas:
* Procure saber onde está a torre de comando da pessoa que está do seu lado. Se a torre de comando está na cabeça, seja inteligente e não discuta com ela como se você soubesse tudo. E, se ela agir como alguém que sabe tudo, não sendo capaz de entrar em acordo com o seu modo de pensar, não queira dominá-la à força. Apenas faça questionamentos. Se ela sabe tudo, então será capaz de responder suas perguntas. E não se canse de questionar até que a resposta seja objetiva e você aprenda com ela. Mas, se a pessoa não é capaz de responder as suas perguntas, e se você não consegue convencê-la por meio de seus conhecimentos, o melhor caminho é o silêncio. Depois de alguns questionamentos, é normal que todos cheguem à conclusão de que poderão aprender muito uns com os outros.
* Se a torre de comando está no coração, cuidado para não ser enganado pela emoção. Se alguém deseja forçar a resolução dos problemas com chantagem emocional ou se alguém deseja que você resolva os seus problemas à base do grito ou de uma atitude de carinho interesseiro, não tome a decisão precipitada. A lógica do mercado acaba forçando você a comprar sem necessidade; tomar decisões sem que tudo esteja claramente esclarecido. Os critérios para resolver qualquer tipo de problema deverão trazer paz e harmonia para todos. “Quem vê cara não vê coração”. Há muitas pessoas que por detrás das palavras e argumentos existe outro ser. Nem tudo o que é bom, que dá prazer é a melhor solução. Seja mais objetivo.
* Se a torre de comando está nas vísceras, ou seja, na barriga, é normal que a pessoa demore mais para tomar decisões. Concentre sua atenção naquilo que está fazendo ou no produto que almeja comprar, ou até mesmo na virtude, no estudo que deseja adquirir. A decisão deve ser feita com diplomacia. É preciso analisar os pontos positivos e também os pontos negativos, os frutos e as consequências para cada decisão, a fim de optar por aquelas que renderão melhores frutos. Tais pessoas tendem a acertar mais quando o assunto é analisado de modo diferente.
* Finalmente, em todas as hipóteses, para resolução dos problemas, antes de dizer “sim” ou “não”, use a inteligência, deixe que a lógica do coração dê o seu palpite e analise cuidadosamente todos os critérios para que todos os problemas sejam resolvidos com diplomacia. Em caso de dúvida, não tome nenhuma decisão. Mas, se é preciso agir com rapidez, faça uma rápida consulta ao coração e à alma, usando a inteligência. Verifique se aquela decisão trará paz para o seu coração. Se o início é bom, o final será bom. Mas se está prestes a tomar uma decisão e sente inquietação ou medo, espere. Tudo tem o seu tempo.


SABEDORIA LUNAR

1. Insista nos absolutos! Não doure a pílula. Quem espera demais acaba perdendo oportunidades.
2. Não permita que os outros façam por você aquilo que você mesmo pode fazer.
3. Não faça do seu convívio, oportunidades de alimentar os seus sentimentos doentios. Use seus sentimentos para fortalecer o convívio, promovendo relacionamentos fecundos.
4. Trabalhe para viver e não viva para trabalhar.
5. Nunca fale mal de ninguém, nem mesmo comente o que os outros disseram de alguém.
6. Cada lobo é chamado a se relacionar de modo duradouro com os outros lobos. A tolerância é a arma dos sábios, e a amizade, a ferramenta mais adequada para a promoção de uma alcateia feliz.
7. Um lobo sem entusiasmo é como um ramo seco. Tudo para ele não tem sentido. O entusiasmo governa o mundo.
8. Humildade, compaixão e respeito, onde não existem, prevalece a tirania.
9. Não tenha como apoio o bastão do aplauso, confie em sua própria força.
10. A prudência e a flexibilidade são as armas de quem deseja ser um verdadeiro líder.
11. Não aceite nenhum cargo para o qual a maioria de seus subalternos não esteja de acordo.
12. Quem confia em si mesmo e dispensa a ajuda dos outros, não está pronto para exercer nenhum cargo de liderança.
13. Nunca bata de frente com os problemas. Seja humilde. É necessário contorná-los.
14. Cada dia tem suas preocupações.
15. Quem é motivado pelo aplauso, não crescerá na arte de amar e servir os outros. O aplauso não é fonte de realização e sim, as atitudes de doação em prol da organização.
16. Aprender é descobrir aquilo que você já sabe.

CONTRA CAPA

Sabemos que toda organização tem um líder. O livro Alcateia é um texto que tem como pano de fundo a história dos lobos. Trata-se de um pretexto no qual são desenvolvidos três diferentes modos de relacionamentos e resolução dos problemas. Os diversos tipos de organização sóciopolíticos nos oferecem meios para desenvolvermos a participação ativa dos membros de uma família, empresa ou comunidade. Com a finalidade de produzir bons frutos, tanto de relacionamento com os outros quanto ao lucro tão almejado pelas empresas, todos somos chamados a descobrir os segredos do bom relacionamento e de como ter resultados surpreendentes em relação aos objetivos a serem alcançados. Na família e na sociedade todos almejam a paz e a harmonia, sobretudo o bom entrosamento e a alegria da boa convivência.
Finalmente, o livro Alcateia é uma tentativa de ajudar o leitor a usar mais a razão, o coração e todo o seu ser para compreender a arte da liderança e o verdadeiro sentido de nossa vida.


DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR
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Gualter Pereira da Silva nasceu na cidade de Lagamar, no dia 22/11/1970.Cursou Filosofia e Teologia no período de 1990 a 1995, no Seminário Maior “Maria Imaculada”, em Araxá MG. Foi ordenado Sacerdote, no dia 13 de maio de 1996, em Lagamar MG. É Mestre em Teologia Espiritual, pela Universidade Pontifícia Teresianum, em Roma. De volta ao Brasil, em 2003, foi reitor no Seminário Propedêutico em Lagoa Formosa MG e trabalhou em diversas cidades da região do Alto Paranaíba - MG. Em 2008 lançou a primeira edição do livro: Alcateia; em 2012, Sob o olhar de um Católico; em 2014 lançou o livro o segredo da felicidade. Atualmente trabalha em Campo Erê - SC.

TEXTO COMPLEMENTAR

Aos dezenove anos ingressei no mundo universitário. Mudei de minha pacata cidade de sete mil habitantes e fui para uma cidade de porte médio, com mais de 70 mil habitantes (Araxá MG). Minha nova comunidade era formada por mais de 60 pessoas de diversos estados do Brasil. Nela, aprendi a arte de respeitar o outro, conviver com pessoas de diferentes culturas e temperamento.
Após seis anos de estudos, fui ordenado sacerdote, dando início a essa nobre missão de ouvir as pessoas e instruí-las no caminho da vida. Foram várias cidades e muitíssimas comunidades nas quais tive a oportunidade de conhecer pessoas e me fortalecer na troca de experiência e na convivência diversificada.
Do outro lado do Atlântico, muitas coisas eu aprendi. No período de dois anos, tive a honra de morar em Roma e conhecer muitas pessoas de diversos países. Um laboratório vivo a ser estudado. O ser humano é um grande mistério. Muda o idioma, a cultura, o ambiente, porém permanece como membro da mesma humanidade, com suas potencialidades e defeitos.