sábado, 21 de março de 2015

HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ POR PADRE GUALTER PEREIRA DA SILVA - SANTA CATARINA

Curso de Teologia
Para Leigos



DISCILINA: TEOLOGIA ESPIRITUAL – HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE

Prof. Pe. Gualter Pereira da Silva


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Coordenação geral: Pe. Gualter Pereira da Silva
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E-mail: gualter.pereira12@hotmail.com






Região Pastoral Campo Erê
– Campo erê – Palma sola – Anchieta – são Bernardino – saltinho – sta. terezinha
DIOCESE DE CHAPECÓ SC

HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE
INDICE
1. Introdução geral
2. Espiritualidade da Aliança (Antigo e Novo Testamento)
3. Experiência dos primeiros cristãos
4. Martírio: cume da perfeição cristão
2.1. Martírio: ideal de santidade
2.2. Fontes e literatura sobre o batismo
2.3. Martírio, experiência suprema de Cristo
2.4. A dimensão litúrgica do martírio
2.5. Martírio, proposta de santidade
2.6. Alguns mártires mais conhecidos
3. Os Padres do deserto e o surgimento dos mosteiros
3.1. O fenômeno monástico
3.2. Literatura monástica
3.3. Vida dos monges
3.4. Espiritualidade monástica
3.5 Santo Agostinho
4. História da Espiritualidade Medieval
4.1. Gregório magno (540-804)
4.2. Benedito da Norcia 410 (São Bento)

HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ


Introdução geral

A autêntica espiritualidade cristã é viver segundo o Espírito de Deus, de Jesus Cristo. A espiritualidade cristã é matéria da Teologia Espiritual.
“A Teologia espiritual registra a história das intervenções do Espírito e dos eventos salvíficos que se encarnam na vida dos homens” (Luigi Borrielo). A teologia Espiritual é a prática do que o Espírito Santo opera no cristão. É também fundamentalmente antropologia. O estilo de vida se torna uma fonte para a nossa ação no cotidiano de nossa existência.
A Espiritualidade é uma força motriz que nos impulsiona a um melhor relacionamento de amor entre Deus, o semelhante, nós mesmos e a relação que o ser humano tem com todo o universo. Esta definição foi elaborada por mim no início do curso teológico em 1992.
Para vocês que estão freqüentando um curso teológico deverá responder a seguinte pergunta: De que modo podemos viver a espiritualidade cristã na atualidade?
O primeiro passo é ter acesso ao conhecimento das fontes, dos métodos e lugares teológicos onde se desenvolve esta espiritualidade. A primeira fonte é a Sagrada Escrituras, seguida dos diversos escritos dos Santos padres, dos padres do deserto, monges, teólogos e escolas de espiritualidades. Falar de espiritualidade é descobrir o modo melhor de responder as perguntas que Deus nos faz. No centro de nossas ocupações está o conhecimento da vontade de Deus. Ela nos orienta qual caminho e de que modo devemos percorrê-lo.
A História da Espiritualidade está repleta de sinais, experiências de fé, de crescimento e produção de bons frutos na vida espiritual de diversas comunidades, espalhada no mundo inteiro, cada uma com suas características próprias de seu tempo.
Convido a todos a mergulhar o seu olhar na própria vida e, não esquecer que experiência de uma multidão de fiéis nos ajudará construir nossa espiritualidade e vivermos, de acordo com nossos desafios atuais, sempre buscando a santidade, a comunhão com Deus e um modo de melhor viver unido a Cristo para servirmos os irmãos.
Bom estudo!



1. Espiritualidade da Aliança (Antigo e Novo Testamento)


1.1. Antigo Testamento

A história de Israel tem como protagonista o homem que procura o Deus criador de todas as coisas. “Eu sou o Senhor teu Deus. Não haverá outro Deus fora de mim” (Dt 32, 39). Ele mesmo criou o ser humano à sua imagem e semelhança. O pecado, por sua vez, distanciou o homem de seu Criador. A espiritualidade do Antigo Testamento pode ser chamada de Aliança. Deus é fiel em suas promessas.

1.1.1 Aliança com Abraão

O Senhor disse a Abraão... (Gn 12, 1-2; 17, 1-8)

- Sai da tua terra e vai,
- Eu farei de ti um grande povo
- Seu nome será grande
- Será pai de uma multidão de povos
- Mudou o seu nome (Abrão para Abraão).
- Fez uma aliança. Ele é o Deus da aliança.

Gn 15,6. “Abrão acreditou em Javé, e isso lhe foi creditado como justiça”.

Abraão tornou-se pai porque teve fé e acreditou. Que tipo de fé foi esta? O melhor comentário da fé do pai Abrão nós o temos em Rm 4,17:

“De fato, a Escritura diz: Eu constitui você pai de muitas nações. Abraão é o nosso pai diante daquele no qual ele acreditou, o Deus que faz os mortos viverem e que chama à existência aquilo que não existe”.

Gn 15,7-12. 17-18 (Javista)

“Javé disse a Abrão: Eu sou Javé, que fez você sair de Ur dos caldeus, para lhe dar esta terra como herança. Abraão respondeu: Senhor Javé, como vou saber que irei possuí-la? Javé lhe disse: Traga-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e uma pombinha. Abrão levou a Javé todos esses animais, partiu-os pelo meio e colocou cada metade na frente da outra; mas não partiu as aves. As aves de rapina desciam sobre os cadáveres e Abrão as enxotava. Quando o sol ia se pondo, uma torpor caiu sobre Abrão, e ele sentiu muito medo”.

Gn 15,17-18: “Quando o sol se pôs e veio a noite, uma labareda fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os animais divididos. Nesse dia, Javé estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: À sua descendência eu darei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio, o Eufrates”.
Animais mortos e repartidos em duas partes. O que acontece enquanto Abrão dorme? Fumaça e fogo passam entre as duas fileiras dos animais — símbolo, TEOFANIA (manifestação de Deus). Mas é só o Senhor que passa - fumaça e fogo.
- A aliança é uma iniciativa de Deus com Abrão — Abrão prepara (novilha, cabra, cordeiro, rola e pombinha), mas no momento decisivo Abrão dorme.
- A palavra aliança é um acordo, mas aqui o acordo não existe. O compromisso de Abrão é dizer: Amém. Uma iniciativa toda de Deus.
É uma aliança absoluta. Deus promete e basta. Perenidade.

1.1.2. Aliança com Moisés

No centro da Aliança está Moisés, com as tábuas da Lei. Trata-se de uma aliança condicional. Aliança de Deus com Abraão é unilateral — Deus se digna falar e pronto. No Sinai é Condicional. O que significa Condicional? O homem pode violar a Aliança. É, portanto, reversível – transitório. No Sinai à luz da lei — teremos uma relação da lógica da retribuição. O homem é chamado a colaborar com Deus.
- Êxodo 19-24. Chamado a Base de uma Nova Aliança: Decálogo.
- Êxodo 32. História do Bezerro de ouro. E quebra as tabuas da aliança (violação). Atenção aos versículos 9-15.
- Êxodo 33: Diálogo íntimo entre Moisés e Deus. Deus recomeça uma aliança com Moisés. Atenção aos versículos 18. Moisés pede que deseja ver a Glória de Deus. Deus diz: você não pode ver o meu rosto.
- Êxodo 34: As novas tabuas da lei. Versículos: 5-7. A misericórdia de Deus.
- Em Josué 24. Uma vez entrados na terra prometida as tribos de Israel se encontram em Siquém, para renovar a aliança — seu empenho de observar a lei do Senhor.
-
Javé propõe a sua aliança (Ex. 19,3-8). É chamado de base do Sinai. “Três meses depois de sair do Egito, os filhos de Israel chegaram ao deserto do Sinai: partindo de Rafidim, chegaram ao deserto do Sinai e acamparam no deserto, diante da montanha” (Ex. 19,1-2).
Acamparam num lugar santo. Onde Moisés tinha encontrado o Senhor (Ex 3,11. Revelação do nome de Deus).
O oráculo Divino (Ex. 19,3b-6b)
“Diga à casa de Jacó e anuncie aos filhos de Israel o seguinte: Javé propõe uma aliança aos filhos de Israel pedindo sua fidelidade”.
O que se entende definir com este oráculo? A natureza da relação da Aliança entre Deus e Israel no deserto do Sinai. Encontramos duas expressões: Casa de Jacó e filhos de Israel. Como vemos não é um grupo anônimo. Quando se diz Jacó e se acrescenta Israel é a mesma coisa. Vejamos: Gn 35, 10: “Seu nome é Jacó, mas você não se chamará mais Jacó: seu nome será Israel”. Os patriarcas que são filhos da promessa Abraão — Isaac — Jacó, como também a sua descendência. Deus fala ao povo através de Moisés.
Ex. 3,15: “Deus disse ainda a Moisés: Você falará assim aos filhos de Israel: Javé, o Deus dos antepassados de vocês, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó, foi quem me enviou até vocês. Esse é o meu nome para sempre, e assim eu serei lembrado de geração em geração”.
“Vocês viram o que fiz ao Egito e como os conduzi vocês a mim…” (Ex 19,4).
Para os Egípcios é a noite do Êxodo, passagem, liberdade, intervenção de Deus em favor do seu povo e contra o Faraó em Ex 14 e o que vem cantado no poema de Miriam em Ex. 15 — Hino ao Deus libertador.
Deus salvou Israel ao longo do deserto e os salvou, conduzindo a uma terra prometida. Lugar da teofania, lugar da revelação.
Ex. 19,5a: “Portanto, SE me obedecerem e observarem a minha aliança, vocês serão minha propriedade especial entre todos os povos, porque a terra toda pertence a mim”.
- O particular é o SE. Implica uma lógica de condicionamento. Escutar a voz de Deus e observar a sua aliança, para serem felizes, isto é, caminhar na lei.
A aliança é um acordo que se estabelece entre duas partes sobre a base de uma (clausula) é uma entoação particular que vem impresso entre Israel e o seu Deus. A entonação é de natureza Contratual.
Acordo — Clausula — Contratuante (Deus)

Ex. 19, 5b-6b: “Vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa”.


1.1.3. Aliança com Jeremias

Por meio do profeta Jeremias, Deus prometeu permanecer com o povo, não somente no Templo, mas no coração de cada um.

A lei no coração (Jr 31,31-34)
- 31: Eis que chegarão dias — oráculo de Javé — em que eu farei uma aliança nova com Israel e Judá.
- 32: Não será como a aliança que fiz com seus antepassados, quando os peguei pela mão para tirá-los da terra do Egito; aliança que eles quebraram, embora fosse eu o Senhor deles — oráculo de Javé.
- 33: A aliança que eu farei com Israel depois desses dias é a seguinte — oráculo de Javé: Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em seu coração; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo.
- 34: Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: procure conhecer a Javé. Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão — oráculo de Javé. Pois eu perdôo suas culpas e esqueço seus erros.

Jeremias usa a imagem do coração. Fala da Lei. Qual? A revelada no Sinai. O caminho, os mandamentos de Deus, são escutados no interior da pessoa. No Sinai Deus escreveu a lei nas tabuas de pedras, mas o documento que vem escrito será no coração do homem.
a) No seu intimo… sobre o seu coração
Coração na linguagem Bíblica é o centro da pessoa, que dá individualidade ao ser humano. É o centro vital de onde vem pensamentos e decisões, mas é sobretudo onde penetra o olhar de Deus. Deus escuta os corações. O homem vê o rosto, Deus vê o coração. Coração no NT é onde Deus manda o seu espírito. No coração esta o Espírito que faz Cristo gritar Abbà. A lei de Deus escrita para que o coração seja justo e capaz de praticar a lei.
b) A luz da experiência
Jeremias conhece as coisas de Deus. Quem me houve? Uma lei confirmada por Deus como não vem observada? De quem é a culpa? É de Deus? Jeremias diz: é do coração:
Jr 7,23-24: “A única coisa que eu lhes falei e mandei, foi isto: Obedeçam-me, e eu serei o Deus de vocês, e vocês serão o meu povo. Andem sempre no caminho que eu lhes ordenar, para que sejam felizes. Eles, porém, não obedeceram nem deram ouvidos, continuaram procedendo conforme a obstinação do seu coração perverso. E, ao invés de voltarem o rosto para mim, voltaram-me as costas”.

1.1.4. Aliança com Ezequiel

Deus é benevolente. Ele deseja traçar o coração do homem e propõe uma nova aliança. Deus deseja conversão, mudança de vida e disposição interior.
Ez 36,25-28: ״Derramarei sobre vocês uma água pura, e vocês ficarão purificados. Vou purificar vocês de todas as suas imundícies e de todos os seus ídolos. Darei para vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne. Colocarei dentro de vocês o meu espírito, para fazer com que vivam de acordo com os meus estatutos e observem e coloquem em prática as minhas normas. Então vocês habitarão na terra que dei aos seus antepassados: vocês serão o meu povo, e eu serei o Deus de vocês״.
Jeremias fala que Deus ESCREVERÁ a lei SOBRE OS CORAÇÕES – oposta a do Sinai que foi escrita sobre as pedras.
O que acrescenta Ezequiel? Leva a proposta mais incisiva. EZEQUIEL UM CORAÇÃO NOVO um ESPÍRITO NOVO onde se supera o endurecimento.
Não podemos esquecer que só Jeremias fala da lei escrita nas tábuas, mas faz entender que não basta.
Ezequiel insiste mais no aspecto teológico. A eficácia da ação purificativa de Deus cria novidade. O NT leva a cumprir no qual emerge a plenitude de Cristo mesmo.
1.1.5. Aliança com Isaías

Deus escolhe o povo (Is 41, 9-10). Ele relembra as maravilhas operadas em favor do povo e pede que o povo volte a traz (Is 44, 21-22). Mesmo que uma mulher esquecer seu filho, jamais Deus abandona seu povo (Is 49,15). Ele perdoa o pecado e não mais olha como culpado. Não é preciso ter vergonha de ter cometido pecados (Is 54, 4-8).
Is 1,16: ״Lavem-se, purifiquem-se, tirem da minha vista as maldades que vocês praticam. Parem de fazer o mal״.
Is 1,2-3: “Escutem, céus; ouça, ó terra! Javé é quem fala; Eu criei e eduquei filhos, mas eles se revoltaram contra mim. O boi conhece o seu proprietário, e o burro a cocheira do seu dono, mas Israel não conhece nada, o meu povo não entende”.
Is 5,17ss: “Cantarei em nome do meu amigo um canto de amor para a sua vinha. O meu amigo possuía uma vinha em fértil colina. Capinou a terra, tirou as pedras e planou nela videiras de uvas vermelhas...”
1.1.6. Aliança nos livros sapienciais
Deus é comparado como um esposo de Israel. Muitas vezes ele é traído. Os livros sapienciais estão carregados de normas, orientações para que sejam deixados de lado os vícios. Os salmos são indicativos fortes para prosseguir no caminho da virtude:
- “Feliz quem segue o bom caminho” (Sl 1);
- “O Senhor abençoa o justo” (Sl 5);
- “Senhor, livra-me do mal” (Sl 6);
- “A minha alma tem sede de Deus” (Sl 42).
Nos livros dos provérbios encontramos passagens como estas:
- “Quem ama a disciplina, ama o conhecimento” (Pr 12, 1);
- “A língua dos sábios destila conhecimento, a boca dos insensatos fervilha estupidez” (Pr 15, 2);
- “Escuta teu pai que ti gerou e não desprezes tua mãe envelhecida” (Pr 23, 22).
Enfim, a Antiga Aliança é a preparação da Nova e Eterna Aliança, realizada em Cristo.

1.2. Novo Testamento

1.2.1. Nova Lei: regime do Espírito

2Cor 3, 1-11:

“Vamos começar de novo a fazer recomendação nós mesmos? Ou precisamos apresentar cartas de recomendação para vocês, como fazem alguns? Ou, então...”.

Nesta pagina Paulo articula a história da Salvação, centrada sobre o tema da Aliança. Usa entre o passado e o presente as categorias: a lei escrita sobre as tabuas de pedras, lei escrita sobre o coração mediante o Espírito Santo.
Porque Paulo escreve esta página aos Coríntios? Tem presente adversários seus que vindos do judaísmo queriam fazer prevalecer valores que pertencem ao AT, então Paulo diz: nós pertencemos a Nova Aliança.
Uma lei escrita com a graça de Cristo com o Espírito do Deus vivente nos vossos corações. Escrita com categoria de Aliança.
Porque se passou do regime da letra para o do Espírito? Porque a letra é um regime imperfeito e deve ceder o espaço para o que é perfeito. Onde esta a imperfeição antiga? Esta no fato de que um regime da letra, mata. Enquanto que o do Espírito da vida.

A Nova Aliança vem do Espírito de Deus que se cumpre no coração. São Paulo fala do regime da letra e do regime do Espírito (2Cor 3,4-6¬).
a) Da letra ao Espírito: Devemos colher não a lei como tal, mas o Espírito. Paulo tem outra ideia na relação a letra – Espírito. Entre o que o Espírito cumpre no coração, escreve a mesma lei nos seus corações. Sempre lei. Mas esta lei agora é escrita nos corações.
Tem o velho e o novo. O velho Paulo o caracteriza como carta, o novo, com a riqueza que se pode articular de vários modos, vem colocada no Espírito, que vem de Deus e age no interior.
A segunda parte do 2Cor 3,6, acrescenta que a lei mata e o Espírito da vida. O velho (imperfeito - letra), mata. O novo (perfeita – Espírito) da vida.
A lei me informa: o que é bom e o que é mal. Eu informado da lei conheço melhor a vontade de Deus, mas não por isso é que tornei-me melhor, antes: permaneço o que sou, porque a lei não transforma mas informa.
Paulo nesta afirmação a “letra mata” parte de um pressuposto que ele aceita – a universalidade do pecado. Todos são pecadores.
Como São Paulo o sabe? Como sabemos que todos são pecadores? Não sabemos a não ser pela revelação de Deus.
Quando se diz que Cristo morreu pelos nossos pecados, pensando na transcendência divina, logo se compreende que Ele morreu pelos pecados da humanidade pecadora.
Paulo fala no contexto de Salvação que vai de passo a passo na direção da perfeição: Para fazer entender que a lei não basta. A lei cumpre uma missão pedagógica é um regime de letra.
A pedagogia esta: A lei é pedagógica porque indica ao homem a estrada a percorrer. É pedagogia a lei porque faz algo mais: diz que o homem não é capaz.
O homem é chamado a olhar para o seu rosto. Se eu sou pecador, sou levado a dizer: não sou só pecador, mas escravo do pecado. Qual é este rosto da lei que manda no homem? É o rosto de uma miséria, de uma pobreza, infelicidade. Quanto é benéfico esta pedagogia da lei. Porque dizer que você é um miserável, esta me dizendo o quanto eu tenho necessidade que alguém venha libertar-me das correntes. O escravo é por definição, não pode libertar-se por si, tem a necessidade de que alguém o liberte. E Paulo Rm 7,24-25, “quem pode libertar-me desta morte”?
São Paulo nos exorta: Como faz um pai... (1Ts 2, 11-12). Somos colaboradores de Deus (2Cor 5, 20, 6.1; 2Cor 4,5). Eles nos chama a oferecer nossos corpos... (Rm 12, 1). Necessitamos caminhar de modo digno... (Ef 4, 1-2). O objetivo é forma Cristo em nós (Gl 4, 19). Somos colaboradores de Deus (1Cor 3, 5ss). Devemos fazer o que dá prazer a Deus (Rm 12, 2).
Numa perspectiva de luta, São Paulo nos alerta: caminha de maneira digna (1Ts 2, 12). Quem está de pé deve tomar cuidado (1Cor 10, 12). A nossa batalha não é contra criatura feita de sangue, mas contra os principados e as potestades (Ef 6, 12ss). Portanto, que está unido em Cristo é uma nova criatura (2Cor 5, 17). Não sou eu quem vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gl 2,20).
De que modo devemos nos defender? (Ef 5, 10,18).


A Nova e Eterna Aliança selada por Cristo, por meio de seu Santo Espírito desencadeou uma infinidade de movimentos espirituais. Em Cristo a vida humana adquiriu um novo sentido. Sua presença entre nós gera vida e vida em plenitude. A nova vida em Cristo é transmitida pela Palavra de Deus. Assim como o Pai enviou Cristo ao mundo, Cristo nos envia em missão. Por meio de seu Santo Espírito nos tornamos filhos e filhas de Deus.
No início do cristianismo o martírio foi o modo mais expressivo de viver a espiritualidade cristã. Mas, sabemos que não foi o único modo de ser cristão. Em Cristo nos tornamos irmãos. Ele é o nosso único Mestre, o caminho que nos leva ao Pai, o verdade que nos liberta e a vida que nos enche de alegria.
Como dizia São Paulo: “o amor de Deus foi derramado em nossos corações”. Cristo nos ensinou amar a ponto de dar sua vida por nós e, assegurou aos discípulos que fossem fiéis até o martírio, dizendo: “eles podem matar o corpo, mas não pode matar a alma”. É o que veremos nos próximos capítulos.

2. Martírio: cume da perfeição cristã
Contexto histórico

Segundo o historiador Roland Fröhlich, Jesus nasceu na época em que o Império romano, sob o reinado do imperador Augusto. A crucificação de Jesus aconteceu, provavelmente no ano 30. Em 58 São Paulo foi preso em Jerusalém, quando ele leva um não-judeu ao Templo. Como cidadão romano, Paulo foi transferido para Roma. E condenado. O incêndio de Roma foi em 64. Nero acusou os cristãos de serem os incendiários. A destruição do Templo aconteceu em 70, liderada por Tito. Nero foi um dos imperadores que iniciou a perseguição cristã. O reinado de Domiciano também foi trágico. Ele mesmo reivindicou o título de Dominus et Deus (Senhor e Deus). Neste período também o apostolo João foi exilado em Patmos. Em 96, Clemente, o terceiro sucessor de Pedro, escreveu uma carta aos coríntios. Nela fez referência ao martírio de Pedro e Paulo.
Os cristãos foram excluídos das sinagogas e não participavam das cerimônias civis, uma vez que a honra ao Imperador era obrigatória. A hostilidade e antipatia em relação aos cristãos se espalhavam por todo o império. Sob a inspiração do Espírito Santo, mediante a pregação de Paulo, os cristãos partiram para evangelizar os gentios. O centro do poder mundial naquele tempo era Roma, por isso, para divulgar melhor o cristianismo, Roma tornou-se prioridade.
No ano 110, Inácio de Antioquia foi levado a Roma a fim de ser lançado às feras, para a diversão do povo. Esta é a ordem de Trajano, imperador romano: “...os cristãos, que recusassem a oferecer oferenda aos deuses e a adoração da imagem do imperador, deviam ser executados, não deviam, contudo, ser procurados ou perseguidos, a não ser que houvesse denúncia contra eles; também não se deviam levar em conta as denúncias anônimas”.

2.1. Martírio: ideal de santidade

O martírio é um ideal de santidade. O significado maior é o testemunho da vida, paixão e morte de Cristo. O mártir é aquele que fez experiência de Cristo de modo radical.
O período do martírio foi os primeiros quatro séculos de cristianismo. Com a perseguição de Nero, imperador romano...
O testemunho qualificado dos apóstolos tem como base a mensagem evangélica. Já o testemunho evangelizador diz respeito à verdade evangélica. Há também o testemunho da missão, ou seja, os cristãos não renunciaram o perigo das perseguições. O mártir é aquele que foi fiel a Cristo, aquele que derramou o sangue por amor ao Mestre. Muitos confessaram a fé sem derramamento de sangue, quanto a estes não são mártires, são apenas confessores.
O martírio é sinônimo de experiência suprema de Cristo. Para saber se alguém é mártir é preciso usar certos critérios de avaliação. A ausência de lamentações nos tormentos é o primeiro sinal. O mártir verdadeiro dá o testemunho diante dos torturadores, pois nada há de espantoso onde reina a caridade do Pai, nem doloroso onde brilha a glória de Cristo.

2.2. Fontes e literatura sobre o martírio

No centro da narrativa está aquele que deu a sua vida por Cristo. primeiro, manifestação do culto dos mártires (sentido litúrgico) e a admiração, devoção por parte dos fiéis (sentido de crescimento eclesial).
Modalidades: a) processos ou atas dos tribunais – cópias autorizadas nos arquivos estatais. Nelas encontramos os atos dos mártires, o modo como procedeu os acusadores e o testemunho a viva voz dos condenados ao martírio. Trata-se de fontes genuínas.
Epistolário: Como exemplo temos a obra do mártir Policarpo, Perpétua e Felicidade. O Bispo Tertuliano também escreveu sobre o martírio.
Legenda dos mártires: Cecília, Lourenço, Cosme e Damião, Clemente e Inácio. Conta o fantástico e o extraordinário que o histórico. A vida de são Cipriano de Cartago, as 7 cartas de Inácio de Antioquia são documentos muito importante.
Preocupação pastoral da Igreja: resistir aos julgamentos deste mundo. Como ser cristão num mundo adverso. Como demonstrar a fé num ambiente hostil? Vejamos o testemunho bíblico: Paulo, Pedro, Estevão.
Com Cipriano, bispo de Cartago, inicia-se um novo modo de modelo cristão. O bispo se escondeu, em tempos de perseguição. O bispo provou que existem outros modos de seguir a Cristo.

2.3. O martírio, experiência suprema de Cristo

a). Imitação de Cristo: prova, testemunho de fé. Morrer por causa do Senhor (como Ele). O único e verdadeiro mártir. Seguir a Cristo, imitá-Lo, ser discípulo de Cristo, testemunhando a perfeita caridade. Para Inácio de Antioquia o mártir é o modo mais eficaz e rápido para ser um verdadeiro discípulo, cristão perfeito e radical.
b). Coincidência entre paixão de Cristo e do mártir: veja o exemplo do martírio de Policarpo.
c). Especial presença de Cristo nos tormentos do mártir: proximidade de Cristo. O mártir é um sacramento de Cristo que sofre. O martírio é visto como luta de fé, combate definitivo. Predomina uma certa mentalidade de Cristo que luta até conquistar o triunfo e a coroa da vitória, sempre compreendida como vitória parcial do ressuscitado.

2.4. A dimensão litúrgica do martírio

Aspecto sacrifical, unido ao único sacrifício de Cristo.
O mártir é um dom gratuito de Deus que participa do mesmo suplício do Filho. Aqui podemos notar uma disposição eucarística, pois o mártir também oferece sua carne como oferta agradável ao Senhor. Quando o mártir confessa sua fé, diante dos acusadores ele diz o Amém, fazendo a vontade do Pai. Antes de ser executado, o mártir experimenta fortes momentos de oração. Tal ambiente assemelha àqueles últimos dias de oração do Filho do Homem. Um outro aspecto importante é o “sensus eclesiae”, enquanto espera pacientemente o momento crucial de sua entrega a Deus, o mártir reza pela Igreja e a comunidade também está unida em oração a favor dos mártires. Neste tempo de perseguição a oração pelos inimigos está também presente. Enquanto sofria tormentos orava pela Igreja como verdadeiros intercessores. Havia também o beijo santo, como sinal definitivo de caridade, sinal da união do mártir com Cristo e seus acusadores (quem compre a sentença, isto é, os seus torturadores).
O martírio é visto como um segundo batismo. Quem o experimenta não peca mais, pois, conseqüentemente une a Cristo de modo total. Neste caso o mártir identifica-se com cristo, torna-se um outro Cristo.

2.5 Martírio, proposta de santidade

Os mártires são heróis da fé. Cabe a comunidade cristã imitar suas atitudes. As relíquias dos mártires, bem como as visitas aos túmulos seus, indicam um modo de vida. Ser mártir significa ser santo. O martírio é o melhor modo de seguir a Cristo. Trata-se de uma identificação especial a Cristo. É o ápice da vida cristã. “Os mártires são a glória mais fulgida da Igreja, pois não há maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos. Os mártires derramaram o próprio sangue por amor a Cristo. Eles brilham como estrelas de primeira grandeza no firmamento da eternidade divina”.
Características do martírio: é a alegria, entusiasmo e serenidade, fruto do Espírito Santo e experiência para resistir as provas. O martírio é um dom de Deus. O problema que se tornou sério foi o caso do montanismo onde via o martírio como único modo de seguir a Cristo. Algumas pessoas, de modo irracional, se entregavam ao martírio. Uma coisa é certa, nem todos cristãos condenados, nem todos que entregaram seus corpos às chamas ou foram devorados pelas feras são verdadeiramente mártires.
O martírio é sinal de luta. A presença do diabo faz deste momento um tempo de luta e combate contra o inimigo, assim como a morte de Cristo, vitória sobre a morte e o pecado.
O martírio é um estado místico por excelência. O sofrimento do mártir tem como fundamento a crucifixão e ressurreição de Cristo. União de total a Cristo. O mártir oferece a si mesmo como sacrifício. Como Santo Inácio que disse: desejo ser trigo moído pelos dentes das feras (como pão puro de Cristo).
Muitos mártires tiveram visões, revelações, milagres e outros fenômenos especiais. Sinal de carisma do mártir. Revelação da glória de Deus. O mártir é um profeta, íntimo de Deus.
Espiritualidade: um modo único de se chegar à santidade. Problema: inicia uma nova compreensão de que o martírio pode ser vivido sem o derramamento de sangue. Aqueles que se dedicam à catequese sofrem outro tipo de martírio, o martírio gnóstico. Também aparece o martírio de consciência, das renúncias, das prisões e todo o tipo de torturas.

2.6. Alguns mártires mais conhecidos

2.6.1. Santa Luzia (13 de dezembro)

Santa Luzia é italiana, nascida na cidade de Siracusa por volta do século III. Sua família era nobre e rica. Recebeu sólida formação cristã dos pais que eram cristãos fervorosos. Desde cedo fez o voto de virgindade perpétua, ou seja, viveria inteiramente comprometida com o reino de Deus. Naquela época o modelo de santidade e de vida cristã já não era o martírio, e sim a consagração total a Deus. O matrimônio não era tido como modelo de santidade, pois o meio mais eficaz de conquistar a Deus era viver totalmente conformado a Cristo, renunciando tudo, por amor a ele.
Ficando órfão de pai, sua mãe deseja que ela se case com um jovem pagão. Depois de visitar o túmulo de santa Águeda, na cidade de Catânia, Luzia teve uma visão: Apareceu-lhe a mártir Águeda, dizendo: “que deseja de mim, querida irmã? Tua mãe está restabelecida graças a tua fé. Como Deus se dignou glorificar a cidade de Catânia por causa do meu martírio, assim Siracusa será celebre por ti, porque por tua virgindade preparaste agradável morada a Deus em teu coração”.
Luzia recusou a proposta do casamento e, sabendo que o jovem poderia vingar, distribuiu seus bens aos pobres e se preparou para o que viesse com fervorosa oração. De fato, a denúncia foi feita. Diante do juiz que lhe intimava a sacrificar aos deuses e manter a palavra do casamento, Luzia respondeu: “nem uma, nem outra coisa farei. Adoro a um só Deus verdadeiro, e a ele prometi amor e fidelidade”. O processo continuou com ameaças e intimidações. Finalmente foi decapitada no dia 13 de dezembro de 303.
(Fonte: SERVILIO CONTI, O santo do dia, Ed. Vozes Petrópolis 1983).

2.6.2. Santa Cecília (22 de novembro)

Pertencia Cecília à mais antiga nobreza romana. Fez o voto de castidade, consagrando-se a Deus e renunciando ao matrimônio. Seus pais, contra a sua vontade prometeram dar a jovem em casamento à Valeriano. No dia das núpcias Cecília cantava em seu coração o hino da pureza e declarou a Valeriano, ainda pagão, como ela pertencia totalmente a Deus e que o anjo guardava sua virgindade consagrada. Valeriano disse que acreditaria se visse o anjo. Após ser batizado, viu o anjo segurando nas mãos duas coroas de flores, simbolizando o martírio que em breve devia glorificar a Cecília e Valeriano. Cecília foi condenada à morte por asfixia no quarto de banho superaquecido. Mas o seu corpo foi encontrado vivo. Um golpe de espada deu fim àquela santa existência.

2.6.3. Santa Inês (21 de janeiro)
Santa Inês é contemporânea de São Sebastião. Ela recebeu o martírio dia 21 de janeiro de 304. Inês significa casta. Inês tinha apenas 13 anos quando estourou a perseguição de Diocleciano contra os cristãos. Recebeu vários pedidos de casamento de jovens pagãos, inclusive do prefeito de Roma, o que ela recusou, dizendo-se esposa de Jesus Cristo. Foi acusada de ser cristã e, por isso foi presa. Diante dos acusadores que mostraram os instrumentos de torturas, disse Inês: “Jesus Cristo vela sobre a vida e a pureza de sua esposa e não permitirá que lha roubem. Ele é meu defensor e abrigo. Podes derramar o meu sangue, nunca, conseguirás profanar o meu corpo, que é consagrado a Cristo”.

2.6.4. São Sebastião (20 de Janeiro)

São Sebastião sofreu martírio na perseguição do imperador Diocleciano, no início do século IV. Prestou serviço militar em Milão. Era capitão da primeira guarda pretoriana (do imperador). Aproveitou da posição para ajudar os cristãos perseguidos. Quando souberam que ele era cristão prenderam-no e o forçaram a abjurar sua fé. O imperador estimava muito São Sebastião, por isso tentou de todas as maneiras convencer o santo a abandonar a fé. Amarraram-no a uma árvore e alvejaram-no com flechas. Socorrido por Irene, mulher de Cástulo, um outro mártir, retornou ao imperador a fim de reprovar sua iniqüidade junto aos cristãos. Outra vez foi condenado à morte, veio a falecer entre os tormentos de pauladas e boladas de chumbo. Era o ano 303.

2.6.5. Clemente Romano (23 de novembro)

Ele foi papa do ano 88 até 97. Após a morte de Nero, a Igreja gozou de algum tempo de paz e tranqüilidade. Somente no final do século I, os imperadores Diocleciano e Trajano, vendo que a propagação do cristianismo era um perigo à segurança da paz pública, reavivaram a execução do edito de Nero, que proibia a prática desta “seita supersticiosa”, isto é, o cristianismo.
Foi nesta época, sob o domínio de Trajano que Clemente foi preso e condenado ao martírio. Segundo uma tradição (incerta), Clemente foi deportado para a penísula da Criméria no mar Negro, onde teria morrido exausto pelos trabalhos forcados e maus tratos, por volta do ano 97 ou 98.
Clemente fala da divina caridade. Ela nos une a Deus, cobre uma multidão de pecados e produz a perfeição. Nela não há falsidade e nem orgulho. A caridade é o vínculo da perfeição.


2.6.6. Santa Águeda (5 de fevereiro)

Catânia, na Sicília, é sua cidade natal, onde viveu e morreu mártir. Era jovem e inteligente. Seus pais eram ricos. Um jovem pediu-a em casamento. Uma vez que havia se consagrado a Deus, negou bravamente. Naquela época vigorava a perseguição de Décio (250), que foi uma das mais cruéis e implacáveis. Denunciada, portanto, como cristã, foi submetida a um humilhante processo condenatório. Disse a santa ao Governador: “Embora de família rica, tenho a honra e a alegria de ser serva de Cristo Jesus, meu Senhor e Deus”. Depois de ser entregue a uma mulher de má vida, foi despida, arrastada sobre cacos de vasos e brasas, e depois lhe arrancaram os seios. Águeda disse ao Juiz: “Não te envergonhes de mutilar na mulher o que tua mãe te ofereceu para amamentar?”. O martírio final aconteceu no ano de 254.

2.6.7 São Cipriano

Antes de ser cristão era advogado e era mestre de retórica. Nasceu na cidade de Cartago, África do Norte. Converteu ao cristianismo aos 35 a 40 anos de idade, fez voto de castidade e distribuiu seus bens aos pobres. Renunciou toda a ciência profana. Ordenado sacerdote e depois bispo de Cartago.
Quando em 249 o imperador Décio decretou a perseguição contra a Igreja, muitos católicos selaram a fé com próprio sangue, outros, porém, fraquejaram. Cristãos eufóricos exigiram a morte do bispo cristão, Cipriano. Este, em fervorosas orações, procurava conhecer a vontade de Deus. Apoiado no evangelho que diz: “se vos perseguirem numa cidade, procurai outra”, o bispo, do esconderijo, pode prestar grandes serviços à sua Igreja, exortando, consolando e animando os próprios fiéis.
Cipriano foi denunciado e condenado em 258. Perguntaram a Cipriano: “Tu és Tácio Cipriano?” O bispo respondeu: “Sim, sou”. “Tu viveste por muito tempo nesta sacrílega idéia e reuniste muitos homens na ímpia conspiração dos cristãos. Tu te fizeste inimigo dos deuses romanos. Por esta razão, com tua morte, seras uma advertência para aqueles que associaste a ti”. Dito isso, leu a sentença: “Tácio Cipriano seja degolado a espada”. O bispo Cipriano respondeu: “Graças a Deus!” Era o dia 14 de setembro do ano 258.

2.6.8. Santas: Felicidade e Perpétua

Seu martírio aconteceu em 202, na África. O imperador Setímio Severo publicou um decreto contra o cristianismo. Felicidade estava no oitavo mês de gravidez e sua nobre senhora, Perpétua tinha um filho de colo. Ambas foram presas e torturadas.
Eis o relato de Perpétua: “Fiqueis horrorizada, nunca tinha experimentado tam sensação de escuridão. Terrível dia, insuportável estreiteza pelo amontoamento! Mas minha maior preocupação era o menino”.
Felicidade estava grávida. Dois dias antes do martírio a criança nasce. No momento do parto, eis que um guarda disse para ela: “Se gemes agora, o que será quando fores lançada às feras?” Felicidade respondeu: “O que sofro agora é fruto da natureza, mas quando for atacada pelas feras, não estarei sofrendo sozinha, Cristo sofrerá por mim!”.

2.6.8. Inácio de Antioquia

Santo Inácio, já idoso enfrentou o martírio. Ele escreveu sete cartas, entre elas uma carta aos romanos que não impedissem de que ele fosse martirizado. Seu desejo é tornar trigo moído pelos dentes dos leões, identificando sua vida com Cristo.

3. OS PADRES DO DESERTO E O SURGIMENTO DOS MOSTERIOS


A vida monástica passou a ser um referencial na vida cristã a partir do século III e IV. Trata-se de um novo modo de conquistar a santidade. Por um breve período, chamado ascetismo tradicional, ou “Virgindade”, a vida monástica tornou-se o caminho mais seguro para quem desejasse seguir a Cristo de modo radical.
Eis algumas características da época:

- Movimento espontâneo e autônomo, sem a participação da Igreja oficial;
- Análise dos diversos elementos e seu desenvolvimento;
- Estudo de personagens que foram protagonistas
- Presença de certos valores, em meio à vida monástica.

O século III e IV foi um período bastante conturbado para o Império Romano. A moeda perdeu o valor. Impostos gritantes não motivaram os produtores. Devido ao forte investimento no setor bélico, o êxodo rural e outros fatores, foram causas da crise. A carestia era generalizada. Muita gente não sentia ânimo para cultivar a terra. O deserto era uma saída. Certamente tal fenômeno é muito parecido com o que aconteceu com as vocações no passado. Os pais mandavam os filhos estudar nos seminários por falta de opção. Felizmente hoje já não é assim. O mosteiro tornou-se uma válvula de escape. Fugir da política imperial tornou-se lucrativo. Para muitas pessoas que fugiram do deserto, em tempos de perseguição, descobriu, com o passar do tempo que se tratava de uma opção alternativa para quem desejasse ser fiel a Cristo e dedicar-se inteiramente à vida de oração. Foi aí que surgiram grandes personagens protagonistas de uma nova espiritualidade. Os mosteiros passaram a ser ponto de referência para toda a Teologia cristã.

2.1. O fenômeno monástico

O monaquismo é mais que um movimento cristão. Na história das religiões ele representa uma busca de um ideal, um objetivo espiritual específico. Existe o “homem monástico”. Uma característica do homem é a dimensão espiritual. Na tradição monástica os monges viviam separados do mundo. Cada mosteiro com suas regras. O celibato e a pobreza, o modo casto de viver a sexualidade, as penitências radicais era características comuns a quase todos os mosteiros. O fundamento da vida monástica era a oração e a meditação. A fonte usada, em primeiro lugar, era a Sagrada Escritura.

2.2. Literatura monástica

No início, o movimento espiritual do monaquismo não favorecia o crescimento da literatura. Santo Antão, grande modelo de monge era analfabeto, pois não sabia nem ler e nem escrever. Os monges faziam escolha de vida iletrada. Mas, com o passar do tempo essa forma de vida foi superada. Surgiram grandes obras espirituais que contavam as experiências dos padres do deserto. Hoje, alguns teólogos estão descobrindo o valor destes homens de oração. Muitas experiências não foram publicadas. Cada ancião ou pai espiritual passava os seus ensinamentos aos seus discípulos, mas não eram documentados. Tratava-se de um acompanhamento baseado no testemunho pessoal. Muitos leigos procuravam ser instruídos pelos monges. Eles eram estimados como verdadeiros heróis da fé e sábios na ciência divina.

2.3. Vida dos monges

Vida de Antônio (Santo Antão): Escrita por Atanásio. Seu nascimento ocorreu em torno de 250. Sua família era cristã, porém acomodada. Em sua juventude leu a passagem do evangelista Mateus que fala do jovem rico (Mt 19, 21). Deu sua riqueza aos pobres, depois, sob a direção de um ancião solitário iniciou-se uma nova etapa em sua vida. Não deixaram nenhum documento escrito, apenas seus ensinamentos orais.

Vida de Santo Antão: Antônio tornou-se modelo para os monges, morreu com 105 anos de idade. Sua experiência tornou-se modelo para toda a cultura monástica. Graças aos escritos de Atanásio podemos conhecer este santo tão enigmático.
Santo Atanásio propõe a figura de um monge perfeito

2.4. Espiritualidade monástica

O Egito tornou-se a pátria dos monges. Os eremitas viviam sozinhos no deserto, sob a orientação de um pai espiritual. Nesta época surgiram também as comunidades de vida em comum. Esses últimos receberam o nome de Cenobitas. A paternidade espiritual era uma das características do monaquismo oriental.
Como fundamento bíblico, fonte de inspiração do monaquismo: At 4, 35-37. A oração e a vida fraterna são irrenunciáveis. A bíblia é a base da experiência monástica. Sua interpretação era feita de modo simples e, muitas vezes fundamentalista. Enquanto trabalhava ou comiam, no refeitório, eram lidas partes das Sagradas Escrituras. Antônio, quando lutava contra o demônio, usava texto da Bíblia como o próprio Cristo.
O objetivo final do mosteiro era a unidade de si mesmo. Quando o coração e os olhos tornam-se puros, o monge atinge um grau de discernimento espiritual mais elevado. Fazer experiência do deserto, do silêncio é vencer o mal e conquistar o domínio de si mesmo. O monge vive o hoje de modo pleno, como se fosse o dia de prestar contas a Deus. A tentação jamais deixa a pessoa, por isso é necessário recomeçar a cada dia. É preciso vencer o orgulho e todo o tipo de pecado. É característica também a tensão escatológica.
Lutar contra o inimigo é um exercício espiritual que requer conhecimento de diversas manifestações, como também os critérios que provam a existência das tentações. Depois de identificar tais tentações, é apresentado alguns modos de luta. Aos olhos do homem do terceiro milênio o deserto é sinal de tranqüilidade e paz, mas para os monges daquela época, deserto significa lugar de luta contra as forças do mal. O deserto é um lugar habitado pelos demônios. “Quando o espírito impuro sai de um homem, ei-lo errante por lugares áridos à procura de um repouso que não acha” (Mt 12, 43). O próprio Jesus afirmou que o diabo vive no deserto (cf. Lc 8, 29). Depois que Jesus foi batizado, conduzido pelo Espírito, lutou contra o diabo no deserto (Mt 4, 1ss).
Certa vez um monge disse ao seu pai espiritual: “Eu roguei a Deus que me afastasse toda a tentação! E isso aconteceu. Mas, agora percebo que não estou progredindo na vida espiritual!” Disse o pai espiritual: “Vai, e peça a Deus que envie de volta as tentações”. E assim aconteceu.
A maior batalha espiritual é aquela que nós empenhamos constantemente em busca do domínio de si. Vencer as paixões é a maior de todas as lutas.
Como lutar: 1. Não dar ouvidos ao diabo. 2. Não ser obediente ao diabo; 3. Não ter medo dele; 4. Afugentá-lo com a cruz.
O vencedor do diabo não é o monge, mas o próprio Senhor que age em sua pessoa.
Para saber onde o diabo está presente, eis algumas dicas: 1. Pensamentos com inquietude de confusão e fantasia não clara; 2. O inimigo jamais é vencido. Ele volta com outro modo tentador. “Depois de tê-lo assim tentado de todos os modos, o demônio apartou-se dele até outra ocasião” (Lc 4, 13). 3. O monge deveria observar a lei da “alternância”, isto é, dia sim e dia não.
Santo Atanásio propõe a figura de um monge perfeito. A vida de Antônio é um panegírico (exaltação da vida monástica) que tem como objetivo divulgar a cultura monástica. O monge perfeito é aquele que experimentou no deserto as lutas, venceu o demônio (tentações) e a si mesmo. Somente depois desta experiência, que se conquistava durante alguns anos, é que o monge poderia ser considerado pai espiritual. Segundo Anselmo Grüm. Um especialista no estudo dos padres do deserto,, afirmou que um homem de oração deveria ter no mínimo 30 anos de experiência do deserto. O deserto forma o monge e seu coração se dilata, pois ele torna sinal da presença de Deus.
A maturidade e paternidade espiritual são conquistas difíceis, porém, símbolo de uma nova espiritualidade. O monge, quando atinge a harmonia e a tranqüilidade do corpo e do espírito passa por um estado de espírito chamado “apateia”. Para os seus elogios, estou morto a uma semana! Eis o segredo de uma vida santa. Depois de passar vários anos em uma torre e ter decidido que tal dia descer e iniciar uma nova missão, eis que Antão foi aclamado como um herói. Tranqüilamente, como Jesus fugiu da presença daqueles que o queriam coroá-lo rei, passou no meio da multidão e foi viver a sua vida longe da euforia e dos elogios (cf. Jo 6, 15).
O monge é um profeta de deus. Sua experiência dá a ele possibilidade de conhecer profundamente o coração humano. O monge é alguém que vive o céu aqui na terra, mais o céu que a terra. Suas atitudes são orientadas para Deus, buscando uma aproximação maior do paraíso. O ideal é a vivência da santidade, ou seja, retorno ao original. Eles eram chamados médicos do Egito e homens de igreja, pois tinham uma relação estreita com a Igreja local. O deserto não era um fim, mas um meio de alcançar maturidade espiritual. A tradicional veneração aos mártires é mérito de Antão. Ele incentivou muito tal ato de culto. O monge também é um mártir da Igreja, com sua luta constante e oração em nome da Igreja.
O monge é aquele que não se deixa vender ao outro. É homem de uma peca única, nada de hipocrisia (dualismo humano).

Sepulcro vazio = Luta constante contra o vazio existencial, morrer para si mesmo, saber perdoar os outros, mesmo que eles são quem devem pedir perdão. Ir ao encontro do irmão, mesmo que ele é que deve vir ao seu encontro.

2.5. Santo Agostinho

Foi definido pai da teologia ocidental e o mais importante doutor da Igreja. “Santo Agostinho desenvolveu uma teologia espiritual radicada na caridade., perfeição na sabedoria e intimamente unida a Cristo e a Igreja. Para compreender os seus ensinamentos é necessário rever a doutrina sobre o pecado original e sua graça que emerge da sua disputa com os pelagianos”.

2.5.1. Contexto histórico

Período conturbado. A Igreja e o Império não tinham boas relações.Agostinho é conhecido mais como pastor das almas, mendigo do amor.
Cidade de Deus: dois amores “o amor de si levado até ao desprezo de deus e o amor de Deus levado até ao desprezo de si mesmo”.
Agostinho procurava a verdade.ouvindo o Bispo de Milão, Ambrósio, começa uma nova etapa em sua vida. no jardim de Verocondo, em Cassiago (hoje Cassago, em Brianza – 30km de Milão) que Agostinho teve uma revelação: Tolle et lege! O texto bíblico é “Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeiras, nada de desonestidade nem dissoluções, nada de desonestidades, nada de contendas, nada de ciúmes, Ao contrario, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites” (Rm 13, 13-14). Recebeu o batismo e iniciou uma nova vida, renunciando ao matrimônio e escolheu a vida ascética. Na África iniciou uma vida de estilo monástico como os fiéis amigos. Como sacerdote fundou um segundo mosteiro e dedica à formação bíblica e teológica dos monges. Consagrado Bispo em 395, aos 40 anos, oito anos após o seu batismo.

2.5.2. As Confissões

Poema de glorificação a Deus misericordioso. A obra louva a Deus bom e justo por ter acolhido Agostinho. Trata-se de um texto autobiográfico. Ele canta a paz e a profunda serenidade da alma. O livro é uma oração contínua endereçada da Deus. Como se fosse uma longa carta. Para Agostinho a criação é a base do diálogo com Deus.
Seu livro fala da ação de Deus em sua vida. Pura gratuidade. Trata-se de uma revelação da própria experiência espiritual, uma história pessoal da salvação. Deus é sempre o seu interlocutor. Tudo é revelado em forma de oração. Uma oração vital, diálogo entre Deus e o fiel. Finalmente, sua obra é expressão visível de um caminho espiritual. Da conversão à contemplação, autênticas experiências místicas (VII, 17, 23).

2.5.3. Princípio de interioridade

A origem é filosófica, metafísico, psicológico e espiritual. O objetivo final é retornar a si mesmo. A verdade está no interior (em seu íntimo). Deus é mais íntimo que o próprio íntimo do ser humano. No plano filosófico, a verdade está ma mente humana. A nível teológico o fundamento é a própria identidade humana (criado à imagem e semelhança de Deus). Esta imagem diz respeito ao espírito, não ao corpo.
Buscar a Deus como elevação a Ele: ascensão filosófica e ascensão mística a Deus. Dois elementos: inteligência e experiência para contemplar a Deus. Do externo para o interno, do inferior par o superior.
Cidade de Deus: composta quando Agostinho era bem maduro intelectualmente e espiritualmente. Trata-se de uma obra de arte, contendo 22 livros. Nesta obra Agostinho fala da liberdade do homem.
A ação de Deus: o amor a si, até ao desprezo de Deus é a cidade terrestre, a paz, a concórdia. O amor de Deus até o desprezo de si, cria a nova cidade celeste. É uma verdadeira apologia.
Trindade: Deis comunica sua vida trinitária do homem. A especulação teológica transforma-se e contemplação mística, em elevação da alma e a sua imersão no mistério. A oração é um grito de amor, de adoração da alma contemplante e vivente o mistério trinitário.

2.5.4. Doutrina espiritual

Princípios da graça atual, segundo Santo Agostinho: 1) Deus, através da sua graça , é patrão absoluto de todas as determinações da vontade humana; 2) o homem é tanto livre com a graça quanto o é sem ela; 3) a compatibilidade destes dois princípios dependem da vontade de Deus.
É necessária: a docilidade do Espírito Santo, a humildade e muita oração. A prática da caridade é a resposta à graça de Deus que atua no coração do homem. A perfeição da caridade é conquistada quando a alma é fortalecida e purificada pelas virtudes. Esta perfeição é relativa, pois somente quando o homem encontra com Deus poderá estar em comunhão mística.

Santo Agostinho fala também dos graus da contemplação: 1o. ao 3o.: níveis vegetativos, sensitivos e racionais da vida humana; 4o.: Estágio das virtudes, purificação; 5o.: Tranqüilidade, para indicar a paz que nasce do domínio das paixões; 6o.: Ingresso na luz divina; 7o.: União habitual ou da inabitação (contemplação mística).

A vida ativa é simbolizada por São Pedro e a vida contemplativa, João evangelista. Em seu sermão 179, Agostinho comenta: “A parte de Marta é santa e grande, mas Maria escolheu a melhor parte; enquanto a irmã era solícita, trabalhando e fazendo muitas coisas, Maria estava tranqüila, sentada e escutava. A parte de Maria não podia ser tirada, mas aquela de Marta sim; a parte de Maria não será tirada porque ela fundou a sua gloria sobre a justiça e sobre a verdade e será esta a sua alegria por toda eternidade”. Santo Agostinho afirmava que ninguém tem o direito de levar uma vida de contemplação esquecendo o serviço ao próximo, nem algum homem tem o direito de ser assim imerso na vida ativa sem se ocupar da contemplação.


4. HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE MEDIEVAL

3.1. Gregório magno (540-804)

Nasceu numa em Roma, numa época de profundas crises religiosa e espiritual. Em 476 Romulo Augusto foi deposto. Depois aconteceu a invasão dos Ostrogodos e a divulgação da cultura greco-romana. Em 546 Roma é conquistada e saqueada. Seus habitantes foram deportados. Em 568, o triunfo dos lombardos. Eles reinaram até 774 e espalharam terror por toda a Itália. Depois foi a vez de Carlos Magno.
Gregório Magno foi protagonista de um movo tempo. Estudou Direito e for “pretore” de Roma. Em 595 transforma sua casa em um mosteiro, acolhendo alguns monges beneditinos. No mosteiro de Montecassino iniciou a sua vida monástica. Em 578 a 585 foi núncio de Constantinopla. Em 590 foi eleito papa, sucessor de Gelásio. Foi o primeiro papa monge. Gregório foi um grande pastoralista e escritor. Um homem culto, conhecedor contextualizado, um grande historiador e defensor da cultura romana. Seus escritos eram moralistas, em resposta à crueldade do tempo em que viveu. Interpreta tudo como sinal apocalíptico. Como papa, foi, de fato um pastor vigilante, um humilde servidor da Igreja e primeiro a usar a formula “Servus servorum Dei”. Os bárbaros converteram ao cristianismo, graças à atuação dos monges, enviados em missão pelo Papa Gregório.
Nas grandes festas Gregório deixa a sua cátedra para pregar ao povo. Entre as obras que Gregório escreveu destacamos: Homilia sobre Ezequiel e seu Evangelho, comentário do livro de Jó, e mais de 800 cartas.

3.1.1. Doutrina Espiritual


Gregório não é um teólogo especulativo. É um verdadeiro catequista. Fornece o alimento espiritual aos monges para que possam catequizar a Europa. Suas palavras têm mais amor que inteligência. Era um verdadeiro motivador da religiosidade popular.

3.1.2. A Escritura como paradigma

Para Gregório a Escritura é história da Salvação. Como escritor bíblico, sabe que o Verbo é quem realiza a perfeição da vida espiritual. A Lectio Divina é alimento da vida espiritual, operante na caridade e na contemplação.

3.1.3. Retorno ao Paraíso

Gregório considera o caminho espiritual como um retorno ao paraíso. O caminho consiste no exercício das virtudes, mediante a luta contra os vícios. Dos Gêneses ao Apocalipse, ou seja, da criação, queda, à restauração suprema. Seu itinerário é ascético. A compulsão que é a dor do pecado, temor de Deus, a fim de contemplar as maravilhas de Deus e uma das características de sua espiritualidade. Num segundo momento, o fiel passa por uma mística da contemplação de Deus, isto é, retorno à paz e a eternidade. Gregório acredita mais que é cidadão do céu que do mundo. Ele sempre dizia: “quero ver Deus!”. Outra característica é o desprezo do mundo.

3.1.4. Graus da vida espiritual

São sete graus: o suporte são os dons do Espírito Santo. Ele inspirou na reconstrução de Jerusalém realizada pelo profeta Ezequiel. Mediante sete graus se vai até à porta de ingresso do Reino dos céus. O temor de Deus é o primeiro e o último a sabedoria. Ele também faz uma ligação entre os sete dons, as virtudes cardeais e as virtudes teologais.

3.1.5. Vida contemplativa

Ação e apostolado. São dois aspectos do amor. O equilíbrio é fundamental. Quanto mais amamos o irmão, mais conhecemos a Deus e quanto mais conhecemos a Deus, mais amamos o próximo.
A vida ativa é o exercício das virtudes, uma passagem verso à contemplação. A alma deve sempre desejar ver a Deus, o seu Criador. A via ativa é simbolizada por Lia no AT e por Marta no NT. A vida contemplativa é simbolizada por Raquel no AT e por Maria no NT.

Gregório, como papa e monge, criou a teologia monástica. Ele nos ensinou que a Igreja é fundada sobre a Palavra de Deus. Ele se autonomeou como servo dos servos de Deus. Todo o povo é iluminado pelo Espírito Santo. Ele foi um homem providencial, autor genial e construtor da Europa cristã.


3.2. Benedito da Norcia 410 (São Bento)

3.2.1. Contexto histórico

No início do século V mundo civil foi surpreendido pela queda de Roma. A Itália foi devastada pelos góticos, enquanto os vândalos saqueavam o Norte da África. Em 455 invadiram Roma. Neste tempo aparecem as heresias (Pelagianismo, heresia cristológica). A Igreja teve que fazer muito esforço para defender a ortodoxia.

3.2.2. Biografia

Bento, é um homem de Deus. Sua família era rica. Ele estudou gramática e retórica. Para evitar ocasiões de pecado, abandona a casa paterna para iniciar-se na vida monástica. Fundou doze conventos e foi abade geral. Dos mosteiros beneditinos partiram os missionários por toda a Europa. Pio XII o chamou pai da Europa. Paulo VI o nomeou como patrono e celeste protetor. Uma personalidade forte e atraente. Foi considerado pai e legislador do monaquismo ocidental.

Admirável síntese de espiritualidade. A regra de São Bento foi o alicerce de um novo modo de santificação, através dos mosteiros espalhados por toda parte. Muitas congregações ainda cultivam algumas de suas regras. No primeiro capítulo São Bento descreve quatro tipo de monge: 1) os cenobitas: que vivem em comunidade; 2) eremitas ou anacoretas: que vivem solitários no deserto; 30 sarabaítas: que seguem as próprias inclinações e não segundo a regra monástica; 4) girivagos: que vivem de mosteiro em mosteiro.


3.2.3. Espiritualidade da Regra

Com o surgimento das comunidades monásticas, era necessário formular um conjunto de regras para o seu bom funcionamento. Como o ideal do monge era a santidade, a conformação com Cristo e a vida fraterna, desde cedo se pensou no modo mais eficaz para obter tais resultados. Penitencias radical foram dando lugar a uma vida ascética e mística, mais fiel ao Evangelho.
A vivência do batismo estava no centro das atenções. Até hoje, a vida consagrada é o resultado de um empenho por parte de quem foi consagrado ao Senhor, que significa seguimento a pessoa de Cristo mais de perto.
Os monges desenvolveram um modo concreto e eficaz de ser verdadeiros cristãos, não conformando suas vidas com as coisas do mundo e sendo obedientes aos mandamentos do Senhor.
O abade era o pai, a pessoa mais importante de comunidade. Desta maneira, toda a comunidade era organizada em torno de sua palavra e decisões. Ele é o médico, o mestre, enfim, cabia a ele fazer as vezes de Cristo.
As primeiras comunidades monásticas eram dirigidas pelo abade que também eram superior do mosteiro. Com o passar dos tempos nem sempre o superior era o abade. Às vezes o abade era escolhido entre aqueles que tinham mais experiências (cheios do Espírito Santo). O abade era sempre conhecedor da ciência espiritual e capaz de discernir o espírito dos irmãos. Havia o carisma da paternidade espiritual. Pouco a pouco o superior passou a ser o abade, muitos olhavam mais o jurídico que o carismático. Esta foi uma grande perda.
Para São Bento, o abade é um vigário de Cristo-Pai, Cristo-irmão para os monges. O abade é a alma do mosteiro, mas ele não era a comunidade. No mosteiro, duas virtudes eram necessárias: a obediência da parte dos monges e, da parte do abade, deveria servir mais que presidir. Que ele faça prevalecer a misericórdia sobre a justiça. Que haja horror aos vícios, amor pelos irmãos. A Palavra de Deus deveria ser ensinada de forma sincera, como também a pratica da caridade.
Os monges deveriam permanecer para sempre na comunidade. Haviam monges, no inicio da fundação dos mosteiros, que viviam pra lá e para cá. Para resolver este problema, os monges faziam o voto de estabilidade, vínculo estável com o abade e com a comunidade.
Quanto à obediência, os monges eram fieis à Regra, à Comunidade e ao mosteiro. A obediência à Palavra de Deus e à Tradição era fundamental. A vida do monge era como um retorno a Deus. Obedece a Cristo como se vai servir a um rei, renunciando a sua vontade pessoal. A obediência é fruto da humildade. O mosteiro oferecia de tudo para o monge, era uma espécie de cidade de deus.

3.2.4. O caminho espiritual do monge

Aquele que entra no mosteiro sabe que inicia uma grande aventura. Deus o chama para a vida de santidade e espera uma resposta pessoal. A Regra era rígida quanto ao ingresso dos novos candidatos. Eram advertidos e até maltratados quando procuravam os mosteiros. Deveria ter humildade e persistência. Para aqueles que achavam que vida de monge é moleza, deveria estar consciente que ali não tem espaço para quem deseja fugir dos problemas. o mosteiro era realmente uma escola do serviço divino. (prol. 29). O monge aprendia a praticar a verdadeira vida cristã, exercida por toda a sua vida.
A santidade é um dom de Deus, portanto, o monge sabe que o crescimento espiritual é obra de Deus em sua vida. Cabe a ele abandonar a vida de pecador, superando seus vícios para viver intensamente o projeto de Deus. O pecado é visto como um empecilho que impede o crescimento espiritual. Renunciando ao pecado, o monge é introduzido num ambiente propício para desenvolver sua vida de santidade.
A prática da caridade e, de modo especial, a busca constante de Deus em suas vidas são tarefas irrenunciáveis. O monge procura a Deus porque o próprio Deus o atraiu primeiro. Por meio de Cristo, o monge tem acesso ao Pai. Por isso a espiritualidade monástica é tipicamente cristológica. “Nada antepõe ao amor de Deus”, eis uma regra básica. O monge vive para servir a Deus (vida de oração). Ele deve dormir com o hábito, pois devem estar sempre vigilantes. Quando a campainha é tocada, acorda logo e se dirige à capela.
A vida espiritual dos monges se desenvolve como um exercício ascético de virtudes e de controle dos vícios. As virtudes mais importantes são: a obediência, o silêncio e a humildade. A humildade é a essência da vida mística. Benedito fala de sete graus da humilde (cap. 7). É necessário superar o temor para viver o amor. Há três aspectos da humildade, segundo São Bento que é muito significativo: 1). Saber que não é nada; 2). Cristocentrica: obediência (Kenosis); 3). Uma vida de fé, esperança e caridade.

3.2.5. Graus da humildade:

1o. Grau: ter diante dos olhos o santo temor de Deus;
2o. Grau: não amar a sua própria vontade, nem querer satisfazer os seus desejos;
3o. Grau: amor a Deus, manifestado na obediência ao seu superior;
4o. Grau: ânimo e muita paciência em tudo;
5o. Grau: Abertura de coração total ao abade. Dizer quais são suas imperfeições;
6o. Grau: contentar com qualquer coisa, ao final ter consciência de ser servo inútil;
7o. Grau: acreditar realmente que é o pior e inferior de todos os monges;
8o. Grua: que não faça nenhum uso de nada que não seja conforme do mosteiro;
9o. Grau: ficar de boca fechada. Não fala se não for interrogado;
10o. Grau: que não seja motivo de riso para ninguém;
11o. Grau: devendo falar, que o faça docilmente e sem riso, com poucas palavras;
12o. Grau: que seja de coração e se mostre sempre humilde.

3.3. São Bernardo de Claraval (1091-1153)

3.3.1. Contexto histórico

O papa era Inocêncio II. Neste período nasce a República romana.
São Bernardo é chamado o último Padre da Igreja, o profeta do Ocidente. Ele é um grande místico e poeta, de alma genial e pregador popular. Foi um grande reformador e também fundou vários mosteiros. Teólogo e mestre espiritual, foi referência para toda a teologia da época.
Nasceu em 1090, na França, perto de Dijon. Freqüentou a escola dos cônegos e depois entrou num mosteiro de Citeaux em 1112. Em 1115, o abade manda Bernardo fundar o mosteiro de Claraval. Apesar de não ter fundado a ordem religiosa, fundou 68 mosteiros. Ele foi chamado de segundo fundador da ordem dos cistercienses. Morreu em julho de 1153. Foi canonizado em 1174 e proclamado doutor da Igreja em 1830.
Com dedicação colaborou na reforma do clero diocesano e do laicato, defendeu os direito do Papa Inocente II contra o pretendente Anacleto II. Reconheceu o erro de Abelardo, que mais tarde foi condenado pela Igreja, obrigou o bispo de Poitiers a retratar os seus erros no Concílio de Reims, pregou contra os maniqueus na França meridional, foi enviado em missão de paz, conselheiro do Papa, pregou na 2a. Cruzada (ele considerava os mulçumanos, usurpador dos Lugares Santos).

3.3.2. Os escritos

S. Bernardo foi um escritor fecundo. Escreveu uma apologia em defesa da reforma cisterciense. Escreveu mais de 500 cartas. A primeira obra espiritual foi escrita verso 1124: Tratado sobre os graus da humildade e da soberba. Escreveu também: Louvor à Maria Santíssima; Tratado da graça e livre arbítrio; Tratado sobre o dever de amar a Deus e Sermões sobre os Cânticos dos Cânticos.

3.3.3. As Sagradas Escrituras

A Sagrada Escritura: Alimento cotidiano. Bernardo conhecia tão bem a Sagrada Escritura que muitos de seus contemporâneos diziam que ele sabia de memória, como também a regra. A Escritura é inseparável da experiência. O Espírito que inspirou quem escreveu os textos bíblicos é o mesmo que inspirará os leitores. Cada leitura é uma nova interpretação. O risco é projetar a sua própria experiência.
A leitura da bíblia é contemplativa e pratica. Com ela se alimenta o relacionamento com Deus. A leitura é um exercício espiritual por excelência. É o lugar do conhecimento de mim mesmo e de Deus. A Bíblia é a fonte de libertação. Vivendo ativamente não seremos livres. Bernardo valoriza a humanidade de Jesus e também a devoção à Virgem Maria. Para Bernardo, o amor verso a humanidade de Jesus é o caminho que conduz ao amor verso ao Esposo, o Verbo. Ele parte da humanidade para se chegar à divindade do Verbo. O Cântico dos cânticos ensina como chegar ao Esposo.

3.3.4. Experiência de São Bernardo

Bernardo adota a regra de São Benedito, seu estilo é bíblico. Para ele a Bíblia não contém outra coisa senão o mistério de Cristo. Sua doutrina espiritual é eminentemente cristocêntrica. Deus é amor, ele nos amou primeiro, e o seu amor por nós é revelado quando ele mandou ao mundo o seu único Filho para que nós tivéssemos vida nele (Jo 4). A razão para amar a Deus é Deus mesmo, a medida é amá-lo sem medida. Considerado, como Santo Agostino, doutor da caridade.
A sua doutrina ascética é sempre realista e dinâmica. O seu ponto de partida é a humildade. Para estar unido a Deus o caminho é a contemplação. A pobreza e a solidão são marcas fundamentais da vida monástica. Valoriza o trabalho manual e a observância da regra de São Bento. O culto e a liturgia eram celebrados de modo solene. A vida monástica era a reprodução da vida Angélica, antecâmara do céu, por este motivo, havia camponeses que trabalhavam nos mosteiros.
Tudo o que ensina é examinado pela sua própria experiência. Dentro de cada um de nós existe guerra e conflitos. Entre um desejo buscar a Deus e a si mesmo. O homem é capaz de buscar a Deus. Através de sua “miséria” o homem encontra com a misericórdia divina. É a misericórdia que sustenta o homem no caminho da ascese. Com muita paciência se chega a Deus. No confronto entre a miséria e a misericórdia nasce a esperança de chegar perto de Deus. Por último, sem a humildade é impossível conhecer Deus. O homem deve reconhecer seus pecados, para ser consolado por Deus.
O ser humano depende de Deus. Sob o influxo da graça divina é o próprio Deus que atua no homem com afeto e consolação. Trata-se de uma experiência mística, onde a vontade de Deus concretiza na vida do homem, transformando-o e, muitas vezes concedendo a ele dons sobrenaturais como arrebatamento e elevação. A ação do Verbo na vida humana, sobretudo na oração, provoca um incêndio e um arrebatamento. É como um beijo de Deus que provoca um gozo interior, que faz o homem sair de si mesmo. O encontro do homem com Deus é sempre um ato contemplativo, onde se fixa o olhar a Cristo, a fim de se experimentá-lo.
O amor na teologia monástica é o motor da contemplação. A vontade ama somente aquilo que conhece (Tomás). Para conquistar este amor o ser humano deve estar sempre em movimento, sempre lutando. Esta luta jamais acaba. A experiência do homem é a miséria, a pobreza e a visita constante do Verbo. A miséria é a adesão a Deus por Cristo. E, em Cristo, nos deparamos diante de duas vontades. Vontade humana, elevada à vontade divina. Aceitando a vontade do Pai se cumpre a nossa salvação. O mosteiro deve ser transformado numa escola da caridade. A cela de cada monge deve ser transformada em morada de Cristo. O ideal do mosteiro é ser transformado num pequeno paraíso.
O fundamento da vida espiritual é a aliança. É Deus quem faz a aliança com o homem. O núcleo da aliança é o desejo. O crescimento global do homem está junto do crescimento espiritual e psicológico (humano). É necessário renunciar a própria vontade.
A experiência de Deus não é simplesmente uma forma de conhecimento é, antes de tudo uma apreensão. É um modo de conhecimento. Trata-se de um conhecimento progressivo.
A experiência espiritual será um encontro entre o convite de Deus e a resposta do homem. Deus se revela em Cristo, que torna objeto de nossa meditação. A experiência de Israel, os símbolos, a experiência do Verbo Encarnado é sustentado pela graça divina. Jesus se fez um de nós para podermos reproduzir a sua imagem em nós.
O motivo da Encarnação é tornar Deus imitável. Segundo são Bernardo a humilhação de Cristo é o caminho da glorificação. Cada fiel deve imitar a Cristo na sua vida de oração, de pregação, de jejum. Por meio dos sacramentos é possível experimentar esta graça. Com a memória, recordamos o que Jesus fez, ele mesmo nos comunicará a sua graça. O santo rosário, os símbolos, sobretudo a Santa missa nos oferece oportunidades para meditar os mistérios da vida de Cristo. A humanidade de Cristo é o modo de crescer no conhecimento da divindade do Verbo. O Filho de Deus, Verbo e Sabedoria do Pai, assume nossa natureza, carne, pecado. De modo misericordioso instrui sabiamente o homem, fazendo nascer a humildade. A vontade, envenenada pelo veneno carnal, é visitada pelo Espírito Santo, que com doçura a purifica, a preenche de ardor e misericórdia. Deste modo nasce a caridade. Atingindo a perfeição, alma que é considerada humilde e cheia de amor poderá unir com Deus. O Pai acolhe esta alma como a sua esposa gloriosa.
O amor de Deus, segundo Bernardo, passa por quatro fases fundamentais:
1) O amor carnal: é o amor natural. O remédio é a humildade que se conquista por meio da graça;
2) O amor mercenário: é o amor servil. O homem ama a Deus, mas espera recompensa;
3) O amor filial: um amor desprovido de qualquer interesse;
4) O amor puro de Deus: sem nenhum interesse pessoal. Aquele que faz a vontade de Deus na terra e no céu.
A teologia mística de São Bernardo é desenvolvida em seu tratado sobre o amor de Deus no comento dos Cânticos dos Cânticos. Quanto a alma é purificada e exercitada no amor espiritual, ela pode, chamada por Deus, entrar em união mística e tornar a esposa de Deus, ela contrai matrimônio espiritual com o Verbo e é completamente identificada com a vontade divina na união transformante.

3.3.5. A humildade e a soberba

O argumento principal é o amor de Deus. Na primeira parte da obra composta entre 1122-1125, Bernardo define o fim da humildade. Ele a considera como essencial para o conhecimento da verdade. Veja como chegar a ter humildade!
Primeira fase: O conhecimento de Deus é possível a partir da humilhação do próprio orgulho, do meu ser pecador – com a experiência da miséria em confronto com aquilo que Deus é, a Verdade. Baseado na parábola do banquete e também das bem-aventuranças, São Bernardo afirma que Jesus é o mestre que apela à razão. Sua missão é iluminar a razão e colocar luz sobre o homem. Este momento se realiza a conversão, nascimento. Aqui nasce a humildade. A total dependência de Deus, que se revela através de Cristo.
Segunda fase: Do conhecimento da verdade à misericórdia pelo próximo. Nesta etapa o que se vive é a caridade fraterna, solidariedade com a humanidade pecadora.
Terceira fase: Do conhecimento da verdade na sua mesma natureza. É o momento de contemplação – perfeita pureza de coração. O Espírito Santo, na segunda fase, opera sobre a vontade e leva ao cumprimento o exercício da humildade. A vontade humana não é capaz de realizar seus objetivos, pois necessita ser iluminada. Da união entre o Espírito e a vontade, nasce a caridade. Nesta última fase, o Pai, através da memória, transforma o homem, fazendo nascer nele a união estática. Bernardo, diferente de Agostino que fala da trindade, prefere insistir sobre a união da alma. A alma é una. A razão, a vontade e a memória são trêss funções da mesma realidade.
São ordenados tendo como base os graus da humildade. Torna-se necessário passar por eles para adquirir o pleno conhecimento do que significa “nada” (vida monástica).
Deus é tudo e eu sou nada. A verdadeira humildade é renunciar a própria vontade para obedecer a Vontade de Deus (superiores). Enquanto se cresce na humildade, na soberba deve diminuir.
Primeiro grau: curiosidade. O remédio é o silencio como recolhimento. Não significa apenas deixar de falar. Trata-se de um silêncio interior.
Quinto grau: individualidade - a pessoa faz jejum no domingo de Páscoa, mas não renunciar ao pecado da carne. Isto é sinal de amor próprio (culto de si mesmo).
Sexto grau: a ignorância – acreditar que é o mais santo de todos (presunção).
Sétimo grau: ser superior em relação aos outros, mania de grandeza. Deste modo não há progresso espiritual.
Oitavo grau: fazer de conta que está tudo bem (que se confessou, que não tem pecador... – falta paz interior).
Décimo grau: rebelião contra o mestre da comunidade.
Décimo primeiro grau: refere-se a completa perda do temor de Deus. Aquele que se acostumou com a vida de pecado.
Os meios de perfeição propostas por São Bernardo são: a graça de Deus, a humanidade de cristo, a devoção à Virgem, a meditação, especialmente dos mistérios de Cristo, a oração, o exame de consciência, a direção espiritual.

3.3.6. Dimensão apostólica

O apostolado é fruto do amor e da vida de oração. O apostolo deve ser contemporaneamente um homem contemplativo e um homem de ação. Ele deve interessar-se pela santificação de sua própria alma, antes de dedicar-se à santificação dos outros. Veja algumas observações praticas de Bernardo:
“Sabeis que vós deveis ser mãe daqueles dos que vos são submissos e não mestres. Se, de tanto em tanto, se deve usar a severidade, esta deve ser paterna e não arbitrária. Deveis ser mães no encorajamento e pais no corrigir. O zelo sem o conhecimento é insuportável. Quando o amor é realmente ardente, é necessário sobretudo a discrição que regula a caridade. o zelo não iluminado pela consciência perde sempre a sua força, e quase sempre torna desastrosa... a discricao, invés, regula todas as virtudes, e assim a torna moderadas, prazerosas e estáveis”.


4. OS DOMINICANOS


Em 1274, o Concílio de Leão proibiu a fundação de novas ordens religiosas, porém, surgiram duas novas ordens religiosas: os franciscanos e os dominicanos. Eram ordens mendicantes, que tinham como missão a pregação itinerante. Os franciscanos aderiram mais a regra beneditina, enquanto que os dominicanos preferiram as observâncias dos premostratenses, ao estudo da verdade, que havia caracterizado os cônegos de São Vitor.
São Domingos de Gusmão era espanhol. Foi superior dos agostinianos e pregador contra a terrível heresia dos albigenses, que se alastrou na França meridional. Conta-se que ele deixou as seguranças de um padre de escritório para tornar-se pregador itinerante. Fundou vários conventos femininos.
Caracterizada pela oração contemplativa, estudo sério da Lectio divina, Liturgia e teologia. Sua espiritualidade era eminentemente apostólica, sem deixar de lado a contemplação. É na escola domenicana que surge grandes teólogos como São Tomás dd Aquino, Alberto Magno, que resolveram o problema do dualismo entre a fé e a razão.
A vida apostólica consiste em abandonar tudo e anunciar o evangelho (cf. Mt 10, 7-10). O estudo sincero faz parte do apostolado. Os dominicanos são considerados apóstolos contemplativos.


4.1 São Tomás de Aquino

Para São Tomás a perfeição cristã é uma perfeição sobrenatural. O princípio da vida espiritual é o dom da graça de Deus, que o eleva à ordem sobrenatural. A perfeição da vida cristã consiste na atividade habitual do Espírito Santo, que torna possível quando o indivíduo ama a Deus com todo o coração e com toda a força.
Para Tomás de Aquino a vida ativa pode ter um valor ascético como preparação à vida contemplação, mas pode ter também um valor místico, seu próprio, quando o apostolado nasce da perfeição da caridade e de uma profunda vida interior. A vida cristã é a vida da graça, com a caridade como seu principal ato. A caridade produz uma união entre Deus e a alma. Vejam alguns tipos de contemplação:

Primeiro grau: os principiantes devem evitar o pecado e conservar a graça de Deus;
Segundo grau: esforço para crescer na virtude, provenientes da caridade;
Terceiro grau: perfeição na caridade (amar a Deus com toda capacidade).


5. OS FRANCISCANOS


Com o desenvolvimento do comércio, nasce a burguesia. Cresce também a consciência política. O desejo de participar da construção de uma sociedade mais justa e fraterna. As crises internas na Igreja continuam a todo vapor...
Em defesa da fé, elevação da vida moral e espiritual do clero e dos leigos, e também contra as heresias, surge o mendigo do amor, o peregrino de Assis, e com o seu canto de louvor ao Pai pelas criaturas inaugura um novo tempo. Ele se fez pobre e tornou uma grande personalidade mundialmente conhecida. Elegendo a pobreza como sua senhora e fonte de alegria, despertou na vida de uma multidão de fiéis. Encantado com Francisco, Clara de Assis também o segue, dando origem à Ordem das Clarissas.
São Francisco é conhecido como o santo da humanidade de Cristo. Sua espiritualidade é cristocêntrica e seu desejo é divulgar o amor de Deus que amou a humanidade e que não é amado. Seu sonho é de unidade, sua luta é para implantar a fraternidade universal e seu amor é sem medidas, pobres e enfermos, inimigos enfim, até mesmo as criaturas merecem ser amadas.
Sua espiritualidade é vibrante e encantadora. A radicalidade nos assusta, mas o amor a Deus e seu evangelho nos conforta e nos estimula a sermos também imitadores de seu estilo de vida. Seu amor pelas práticas ascéticas nos incomoda, mas a forma que ele acolhia as pessoas e até mesmo as criaturas, nos enchem a alma de alegria.

5.1. Cronologia da vida de São Francisco

Nasceu em 1181, em Assis. Filho de um comerciante chamado “Pietro Belardone”. O nível cultural de Francisco era muito baixo, não sabia por certo ler.
Em 1202 foi preso por um ano na cidade de Perugia (guerra entre Perugia e Assis), e, ao mesmo tempo vítima de uma longa doença. Mais tarde partiu para Puglia, sul da Itália. Volta após visão e mensagem de "Espoleto". Em 1204 São Francisco passa por períodos de longa agonia, enfrentando uma doença. Em outubro de 1206 recebeu a mensagem do crucifixo de São Damião. Logo depois iniciou-se um conflito com se pai. Despojado das vestes de seu pai, declara ter somente um pai. Aquele que está no Céu. Começou a cuidar dos leprosos. Vestiu-se de eremita e iniciou a reparação da Capela de São Damião.
Iniciou a pregação apostólica depois de ouvir uma pregação sobre o evangelho de São Mateus. Francisco tentou viver o mais literalmente possível o ensinamento evangélico sobre a pobreza, assim como está escrito: “Não providencieis ouro, nem prata, nem dinheiro para guardar em vossos cintos, nem alforje o caminho, nem duas túnicas, nem sandália, nem bordão; pois o operário tem direito ao seu alimento” (Mt 10, 9-10). A pobreza era uma regra de oura para Francisco.

No dia três de outubro de 1228, à tarde: Francisco pede que o deitem nu no chão, faz ler o evangelho da Última Ceia e abençoa os filhos seus, presentes e futuros. Era o último dia de sua missão aqui na terra. Depois de menos de dois anos de sua morte foi canonizado.

5.2. Espiritualidade franciscana

A espiritualidade franciscana é tipicamente cristocentrica. São Francisco como uma de suas admoestações desta forma: “Disse o Senhor Jesus aos seus discípulos: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Ninguém chega ao Pai senão por mim” (Jo 14, 6ss). Para Francisco a radicalidade evangélica era tudo. “Quem não renuncia a todos os seus bens não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). A verdadeira obediência agrada a Deus e reverte em bem para o próximo. Podemos dizer que São Francisco desenvolveu uma teologia da cruz. Segundo ele, comentando a segunda carta aos Coríntios, devemos gloriar-nos somente com nossas fraquezas.
São Francisco fala a todo o momento de caridade, de luta contra o pecado, e ao mesmo tempo, apresenta as virtudes para serem desenvolvidas, tais como a paz, a pobreza de espírito, a humildade, etc. Todo o pensamento de são Francisco é pleno de referência cristológica.
Quanto aos sacerdotes, São Francisco faz uma ligação com a Eucaristia. Era um santo que amava a Igreja como Corpo de Cristo e como parte deste corpo. Suas instruções eram em baseados nas palavras de Jesus, dando também destaque à devoção Mariana.
Se olharmos em cada detalhe da vida de São Francisco chegaremos a conclusão de que ele usou de todos as formas para que o Cristo chegassem às pessoas. Obediente à Vontade Deus manifestado no próprio Evangelho e nas revelações particulares, Francisco anunciava o evangelho com toda expressão de fé, de modo simples e direito, e que tocava o coração dos que o escutava. Muitos dizem que ele foi o que mais pareceu com o próprio Cristo, colocando em prática cada ensinamento bíblico.
Cada ato de Francisco era um ensinamento autêntico, pois a palavra era sempre acompanhada de gestos concretos. Sua paixão era transmitir às pessoas a beleza do Evangelho. Sua predica era como uma peça teatral, não era como as palavras dos pregadores da época.

5.3. Cristologia em São Francisco

5.3.1 Jesus Cristo é o “Altíssimo”

Para São Francisco Jesus Cristo é o “Altíssimo” e Senhor. Ele é enviado pelo Pai como Filho glorioso. Ele é a Palavra do Pai por quem tudo foi feito. A oração do cristão deve ser segundo a norma evangélica: “Pai nosso que estais nos céus”, pois “é preciso orar em tudo o tempo e não desfalecer” (Lc 18,1). A imitação de Cristo é uma característica importante da espiritualidade de São Francisco. Segundo ele, devemos considerar o Bom Pastor que, para salvar suas ovelhas, sofreu a paixão da cruz. O próprio Jesus não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20, 28). O exemplo do Mestre dado aos seus discípulos deve ser seguido com alegria: Os que estão constituídos sobre os outros não se vangloriem dessa superioridade mais do que se estivessem encarregados de lavar os pés dos irmãos. Que ninguém se ensoberbeça, mas antes se glorie na cruz do Senhor.
Jesus é a nossa Salvação. Francisco escreveu uma carta a toda a Ordem dos Frades menores com muita humildade. Nas primeiras frases transcritas encontramos o seguinte testemunho: “Frei Francisco, homem insignificante e fraco, vosso pequeno servo, saúda naquele que nos remiu e os lavou em seu preciosíssimo sangue – quando ouvirdes o ser nome adorai-o com temor e respeito profundamente prostrados por terra – o Senhor Jesus cristo, cujo nome é ‘Filho do Altíssimo’, bendito por toda a eternidade. Amém”.

5.3.2. Amor pela Eucaristia

Quanto à participação à eucaristia, Francisco recomenda muita estar em espírito de penitência. A importância a Jesus-Eucaristia e a confiança nele depositada deve fazer parte sempre na vida do cristão. Sendo Jesus, o caminho, a verdade e a vida, como disse Jesus a Filipe: “quem me vê, vê também meu Pai” (cf. Jo 14, 6-9) a vida do cristão é centralizar sua vida em torno de Jesus Eucarístico. “Este é o meu corpo e o sangue da nova Aliança” (cf. Mc 14,22) e “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue terá a vida eterna” (cf. Jo 6, 55).
São Francisco tem uma grande preocupação em receber o corpo de Cristo indignamente. Todos os dias descem do seio do Pai sobre o altar, nas mãos do sacerdote, o Pão de Deus, pois, através do Espírito Santo Jesus se faz presente: “Eis que estou convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20).
Encarnou-se, vivendo em meio a nós para mostrar o caminho da realização. Jesus é a nossa única esperança. Viveu humilde pobre e peregrino, um rei entregue à morte. Na carta a um ministro dos frades menores São Francisco afirmou: “Considera como uma grande graça tudo quanto dificultar o teu amor a Deus nosso Senhor, bem como as pessoas que te causam aborrecimentos, sejam irmãos ou gente de fora, mesmo que cheguem a te fazer violência”.
Jesus Cristo é a verdadeira luz que ilumina a vida do cristão. Com Jesus enxergaremos sempre o caminho justo, deixando as trevas do pecado, da concupiscência carnais longe de nossas vidas. Ele é o nosso único pastor e alimento de nosso caminhar.

5.3.3. Testemunho de simplicidade e humildade

Devemos procurar unir com Jesus aqui na terra para chegarmos à união definitiva e desejada no céu. Numa ocasião, no eremitério, tendo-se reunido muita gente para a pregação perto do dia de natal, começou dizendo o seguinte: “Crede que sou um santo, e por isso viestes aqui com devoção. Mas eu vos confesso que em toda esta Quaresma minha comida foi feita com banha”. Assim, Francisco acusava freqüentemente que devia fazer sempre oração para entrar mais no clima de santidade.

A humildade e a identificação com a vida de continua comunhão com Deus era o projeto de vida de São Francisco. Segundo ele: “o homem é o que é diante de Deus, nem mais nem menos”. E acrescentou: “o Filho de Deus, deixando o seio do Pai, desceu das alturas do céu até a nossa miséria para nos ensinar a humildade”. Quando alguém dizia que ele era santo, pedia sempre que um frade dissesse palavras de desprezo e humilhação, referente à sua pessoa. Ao que o frade dizia, São Francisco louvava o Senhor e o elogiava como sendo o único que falasse a verdade: “Bendiga-te o Senhor, meu filho, pois, és o único que dizes a verdade, e são estas as palavras que sempre deveria ouvir o filho de Pedro Bernardone”.
Francisco procurava empenhar-se com todas as forças a fugir a reter os sentidos e coibir as paixões, entregando-se unicamente a Deus. “Tinha seu ninho nos buracos e sua morada eram cavidades das muralhas. Com verdadeira devoção, recolhia-se em casas abandonadas e, todo aniquilado, residia permanentemente os lugares desertos, para poder dirigir-se de toda alma a Deus...”.

5.3.4. Testemunho de paz

No capítulo 10 dos escritos de Tomás de Celano – Vida I, o autor fala do despojamento total de Francisco para servir a Deus. Em todas as pregações, antes de propor aos ouvintes a Palavra de Deus, invocava a paz dizendo: “O Senhor vos dê a sua Paz”.
A experiência das criaturas, das flores, dos animais, enfim, tudo para São Francisco tinha um sentido cristológico. Ele era capaz de ver Jesus em todas as coisas, até mesmo num escrito não cristão. Dizia o santo a um dos seus seguidores: “meu filho, contêm (o livro) as letras com que se escreve o gloriosíssimo nome do Senhor”. Quanto às criaturas, o santo tinha uma predileção maior pelos cordeirinhos, porque a humildade de Jesus foi comparada muitas vezes na Bíblia ao cordeiro.

5.3.5. O Santo do desapego às coisas materiais

O desapego dos bens materias, seguido às palavras de Jesus dita ao jovem rico, transformou a vida de Francisco em um pobre, mas ao mesmo tempo possuidor de todas as riquezas: “Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tens, e distribui-o aos pobres. Terás um tesouro nos céus. E vem e segue-me” (Evangelho).
A confiança na Palavra de Deus e em sua providência era também um fato que nos chama atenção. A conversão de Bernardo é um dos exemplos. Ao que Bernardo lhe disse: “ó Pai, se alguém tivesse possuído por muito tempo os bens de algum Senhor, e já não os quisesse mais, qual seria melhor coisa a fazer?” São Francisco respondeu que deveria devolver tudo ao Senhor. Mais tarde, na igreja, são Francisco e Bernardo tomaram o evangelho e eis que por três vezes veio a confirmação de sua decisão. A primeira: “Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tens, e dá-o aos pobres”. Na segunda vez: “Não leveis nada pelo caminho”. E numa terceira vez: “Quem quer vir após mim, renuncie a si mesmo”.
Um dos grandes dons e carismas de São Francisco foi o de crescer nas riquezas da simplicidade através do amor pela altíssima pobreza: “Muitas vezes recordava, sem poder conter as lágrimas, a pobreza de Cristo e de sua Mãe. Afirmava que esta era a rainha das virtudes...”. Da mesma obra recorda os ensinamentos de Francisco: “Sabeis, irmãos, que a pobreza é o caminho mais seguro para a salvação, como fundamento que é da humildade e raiz de toda perfeição, e seus frutos, embora ocultos, são múltiplos e abundantíssimos. Essa virtude é aquele tesouro escondido no campo; para comprá-lo se deve vender tudo e por amor desprezar tudo o que não se ode vender”. As virtudes vividas e ensinadas pro Francisco de Assis comprovam a seriedade e a paixão pela vida religiosa, tendo como centro a pessoa e a obra de Jesus Cristo. O desprezo da matéria e o apego, cada dia mais intenso da vida ascética e mística era uma realidade vibrante na vida de Francisco.
Dominado pelo impulso da pobreza em relação aos bens desta terra, São Francisco interpretava a Sagrada Escritura a partir de uma visão de simplicidade, reconhecendo que a vida do ser humano aqui nesta terra é de passagem. Certo dia de Páscoa, meditando a Sagrada Escritura, lembrou-se de que Jesus manifestou aos discípulos de Emaús como peregrino e estrangeiro. Deu-se conta de que é preciso celebrar a Páscoa do Senhor com humildade, em espírito de pobreza, para ganhar à vida eterna.

5.3.6. Experiência do de Jesus Crucificado

Tomás de Celano dizia que São Francisco não contentava em cantar somente em italiano, mas em língua francesa. “Freqüentemente esta festa toda acabava em lágrimas, e o júbilo se dissolvia na compaixão para com a paixão de cristo. Então começava a suspirar sem parar, dobrava os gemidos, e logo, esquecido do que tinha nas mãos, era arrebatado ao céu”.
Jesus ocupa o centro da alma de Francisco. A construção de um presépio recorda a humanidade de Jesus, que se fez pobre e pequeno, em meio a nós. Ele é a Palavra que se fez carne. Jesus é ao mesmo tempo é objeto de contemplação como Modelo e próprio Deus Altíssimo.
São Bonaventura dizia que São Francisco freqüentava os lugares solitários, propícios às lágrimas, aos gemidos inefáveis, de tal forma que suas instantes preces foram ouvidas pelo Senhor. Um dia, ao rezar assim na solidão e totalmente absorto em Deus, apareceu-lhe Cristo crucificado. Diante dessa visão, “derreteu-se-lhe a alma” (Ct, 6) e a recordação da paixão de Cristo gravou-se-lhe tão profundamente no coração, que a partir desse instante dificilmente podia conter o pranto e deixar de suspirar quando pensava no crucificado. Como resposta a um irmão que o aconselhava a ouvir uma página da Sagrada Escritura para o seu conforto, disse o santo: “Irmão, encontro cada dia tal doçura e consolação na memória e meditação sobre a humildade dos passos do Filho de Deus neste mundo, que poderia viver até ao fim do mundo sem que me fosse muito necessário ouvir ler ou meditar outras passagens da Sagradas Escrituras”.

5.3.7. O primeiro presépio

Segundo o testemunho de Tomás de Celano, São Francisco era um apaixonado pela vida de Jesus Cristo e sua doutrina. Estava sempre meditando em suas palavras e recordava sempre atos com muita inteligência. Gostava de lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de sua entrega ao Pai, por meio da cruz. Em se tratando do mistério da encarnação, todos sabemos que o presépio é uma criação de São Francisco. A pedido de São Francisco foi feito o primeiro presépio: “Se você quiser que nós celebremos o Natal de Greccio, é bom começar a preparar diligentemente e desde já o que eu vou dizer. Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os abertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro”. No dia do Natal, eis que o povo veio comemorar o grande acontecimento, em meio aos cantos dos frades e, sobretudo da participação da Eucaristia que foi celebrada ali mesmo no presépio.
São Francisco inspirou toda uma nova geração da arte figurativa e expressiva. Através dela, todos, e de modo especial, os pobres são evangelizados.

5.3.8. A reforma da Igreja de São Damião

Entrando na Igreja de São Damião, Francisco, transformado pela oração, o próprio Cristo fala com ele: “Francisco, vai e repara minha casa que, como vês, está toda destruída”. Segundo Tomás de Celano, depois desta época São Francisco desenvolveu uma enorme compaixão pelo Cristo Crucificado. Algumas vezes chorava alto, e não admitia consolação, quando lembrava das chagas de Cristo. Muito além de reformar a igreja de São Damião são Francisco foi o legítimo reformador a Igreja povo de Deus.

5.3.9. A pobreza como lei maior

A cristologia em são Francisco é muito rica de significado, pois segundo os frades que conviveram com ele, diziam que todos os dias e continuamente, podiam vê-lo falando de Jesus. O diálogo era suave e doce. Sua boca falava da abundância do coração, e a fonte de amor iluminado que enchia todo o seu interior extravasava. Certa vez um irmão não acolheu bem um mendigo importuno, ao que o santo disse: “Tira o hábito, lança-te aos pés deste pobre, reconheça publicamente tua falta, pede-lhe perdão e que reze por ti!”. E acrescentou: “Quando vês um pobre, irmão, é a imagem do Senhor e de sua pobre Mãe que tens diante dos olhos. De igual modo deves considerar nos enfermos as misérias a que Cristo quis se sujeitar por nosso amor”.
A experiência de Francisco ao beijar um leproso foi uma prova de humildade que abriu novos caminhos em sua vida, identificando cada vez mais com o Cristo crucificado. Cheio de admiração e alegria, cantava e louva ao Senhor, prometendo fazer sempre mais coisas melhores no futuro.

5.3.10. A experiência de oração

Um episódio significativo foi à benção à cidade de Assis. São Francisco reconhece as limitações de seus habitantes, e ao mesmo tempo louva a Deus por fazer de Assis uma cidade um sinal de paz e amor para todos cristãos: “Peço-te, Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdia, que não olhes à nossa ingratidão, mas te lembres do amor infinito que dispensaste a esta cidade”.
A forma de oração era viva. Segundo Tomás de Celano, quando ele rezava nos bosques ou lugares afastados, sua oração era feita em voz alta. Ele brincava com Deus, conversava como um amigo. Muitas vezes era transformado nela própria oração.

Finalmente, após seus 47 anos de vida toda a igreja pode colher os frutos de seu testemunho, de sua experiência.


6. ESPIRITUALIDADE DIONISIANA E A “DEVOTIO MODERNA”


Espiritualidade neoplatônica dos monges alemães (dominicanos).

Matilde de Magdeburgo: (1282 ou 1297)

Escreveu uma obra chamada: a luz da divindade. Teve experiências místicas e união estática de diálogo entre Cristo e a alma. “A alma deve esvaziar-se de tudo aquilo que vem através dos sentidos, a memória e a imaginação, e também das suas virtudes”.

S. Matilde de Hacheborn (1299)

Confidente do Sagrado Coração de Jesus e líder na divulgação desta devoção. Escreveu textos para instruir os fiéis a receber a comunhão e participar da liturgia.

S. Gertrude, a grande (1302)

Depois de uma visão de Cristo passou a dedicar à leitura das Escrituras e dos Santos Padres: Agostinho, Gregório Magno, São Bernardo, Ugo de São Vitor. Desenvolveu uma espiritualidade cristocêntrica. Divulgou a adoração eucarística, e a Paixão de Cristo (chagas). Recebeu as estigmas e experimentou a transverberação do coração. Escreveu o livro: “Arauto do amor divino” e exercícios espirituais.

S. Brígida (1303)

Espiritualidade da paixão de Cristo e devoção mariana. Depois de uma viagem à Terra Santa, teve várias revelações sobre a paixão e morte de Cristo.
Ela tinha um coração generoso e nunca poderia recusar nada a um pobre, que vinha para a porta do pai. Sua caridade irritava seu pai: ele pensava que ela era generosa demais para os pobres e necessitados, quando ela distribuía seu leite e farinha para todos. Tornou-se monja e fundadora de mosteiros.

Mestre Erkhart (1260-1327)

Uma espiritualidade contemplativa e mística. Para se chegar lá é necessário alguns exercícios ascéticos. Total renúncia de si, desprezo das imagens sensíveis e submissão total à vontade divina. A alma une a Deus de modo quase imperceptivo. Foi acusado de panteísmo.
Ele foi um grande pregador dominicano e professor na universidade de Paris. Não foi ortodoxo em muitas proposições. 108 delas foram consideradas suspeitas. O Papa João XXII condenou 28 delas. O mestre acreditava que o intelecto é superior à vontade. Para Erkhart a alma e a inteligência são incriáveis.
“A experiência mística flui pela graça como um princípio fundamental e se desenvolve imediatamente a atividade intelectual ou contemplativa do homem, porém não exclui a atividade da vontade, cheia de caridade”.
Segundo Erkhart, somos transformados em Deus, como numerosas hóstias são transformadas num só e único corpo de Cristo.
Seu pensamento aproximou-se do quietismo ao afirmar que uma pessoa poderá atingir um grau tão elevado de santidade que todas as ações serão inspiradas por Deus e nem precisa obedecer a ordens da Igreja. Muitos afirmam que Erkhart foi predecessor de Lutero, Kant, Schopenhauer, Spinosa, Hegel, Heidegger e Jasper.

João Taulero (1300-1361)

Pregador e diretor espiritual. Amigo de Deus. Ele também pregava a total renúncia das coisas exteriores para entrar em comunhão com a nulidade do espírito (contemplação mística). Deus não é alguém que posso ser nominado, compreendido ou experimentado. Podemos conhecer Deus aquilo que Deus não é. Por analogia não. Deus não é conhecido por esta via. Portanto, é preciso esvaziar-se de tudo. Só através da nulidade de espírito, podemos contemplar Deus.
Através da mortificação e renúncia, o homem se eleva à inteligibilidade das ideias, das imagens que podem entrar no Grund da alma. O ascetismo ativo consiste na total submissão à vontade divina. A experiência mística é algo que está além das faculdades natural da alma. No centro da alma habita a Trindade. “Desde a eternidade somos unidos a Deus e o nosso empenho é retornar a união com o divino”.
Alguns de seus sermões foram proibidos.
Enrico Susone (1295-1366)
Poeta trovador espiritual. Escreveu o livro da sabedoria eterna. Escreveu sobre o sofrimento de Jesus e de Maria. Para o autor, a união com Deus requer renascimento do homem e ser transformado por Cristo. Ensinou a doutrina paulina sobre a conformidade a Cristo. Cristo é o caminho da perfeição.
Rysbroeck (1293-1381)
Escreveu no livro da verdade suprema: “nenhuma criatura pode tornar santa a ponto de perder a sua natureza criada e ser transformada em Deus.
Segundo Rysbroeck a alma tem três faculdades: memória, intelecto e vontade. Nela opera três estados: ativo – a virtude, interior – a graça, contemplativo – imitação de Cristo.
O progresso na vida espiritual se dá quando a pessoa desapega do egoísmo e das coisas criadas. A vida interior é aquela cuja alma, iluminada por Cristo nas suas faculdades inferiores, se liberta de todas as imagens e as ocupações a distinguem.

DEVOTIO MODERNA

Um tipo de devoção que veio combater os argumentos teológicos complicados. Deus não veio complicar a nossa vida com argumentos de alto nível de sabedoria. O que é mais importante, saber os mistérios da Santíssima Trindade ou viver a humildade? Os grandes discursos não fazem do homem um santo.
O conhecimento deve ser moderado para não cair na distração e na ilusão. Somente aquilo que serve à sua própria salvação. Use o tempo para combater os vícios e crescer nas virtudes. O livro mais lido nesta época é a “Imitação de Cristo”.

Gerardo Groote (1340-1384)

Diácono pregador. Seus ensinamentos eram simples e menos intelectual. A contemplação é a perfeição da caridade. Defendia a pobreza espiritual e a negação de si mesmo, bem como a prática da virtude.

Tomas Hemerken de Kemps (1379-1471)

Mestre de noviços e possivelmente autor da Imitação de Cristo. A obra tinha como finalidade instruir as pessoas consagradas. O leitor compreenderá que sua intenção era a de renovar a Igreja. Pregava a separação do mundo, o arrependimento e a conversão. O livro é uma meditação da humanidade de Cristo.
A contemplação é essencialmente operação da virtude da caridade. A vida espiritual é uma vida interior. O primeiro passo é conhecer a si mesmo, depois desprezo de si. Renunciar a si é abandonar-se em Deus.
O conhecimento de si é possível quando nos afastamos de nós mesmos e dos outros. Deste modo compreendemos nosso pecado e retornamos a Deus com humildade e arrependimento. É preciso vencer a si próprio. Aquele que deseja caminha com Deus, na liberdade, deve mortificar todas as suas inclinações desordenadas e não dar asas aos desejos proibidos.

João Gersone (1363-1429)

Ele foi contra o misticismo falso. Deus é conhecido pela negação. Pode ser conhecido pela fé na divina revelação. Os contemplativos são chamados a meditar a vida de Cristo.
As virtudes cristãs são o fim último. Nem todas as pessoas devem e podem ser contemplativas. Muitas delas, como Marta deve empenhar-se na vida ativa e, em alguns momentos, o recolhimento. Ninguém pode ser contemplativo de maneira contínua nesta vida. Por isso é preciso também que estas pessoas trabalhem.
Para quem vive na contemplação, um diretor é muito importante. Claro, um diretor que conhece a vida e a doutrina para se chegar à contemplação.
O místico age de acordo com a autoridade bíblica e da Igreja. Deve, pois ter boa saúde mental e física. O místico é sempre humilde. Ele cumpre os deveres de seu próprio estado? Quais são as virtudes de sua vida? É pelos frutos que conhecemos a árvore!
A teologia mística facilita o nosso encontro com Deus. Ela produz a paciência e a humildade. A teologia especulativa suscita o orgulho. A reflexão conduz a meditação e esta à contemplação.
A alma é transformada em Deus. A união estática da contemplação é um ato de amor. o místico conserva sua identidade.
A oração perfeita é a perfeição na caridade.

S. Catarina de Sena (1347-1380)

Leiga da terceira ordem de São Domingos. Vivia uma vida de recolhimento, servindo aos necessitados, prisioneiros e doentes. Nos últimos anos de sua vida ia sempre ao Vaticano para orar pela unidade da Igreja. Não sabia ler nem escrever e foi diretora espiritual de papas, bispos, padres, religiosos e leigos. Escreveu 400 cartas e o livro da Divina Providência.
Ela pedia a Deus quatro coisas: salvação dos homens e paz na Igreja. Reforma do clero e guia da providência divina para guiar a salvação das almas.
Numa revelação Deus teria dito: “Eu sou aquele que é, tu és aquela que não é.
Seu itinerário de santidade consistia em quatro coisas:
1) amor servil – medo de punição;
2) amor mercenário – recompensa eterna
3) amor filial – amor de Deus para o seu interesse;
4) amor perfeito – renunciar o amor de si e fazer a vontade do Pai.

Dionísio, o Certosino (1402-1471

Três estágios em seu itinerário espiritual:

1. Purificativo: rejeitar o pecado e crescer na virtude;
2. Iluminativo: a mente contempla as coisas divinas;
3. Místico: amor pela contemplação do divino, a alma inflamada de Deus


7. ESPIRITUALIDADE MODERNA

“A Espiritualidade é a parte mais viva da Teologia”

7.1. Significado histórico e limites cronológicos da “Reforma”

Como termo histórico, a reforma indica uma época, tempo que vai do Concílio de Trento (1545-1563) até a paz de Westfália (1648). Porém, a Reforma começou bem antes do Concílio. Em algumas nações, há um verdadeiro movimento de reforma, desde o século XV. Esta reforma, enquanto renascimento e despertar da vida cristã ou enquanto reordenamento jurídico e estrutural da Igreja, não se limita a Trento. Algumas destas tentativas foram um sucesso, porém, algumas tornaram uma maldição para toda a Igreja, a divisão. O Concílio condenou a “reforma” de Lutero e outras mais.
Por influencia do protestantismo o termo reforma foi reservado somente as tentativas protestantes e, por eles, a reforma católica foi considerada “contra-reforma” ou “reforma católica”. Não é possível aceitar esta terminologia. Cronologicamente, a reforma católica é anterior ao Concílio de Trento. Lutero e Calvino revoltaram contra a única Igreja, por isso, a ele devemos reservar o termo pseudo-reforma ou revolução religiosa.

7.1.1. Processo histórico da Reforma

1o. Período: 1400 até ao Concílio de Trento – Certa confusão religiosa; reforma de ordens religiosas, criação de novos Institutos para a reforma do clero e inúmeros documentos da Cúria Romana e dos Concílios nacionais; revolta de Lutero e ruptura com Roma; preparação do concílio de Trento.
2o. Período: Segunda metade do século XVI – reforma geral da Igreja Católica e separação do cristianismo em várias confissões, redescoberta da piedade.
3o. Período: Primeira parte do século XVII: desagregação da consciência religiosa, diminuição dos valores espirituais e início do iluminismo e interferência política; descobrimento da América, difusão do protestantismo.
Componentes culturais: 1. Movimento humanístico, evangelismo; 2. Renascimento da teologia e ciência sacra (Segunda Escolástica); 3. O barroco – estilo e espírito de uma época. Literatura barroca.

7.1.2. Espiritualidade da Reforma

7.1.2.1Concepções gerais da vida cristã

Há um modo peculiar de conceber a vida cristã, o mundo, a realidade terrestre e sobrenatural. O humanismo exalta o irenismo – a excelência e a dignidade do homem, ignorando o divino e o sobrenatural. Finalidade da vida humana – realizar no mundo a sua personalidade. Modelo perfeito – antiquidade clássica. Exalta ao indiferentismo e o ateísmo religioso; substitui a caridade cristã pela filantropia e difunde o laicismo anti-cristao fundado no racionalismo filosófico. O que orienta a vida pessoal e social não é mais a religião, mas a razão, a ciência e o progresso. É tempo hostil à Revelação.
A religiosidade da reforma propõe como fim último a felicidade eterna e fundamenta sua fé na revelação. A visão global é teocêntrica. Entre as manifestações mais importantes, no tempo da reforma, citamos.

a) Fé extraordinária do povo cristão – internamente sentida e externamente defendida contra seus adversários.
b) Preeminência da religião – o religioso presente em todas as atividades humanas. O divino é onipotente – tudo se inicia invocando o divino (leis, documentos etc).
c) Renascimento cristão e santidade – a época da reforma é a época dos santos: o ideal do homem perfeito e herói é simbolizado no “santo”. Há uma singular exaltação da vida religiosa e sacerdotal – reforma de muitas famílias religiosas; fundação de novas ordens, renovação dos costumes do clero e do povo; cristianização da arte e atenção aos problemas religiosos.
d) Sombras e contrastes – a reforma não consegue dominar a onda de imoralidade no cristianismo ocidental, no fim da Idade Média e no Renascimento – incoerência entre fé e vida. Ruptura da unidade cristã causada pelo Protestantismo. Queda do prestígio do Romano Pontífice. Sintomas de incredulidade e de indisciplina moral, com o advento do Iluminismo.

7.2. Características da Espiritualidade

a) Espiritualidade muito difundia: prática e vida – é o patrimônio do povo cristão. Vida e doutrina espiritual se fundem em muitos casos e ambientes. A revolução protestante também testemunha esta realidade.
b) Interioridade e exibicionismo – são notórios o aparato sensível e as manifestações externas da espiritualidade, provocando certos excessos externos de piedade, sobretudo no último período da reforma. Como reação, temos certas tendências intimistas, desprezando qualquer elemento exterior da religião (eramismo, paulinismo e humanismo). Pela metade do século XVI, chega-se a uma harmonia substancial.
c) Tendência individualista – elemento mais característico do período da Reforma. Sem desaparecer a liturgia e a piedade tradicional, a espiritualidade pessoal tende a predominar. Sempre a oração pessoal predomina sobre a litúrgica.

Nesta época se descobre o valor da Bíblia e da Patrística. A oração mental é o eixo da nova espiritualidade. Prevalece a espiritualidade pessoal e individualista – oração particular (vocal) e meditativa (mental). Surgiram muitas orações devocionais e os mistérios de Cristo tiveram especial destaque (paixão, chagas, Jesus menino, eucaristia), bem como os privilégios de Maria.
A oração mental predominou por vários motivos – prática universal da Igreja, entre o povo cristão e as pessoas consagradas. Todas as ordens mendicantes e as famílias religiosas lhe dão preeminência.
A espiritualidade da reforma atribuiu importância capital à “metodização” da oração pessoal. É a época dos grandes místicos. A literatura espiritual vai nesta linha. A oração toma o centro da espiritualidade e é considerada o barômetro da ascese cristã – método para julgar a perfeição da pessoa, sobretudo, quando acompanha com graças místicas.


8. ESPIRITUALIDADE FRANCESA

Questões a serem consideradas → Escola “francesa” e o “humanismo devoto”. Características da espiritualidade de São Francisco de Sales.

8.1. Características gerais e processo histórico

Variada e original → todas as formas de espiritualidade encontram-se na França. É difícil, porem, agrupar os escritores, porque são muitos pessoais: teóricos e descritivos, místicos e ascéticos, contemplativos e ativos, religiosos e seculares.
Índole ascética mais que mística → predomínio literário. Porém, a espiritualidade francesa é moderada e equilibrada, evitando extremismos.
Psicológica e moralista → conhecimento profundo do coração humano, como proposta à perfeição cristã.
Amor, como tema central → puro amor de Deus → alguns caíram no quietismo.Tema → doutrina do verbo Encarnado; mistério de Cristo; perfeição sacerdotal; pratica e valor das virtudes; culto à humanidade de Cristo e do coração de Jesus e de Maria.
Quietismo → forma de oração contemplativa e meta da vida espiritual do século XVII, na Europa ocidental. Caracteriza-se por certa passividade, mas seus princípios básicos geram pratica morais e religiosas degradantes, justificadas como elevações espirituais e, por isso, meritórias.
Há também tendências esotéricas.
- Apresenta-se sempre como elite espiritual;
- Insiste na interiorização passiva de uma entrega nas mãos de Deus, repouso interior, para unir-se com Deus;
- Razão contemplativa em tonalidade afetiva, como oração de silencio;
- Substituição das devoções e obras externas e adoção da oração silenciosa interior (quiete);
- Quando tem o silêncio perfeito, se dá o total aniquilamento de si;
- Perfeita indiferença pessoal diante de Deus, para gozar do puro amor de Deus;
- Depois da “santa indiferença” se dá o desdobramento da personalidade. Separação entre a parte inferior e superior, enquanto a alma está entregue ao amor de Deus, o corpo pode deliciar-se nas orgias mundanas, não convém distrair-se tentando resistir às inclinações da carne, porque estes acontecimentos corporais acontecem fora da responsabilidade da alma.

8.2. Linhas do seu desenvolvimento

No tempo da Reforma, o processo histórico da espiritualidade francesa se manteve em sintonia com a mesma reforma católica francesa. Depois da “guerra das religiões”, a verdadeira Reforma teve seu êxito. Em linhas gerais, a espiritualidade francesa procede lentamente sua gestação, no decorrer do século XVI. No fim do século, acentuo-se um empenho maior pela espiritualidade. Com São Francisco de Sales abre-se o tempo de maior esplendor e da máxima difusão da espiritualidade francesa.

8.3. Reforma, espiritualidade e ambiente religioso


8.3.1. Humanismo Cristão

Na França, o humanismo cristão é um movimento e um espírito novo, na concepção da vida → mais pratico que especulativo; mais aristocrático que popular; busca do belo e do verdadeiro, do bom e do santo. Porem, não foi totalmente católico, por suas relações com o protestantismo.
Dupla tendência do humanismo → naturalista e devoto.
Nas suas primeiras manifestações, na Europa, o humanismo cristão foi eminentemente nacional, moral e religioso. Alguns humanistas desenvolveram o movimento do Evangelismo: Lefevre d’Etaples (1450-1536) - humanista, cultor da literatura clássica, homem piedoso e devoto. Trabalhou em alguns escritos dos Santos Padres. Como filosofo, empenhou-se pela restauração e reforma da filosofia - retorna a Aristóteles. Foi propagador da Sagrada Escritura, abandonando, por isso, a filosofia. Bíblia - meio de renovação espiritual e social. Tornou-se arauto da palavra divina e reformador. No modelo erasmiano, dedicou-se à pregação religiosa e à reforma dos costumes e da vida espiritual. Buscou em retorna ao cristianismo primitivo - evangelismo. Ignorou a dependência à autoridade eclesiástica.
Evangelismo em geral - apresenta características diversas que vão desde o misticismo indiferente a qualquer dogmatismo ao modernismo de Erasmo. Pontos de convergência → retornar ao evangelho e purificar a piedade e a crença dos cristãos. Há dois modos de compreensão destes objetivos
a) renuncia ao cristianismo legalista e formal, sem religiosidade interior, para uma pratica cristã vivida;
b) retorno à vida cristã, abandonando todas as práticas não presentes na Igreja Primitiva. Alguns pertencentes a este segundo grupo acabaram no Protestantismo: Ochino, Vergerio, Mainardi, Vermigli e outros.

8.3.2. Lento processo de Reforma

a) as primeiras tentativas de reforma (1500-1540) - as tentativas de reforma orgânica e externa não tiveram êxito,enquanto que a crise religiosa foi-se desenvolvimento. Notas - internamente,crise religiosas; externamente, a reforma oficial, com lutas violentas entre forças católicas e protestantes.
A primeira tentativa de restauração religiosa se deve a Jean Standonck (1443-1504) - fundou a congregação de Montaigu, para a restauração da vida cristã e religiosa. Era muito rigorista e ultratradicional - esta tentativa foi frustrada.
Outras tentativas - entre o clero secular e clero regular - estes, com os canônicos regulares, introduziram,na França, a Devoção moderna → moderada severidade; obras manuais, para a expansão do espírito; vida ordenada em modo perfeito e metódico; casas religiosas bel providas para a vida material; metódico exercício de meditação; exercícios espirituais pessoais.
b) reforma e “cruzada espiritual” (1540-1590) - em pleno andamento, a reforma restaurou a disciplina monástica (Cluny,Marmoutier e outros) e a reforma dos cistercienses, com Jean Cirey.
A verdadeira reforma, porem, encontrou grandes dificuldades e oposições, sobretudo, pela violência da luta religiosa. Luta contra a heresia protestantes (calvinista) → “guerra das religiões”, de caráter religioso e político. Com a paz de Amboise (1563), foi possível levar adiante a reforma, por influência das congregações e escritores espirituais. Parte do renascimento espiritual ficou conhecida como “invasão mística”. Depois de 1590, a reforma estava completada.

8.3.3. As grandes correntes de espiritualidade

O famoso circulo espiritual da celebre madame Acarie se reunia em sua cada e na cela do Dom Beaucousin → grandes reformadores e mestre de espiritualidade.

8.3.4. As correntes tradicionais da espiritualidade

O lento processo de reforma do clero secular e regular, ate a entrada de forcas estrangeiras (imigrantes), explica o uso da literatura espiritual das antigas ordens religiosas,
a) a espiritualidade monástica → representada pelos beneditinos, com sua maior independência em reação à “observância”. As obras são pequenos opúsculos ascéticos destinados à instrução espiritual dos religiosos. O autor mais representativo foi Louis de Blois (1506-1566) - introduziu a reforma e foi exemplo de “observância” e de vida religiosa perfeita. Obra - Institutio vitae spiritualis - doutrina tradicional de ascética e mística, centrada na cristologia. A imitação de Cristo é meio de purificação, elevação e união. Augustn Baker (1575-1641) - sua principal obra foi Santa Sophia (1657) - prejuízos contra a meditação metódica e a pratica da direção espiritual, como era feita nos mosteiros. Insiste sobre a oração interior e sobre a docilidade do Espírito Santo.
b) a espiritualidade das ordens religiosas → dupla tendência entre os dominicanos - especulativa, abstrata e ascética → todos os teólogos são discípulos fiéis de santo Tomás. É também popular e prática, na linha de Ludovico de Granada → mística. A escola franciscana - a tendência mística é mais explicita e viva. Os autores tratam a tradicional doutrina da ordem em modo bem pratico. Duas tendências:
A) tradicional franciscanismo, restrita ao interno da vida religiosa.
B) nova tendência seráfica, introduzida pelos capuchinhos, com grande influencia sobre a espiritualidade francesa.
Por causa do apostolado dos frades e de seus escritos. Já a escola inaciana concebe a vida espiritual em diversos modos. Uns defendem a ascética e a mística; os mais tradicionais defendiam o culto e a devoção ao verbo Encarnado de forma independente da escola berulliana.

8.4. A espiritualidade de São Francisco de Sales (1567-1622)

Sua espiritualidade foi chamada por alguns de “humanismo devoto” → uma espécie de identificação entre a espiritualidade salesiana e o humanismo devoto. Hoje, esta expressão é considerada ambígua.
O humanismo devoto é sempre o mesmo humanismo cristão, mas mais elevado - menos especulativo e mais pratico; menos aristocrático e mais popular; menos erudito e mais profundo e piedoso. Associa a cultura e o amor com piedade. Não condena as naturais inclinações, mas lhes modera o ímpeto. Há uma fidelidade à essencial bondade da criatura humana.Este humanismo devoto se desenvolve paralelo à reforma Católica.
a) A pessoa e os escritos → um dos mestres mais importantes da espiritualidade moderna, ao lado de santa Teresa, São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola e Santo Afonso Maria de Liguori. Em sentido restrito, não há escola salesiana, mas por si só o santo foi uma escola de espiritualidade → espiritualidade e senso preciso da doutrina espiritual atraente para tantas pessoas.
Terminou seus estudos em Paris (Clermont), escola dos jesuítas. Antes de sua ordenação, começou sua atividade missionária ou de conversão entre os calvinistas → o que continuou depois da ordenação (1593). Foi o bispo de Annecy → estimado diretor de alma,através da palavra e da direção direta dos espíritos escolhidos, como os simples e sem cultura. Este conteúdo este reunido em suas 2000 cartas (epistolário).
Com Santa Joana Francisca de Chantal é fundador do Instituto da Visitação (mais de 130 casas, em 1665, quando Sales foi canonizado). Foi singular sua canonização - quatro anos depois de sua morte. Pio IX o declarou doutor da Igreja e Pio XI, patrono o estampa católica, em 1923.
Modelo de bondade, humildade e tenacidade, com sincera piedade e devoção - profunda vida espiritual e fecundo apostolado.
Escritos - edição oficial de Annecy (1892-1932), com 26 volumes. A introdução à vida devota - ascética. Tratado do amor de Deus - tratado orgânico de sua doutrina espiritual, para citar algumas das muitas obras.
b) a doutrina espiritual salesiana - pontos fundamentais:
1-sentido do fim, seja, vocação acertada, conforme o chamado divino;
2- o fim supremo é a perfeição, não por uma moral puramente humana, mas santificação em Deus sem busca de si;
3- saber certo onde a pessoa onde se encontra - caso tenha caído, voltar logo para Deus - conhecer-se a si mesmo, para crescer na confiança de Deus - oração e vida são uma coisa única;
4- imitação de Jesus Cristo - entregar-se inteiramente a Ele, como Jesus se entregou ao Pai na cruz - é exigência do batismo; por isso, valido para todos - o fim de todos é o mesmo embora os caminhos sejam diversos (S.Teresa);
5 - o fim é comum e comum é também o principal inimigo - amor próprio que morre quatro horas depois da morte - esquecer o passado com uma confissão bem geral, para poder crescer nas virtudes - humildade, paciência e doçura - em vista da perfeição liberta-se da escravidão de si mesmo;
6- para todos, oração - mas, não do mesmo modo - a mulher, por Exemplo, que vive no mundo, deve dedicar à oração somente o tempo que os deveres de estado permitem. A oração é fim e meio. Meio para crescer no amor; fim, porque é respiração do amor;
7- exercício da presença de Deus → pressuposto de toda a oração; 8- Deus é presente como objeto de conhecimento e de amor - confiar-se nas mãos de Deus;
9- insiste sobre os aspectos positivos da experiência mística, como faz também Santa Teresa. Ele chama de renuncia ao primeiro trabalho de purificação, para caminhar na direção da santidade, como resposta à graça de Deus.
c) influencia da espiritualidade salesiana → sobre o Instituto da Visitação e em quase todos os outros autores franceses do seu tempo. Opositores → berullianismo e jansenismo.
Santa Joana Francisca de Chantal (1572-1641) → “qualificada” testemunha da espiritualidade salesiana. Seu Instituto viveu nesta espiritualidade. Na ascética, Santa Joana propôs como meios de santificação → a morte do próprio eu e a oração. Na mística → simples entrega nas mãos de Deus.
Jean Pierre Camus (1584-1625) → ordenado bispo por São Francisco de Sales (1609). Seus últimos anos passou num hospital de Paris, com pessoas incuráveis → por caridade, pobreza e penitencia. Escreveu muitas obras de espiritualidade e vida cristã.

8.4.1. Características gerais e processo histórico

a) Variada e original→ todas as formas de espiritualidade encontra-se na França. É difícil, porem, agrupar os escritores, porque são muito pessoais: teóricos e descritivos, místicos e ascéticos, contemplativos e ativos, religiosos e seculares.
b) Índole ascética mais que mística - predomínio literário. Porém, a espiritualidade francesa é moderada e equilibrada, evitando extremismos.
c) Psicológica e moralista - conhecimento profundo do coração humano, como proposta à perfeição cristã.
d) Amor, como tema central - puro amor de Deus - alguns caíram no quietismo. Temas → doutrina do Verbo Encarnado; mistério de Cristo; perfeição sacerdotal; pratica e valor das virtudes; culto á humanidade de Cristo e do coração de Jesus e de Maria.

8.4.2. Linhas de seu desenvolvimento

No tempo da Reforma, o processo histórico da espiritualidade francesa se manteve em sintonia com a mesma Reforma católica francesa. Depois da “guerra das religiões”, a verdadeira Reforma teve seu êxito. Em linhas gerais, a espiritualidade francesa procede lentamente sal gestação, no decorrer do século XVI.No fim do século, acentuou-se um empenho maior pela espiritualidade.Com São Francisco de Sales abre-se o tempo de maior esplendor e da máxima difusão da espiritualidade francesa.


9. INACIO DE LOYLA (1491-1556)

9.1. Espiritualidade inaciana

9.1.1. Fontes e origem

Inácio de Loyola — Soldado na província de Guipuzcon. Ferido numa perna inicia a leitura do livro da Vida de Cristo de Ludolfo de Sassonia e da Legenda de Ouro de Giacomo de Voragine. Mudou sua vida radicalmente. Santo Inácio funda a Companhia de Jesus e de uma nova forma a vida religiosa.
Inácio de Loyola inaugura uma espiritualidade típica e original, no modo particular de entrar em contato com Deus e viver a mensagem evangélica. As regras são modernas e revolucionárias. Através dos Exercícios espirituais, Inácio de Loyola procura ajudar as pessoas a descobrir a vontade de Deus.
Em Maresa (1552), Inácio iniciou os “exercícios espirituais” (já se tem estudado passo a passo os exercícios). São para converter ou conquistas as almas, mas para ajudá-las. Logo ficou eleito geral da Companhia. Antes de morrer, fez a redação final das Constituições. O problema básico das constituições: pessoa e comunidade; lei e liberdade, com obediência. Trabalho apostólico e vida religiosa ou monástica. Escreveu muitas cartas religiosas e leigas (mais de 7000). É difícil compreender os exercícios sem o Epistolário — ficam esclarecidos os conceitos de devoção, discrição, instrumentos de Deus, graça perfeita, divino respeito, sentir com a Igreja, maior glória de Deus.
Mais pessoal é seu diário espiritual, pobreza da Companhia e graças místicas recebidas. Outra obra é sua Autobiografia. Ele se apresenta como peregrino — misto de mística e ascética. Mestre da espiritualidade ascética, mas que viveu uma intensa vida mística.

9.1.2. Os exercícios espirituais

Sob a inspiração do Espírito Santo, Santo Inácio dá início em 1534 ao primeiro esboço dos exercícios espirituais, que foram aprovados em 1548, pelo Papa Paulo III.
Os exercícios são compostos de quatro semanas. Em 1539 foram feitos em grupo. No inicio os exercícios eram para pessoas que já viviam a fé de maneira firme — mais tarde foram oferecidos a diferentes pessoas.

1. Semana: Purificar a alma para discernir a vocação. Voltar-se a Deus como criador. O pecado reflete sobre o intelecto e a vontade.
2. Semana: Reflexão pessoal, sobre a vida de Cristo até o domingo de Ramos. levá-lo a fazer uma escolha diante do chamado de Deus. Supõe-se que no final da segunda semana o "exercitante" tenha feito sua escolha.
3. Semana: Adaptados a realidade das pessoas. Meditação da Paixão e morte de Cristo. Contanto com a graça para levar adiante a sua escolha.
4. Semana: O orientador não deve influenciar nas escolhas do que esta se exercitando. A meditação da ressurreição até a Ascensão. Para o crescimento são oferecidos três tipos de oração mental:

- Sobre os pecados capitais
- Uma meditação sobre uma palavra
- Buscar inspiração enquanto recita o Pai nosso e a Ave Maria.

O Papa Bento XV (1920) proclamou Santo Inácio patrono dos retiros espirituais.
Santo Inácio recordava continuamente que o homem deve cooperar com a graça de Deus. Nos exercícios podemos dizer que é um combate espiritual contra o próprio pecado.
Com seus exercícios ouve um crescimento da espiritualidade cristã. É sem dúvida, um método para a oração mental.
Santo Inácio foi como S. Domingos, São Francisco um fundador, mas deu um novo impulso para o anuncio do Evangelho.

9.1.3. Características fundamentais

Propõe às almas de boa vontade uma formula, para alcançar a perfeição em qualquer estado de vida, mas, sobretudo, aos da própria família religiosa. Características, precisão e direção; adaptação e docilidade; espiritualidade da ação; espiritualidade de luta e de serviço, porque a vida é um serviço a Deus e a Igreja; acentuadamente ascética. Exame de consciência e orações definindo segundo as regras bem definidas. A disciplina ascética ainda prevê o domínio da própria índole e a perfeição obediência — elevação e sublimação da personalidade. Isto possibilita a contemplação e a vida interior — base da atividade apostólica.

8.1.4. Elementos essenciais

- Teocentrismo teológico: serviço de Deus e sua maior glória — para maior glória de Deus;

- Cristocentrismo pedagógico — porque é Cristo que conduz ao Pai — os exercícios são para contemplar a vida de Cristo e, assim, poder seguí-lo. Ele é a norma suprema. Inácio considera indispensável à prova das dores e das aflições de Cristo.
- Sagrado Coração de Jesus: ajuda a formar o cristocentrismo. É o apostolo da oração;

- Espírito mariano; se a necessidade apostólica impõe a moderação na penitência, insistência na disciplina interior e modéstia exterior;

- Obediência — pronta, generosa e perfeita;

- Contemplação na ação — a vida de contemplação e de estudo prévio ao apostolado e de se supor em todo membro da Companhia. A contemplação e a união devem ser concomitantes á ação apostólica — encontrar Deus em todas as coisas. Contemplação infusa pela ação perfeita.

8.1.5. Evolução histórica e influência

A espiritualidade inaciana deu grande impulso na vida religiosa de todas as nações ocidentais e das terras de missão. América e Ásia. Além disso, os muitos escritos espirituais marcaram época. A própria Companhia se difundiu rapidamente em todas as nações e muito contribuiu com a Reforma. Enquanto outras ordens religiosas e escolas de espiritualidade começam a decair, no século XVI, a escola inaciana continuou a crescer e a desenvolver-se sempre mais. Apesar da preponderância da ascética sobre a mística, surgiram duas tendências nem sempre concordes entre si:

- Maior rigidez na ascética, contra os excessos de um falso misticismo, que desprezava os exercícios espirituais;
- Tendência mística. O equilíbrio entre as duas correntes se restabeleceu com a intervenção do Geral Clúdio Aquviva, na famosa carta Quis sit orationis et paenitenciarum usus in Societate (1599). A mística teórica encontrou sempre maior número de adeptos, na espiritualidade inaciana, que a mística prática.

8.1.6. Evolução e declínio: 1600-1650

No século XVII é considerado como o século da decadência da Espiritualidade tanto na Espanha como na Itália. A decadência foi mais na qualidade do que na quantidade. Assinalaremos algumas características de modo especial da Espanha.


9. VIDA DE SANTA TEREZA (1515-1582)

Mestra da oração e reformadora do Carmelo. Nasceu em Ávila e se consagrou a Deus quando criança. Aos quinze anos perdeu a mãe e foi mandada para o colégio das irmãs agostinianas. Terminou o período escolar já em idade madura. Entrou no Carmelo da Encarnação. Com mania de perfeição tornou-se enferma. Saiu do Carmelo para ser curada numa cidade vizinha. A tentativa de cura foi desastrosa. Foi levada à casa paterna quase morta. Recuperou a saúde, mas não pode retornar ao Carmelo por um longo período. Atribui a sua cura a São José e depois nutriu uma profunda devoção por meio do santo.
Depois de contemplar uma imagem de Cristo Ecce Homo, Tereza transformou-se completamente. Seus diretores, o dominicano Pe. Barrón e Pe Baldassarre Alvarez foram importantes em sua vida. Mais tarde passou três anos na casa de uma viúva, que também a ajudou muito.
Naquele tempo a lei da clausula não era levada a sério. Muitas monjas não comungavam, e não levavam a sério a vida comunitária. Em 1560 Tereza e poucas companheiras sentiram a necessidade de uma reforma da vida carmelitana. Foi chamada a guiar o grupo. O primeiro mosteiro foi posto sob o patrocínio de São José. Foram construídos vários Carmelos em toda a Espanha. Tereza recebeu muitas críticas, mas sempre teve seus amigos e protetores. Por outro lado, não faltaram as graças místicas. Morreu no dia 4 de outubro, no ano 1582.
Como mestra da oração, Santa Tereza de Jesus não se iguala a ninguém. Quase todos mestres de oração inspiraram nos escritos da santa. Nesta época, havia influencia do misticismo arábico-espalhol, com tendências heterodoxas, como também, o iluminismo dos alumbrados, ou seja, os iluminados. A santa corria o risco de ser censurada pela Inquisição, coordenada neste período pelo domenicano, Melchior Cano.
Para Santa Tereza, a santidade não consiste nas coisas extraordinárias, mas fazer de modo extraordinário as coisas extraordinárias. A santidade consiste no conformar-se completamente com a Vontade de Deus. O poder do amor perfeito consiste em renunciar a nós mesmos para fazer aquilo que dá prazer a Deus. O caminho mais seguro é a obediência, através da qual nós renunciamos completamente à nossa vontade e a submetemos totalmente a Deus. Para adquirir a santidade os meios são: a comunhão, a humildade, a obediência e a caridade fraterna, a pobreza, mas, sobretudo o amor de Deus.
Santa Tereza está ligada com outro grande místico espanhol, São João da Cruz. A vida, o trabalho e a doutrina de ambos estão sempre juntas.

9. 1. Obras de Santa Tereza de Jesus

O caminho da perfeição é uma de suas obras que fala da oração. Vejamos uma pequena síntese:

“O Caminho da Perfeição é um livro de formação espiritual, escrito por Santa Teresa para as suas monjas. É o primeiro livro formativo escrito pela Madre Fundadora. Ela própria, no prólogo dá razão da origem da sua obra. Entre os méritos literários e pedagógicos da obra, são dignos de realce três:
1 - Estilo coloquial. Santa Teresa escreve falando com as leitoras, dialogando como se estivesse no capítulo conventual ou no recreio.
2 - A Santa tem preocupação permanente de adaptação á vida. Parte da própria experiência para servir de ligação para conectar a sua vida com a do grupo.
3 - As linhas mestras do seu magistério espiritual são: amplos horizontes eclesiais para alicerçar a própria vida espiritual sem limitações; virtudes e atitudes concretas, inspiradas no Evangelho que sirvam de húmus propício à oração e à vida interior; vida contemplativa do grupo à volta de Cristo, mestre de oração adaptando, como manual de base, a lição do Pai-nosso.
Tudo isto, impregnado de um sentido permanente de Deus que chega como um fluido, ao leitor dos nossos dias”.

9.2. Síntese do livro Caminho da Perfeição

CAPITULO 1: Da causa que me moveu a fazer este convento com tanta estreiteza.
CAPITULO 2: Trata como se hão de descuidar das necessidades corporais, e do bem que há na pobreza.
CAPITULO 3: Prossegue no assunto que começou a tratar e persuade as irmãs a que se ocupem sempre em suplicar a Deus que favoreça os que trabalham pela Igreja – Termina com uma exclamação.
CAPITULO 4: Que se guarde a regra e três coisas importantes para a vida espiritual.
CAPITULO 5: Prossegue acerca dos confessores. Diz o que importa que sejam letrados.
CAPITULO 6: Volta à matéria que iniciou no capítulo quarto: o perfeito amor
CAPITULO 7: Trata do mesmo assunto do amor espiritual e dá alguns avisos para o alcançar.
CAPITULO 8: Trata do grande bem que é o desprendimento interior e exterior de todas as coisas.
CAPITULO 9: Trata do grande bem que há em fugir dos parentes e dos verdadeiros amigos que encontram.
CAPITULO 10: Trata de como não basta desprender-se do que fica dito, mas sim de nós mesmas, e de como anda junta esta virtude com a humildade.
CAPITULO 11: Prossegue na mortificação e diz a que se há de adquirir nas enfermidades.
APITULO 12: Trata como há de ter em pouco a vida e a honra o verdadeiro amador de Deus.
CAPITULO 13: Prossegue na mesma matéria da mortificação e como se há de fugir dos pontos de honra e das razões do mundo para chegar à verdadeira razão.
CAPITULO 14: Trata do muito que importa não dar a profissão a nenhuma que não tenha espírito bom.
CAPITULO 15: Trata do grande bem que há em não se desculpar, ainda que se vejam condenar sem culpa.
CAPITULO 16: Trata da diferença que deve haver entre a perfeição da vida dos contemplativos e dos que se contentam com oração mental, e como é possível algumas vezes Deus subir uma alma distraída à perfeita contemplação e a causa disso.
CAPITULO 17: De como nem todas as almas são para a contemplação e como algumas chegam a ela tarde e que o verdadeiro humilde há de ir contente pelo caminho por onde o levar o Senhor.
CAPITULO 18: Prossegue na mesma matéria e diz quanto maior são os trabalhos dos contemplativos do que os dos ativos. – É de grande consolação para eles.
CAPITULO 19: Começa a tratar da oração. – Fala com almas que não podem discorrer com o entendimento.
CAPITULO 20: Trata de como, por diferentes vias, nunca falta consolação no caminho da oração, e aconselha as irmãs a que disto sejam sempre as suas práticas e conversações.
CAPITULO 21: Diz o muito que importa começar com grande determinação a ter oração e não fazer caso dos inconvenientes que o demônio sugere.
CAPITULO 22: Declara o que é oração mental.
CAPITULO 23: Trata de quanto importa não voltar quem começou o caminho da oração e volta a falar do muito que importa que seja com determinação.
CAPITULO 24: Trata de como se há de rezar com perfeição a oração vocal e quão junta anda esta com a mental.
CAPITULO 25: Diz o muito que ganha uma alma que reza vocalmente com perfeição e como acontece Deus elevá-la disto as coisas sobrenaturais.
CAPITULO 26: Vai declarando o modo de recolher o pensamento. – Dá meios para isso.
CAPITULO 27: Trata do grande amor que o Senhor nos mostra nas primeiras palavras do Pai Nosso.
CAPITULO 28: Declara o que é oração de recolhimento e dá alguns meios para se acostumarem a ela.
CAPITULO 29: Prossegue dizendo os meios a empregar para procurar esta oração de recolhimento. Diz do pouco em que se há de ter o ser favorecido pelos prelados.
CAPITULO 30: Diz quanto importa entender o que se pede na oração.
CAPITULO 31: Prossegue na mesma matéria – Declara o que é oração de quietude – Dá alguns avisos para os que a têm.
CAPITULO 32: Trata das palavras do Pai Nosso:
CAPITULO 33: Trará da grande necessidade que temos de que o Senhor nos dê o que pedimos nestas palavras do Pai Nosso: “O Pão nosso de cada dia nos daí hoje”.
CAPITULO 34: Prossegue na mesma matéria – É muito útil para depois de se ter recebido o Santíssimo Sacramento.
CAPITULO 35: Acaba a matéria começada com uma exclamação ao Pai Eterno.
CAPITULO 36: Trata destas palavras do Pai Nosso:
CAPITULO 37: Fala da excelência da oração do Pai Nosso e como acharemos nela consolação de muitas maneiras.
CAPITULO 38: Trata da grande necessidade que temos de suplicar ao Pai Eterno que nos conceda o que Lhe pedimos.
CAPITULO 39: Prossegue na mesma matéria e dá avisos sobre a tentação e propõe remédios para se livrar delas.
CAPITULO 40: Diz como, procurando andar sempre em amor e temor de Deus, iremos seguros entre tantas tentações.
CAPITULO 41: Fala do temos de Deus e como nos havemos de guardar dos pecados veniais.
CAPITULO 42: Trata destas últimas palavras do Pai Nosso: “Mas livrai-nos do mal. Amém”.

Outra obra famosa e clássica da Teologia Espiritual é o Castelo interior, ou As moradas. Vejamos uma pequena síntese:


9.3. Síntese do livro: O castelo interior

Ela descreve a alma como um castelo composto de vários apartamentos ou quartos, no centro está o verdadeiro Rei, Jesus Cristo. Quando a alma progride na prática da oração, passa de um apartamento ao outro até chegar no último, num movimento sempre direcionado ao centro. Depois de passar por sete apartamentos, eis que se chega ao objetivo final. Fora do castelo existem trevas e escuridão, como também lama. Quando a alma se desapega das criaturas, passando pela porta do castelo, inicia a grande aventura da oração. Os primeiros apartamentos a pessoa passa por uma experiência de uma oração ativa e ascética. As últimas quatro são a alma passa por um estado no qual se experimenta a oração passiva e mística.
Nos primeiros três apartamentos a oração mental é o modo de relacionar com Aquele que sabemos de seu imenso amor por nós. Trata-se de um diálogo amoroso com Deus que nos ajuda no progresso da vida espiritual. Sob a inspiração do Espírito Santo a alma descobre o melhor modo de orar, procura conhecer melhor a si mesmo, adquire humildade, caridade fraterna, é motivado a ter uma boa direção espiritual, amizade espiritual, ascese e apostolado.
No primeiro apartamento a alma está no estágio inicial (principiante), vive em estado de graça, mas as seduções do mundo lá fora ainda são um risco. A prática de oração neste estado é puramente vocal.
No segundo apartamento a alma inicia a praticar a oração mental com convicção, apesar da freqüência de períodos de aridez e de dificuldades. Neste nesta etapa é necessário um pouco de esforço. A oração característica neste estágio é a discursiva ou meditativa. A oração não é simplesmente racional, mas terminará no amor. Aquele que tem tendência a usar muito o intelecto, Santa Tereza sugere que a pessoa converse com Cristo, num diálogo amoroso. Quanto àqueles que não conseguem concentrar na meditação, a santa pede que recite uma oração lentamente, pensando no sentido de cada palavra.
No terceiro apartamento a alma entra no último estágio da oração natural ou adquirida, a consciência da presença de Deus é assim viva que todas as faculdades estão reunidas num estado de recolhimento e de atenção a Deus. A alma procura fazer a vontade de Deus, passando da dimensão ascética para a dimensão mística.
No quarto apartamento introduz a alma no primeiro tipo de oração mística, que é a oração sobrenatural, infusa, chamada de oração de quietude.é um recolhimento infuso e passivo que consiste essencialmente numa íntima união do intelecto com Deus, assim que a alma goza da presença de Deus. A vontade é inundada do amor divino e, é unida a Deus como ao seu bem supremo. A memória e a imaginação estão ainda livres.
No quinto apartamento a alma é introduzida na oração de união, que tem vários graus de intensidade. Nesta etapa todas as potencias da alma estão em Deus. Trata-se de uma união total a Deus, pois o fim da ação divina na alma consiste na apreensão de todas as faculdades e fixá-las em Deus.
No sexto apartamento a alma entra num estágio de união estática, que é o início do matrimônio espiritual. Quando Deus conquista sempre mais o domínio sobre a alma e a inunda com a sua luz e as suas consolações, a alma experimenta a oração da união estática. Neste estágio a alma é provada de maneira mística e passiva, a chamada oração de abandono. Acompanha este estágio levitação, locuções, visões e outras manifestações.
No sétimo apartamento a alma experimenta o chamado de Cristo: “que eles sejam um como nós somos um: eu nele e ele em mim” (Jo 17, 22-23). Este é o estágio do matrimônio místico ou união transformante. A comunhão com o Pai, com Cristo, através de seu Santo Espírito é o fim de toda oração. Após finalizar estas etapas, a pessoa que as experimentam, manifestam um grande zelo pela salvação das almas. Deste modo, a oração contemplativa é coroada por um forte fervor apostólico. Como disse Santa Tereza: ‘Marta e Maria operam juntas’.


10. SAO JOÃO DA CRUZ (1542-1591)


10.1. Biografia de São João da Cruz

Nascido em Fontiveros, perto de Ávila.Tornou-se órfão tão logo que nasceu. Havia apenas alguns meses. Sua família era pobre. Foi obrigado a transferir-se para Medina do Campo, onde o jovem João trabalhou em várias profissões, enquanto freqüentava a escola dos Jesuítas de 1559 1563). Quando completou-se 21 anos entrou na Ordem dos Carmelitas e foi mandado a Salamanca para completar os estudos teológicos. Retornou a Medina do Campo para a sua primeira missa. Pensou na possibilidade de entrar na ordem dos (certosini), mas Tereza o convenceu a fazer parte da reforma carmelita.
Reformou a primeira casa dos frades Carmelitas e depois tornou-se mestre dos noviços e reitor do colégio de Alcalá. Foi também confessor das monjas carmelitas da Encarnação em Ávila. Em 1577 foi preso no convento de Toledo por nove meses. Escapou da prisão e foi morar em (Andalusia). Ainda ocupou vários cargos importantes.
A vida de São Joao da Cruz foi vivida em meio a tormentos, humilhações e calúnias. A humildade do santo era tanta que se sentiu feliz em retornar a sua vida de recolhimento e de grande solidão. Seus últimos dias foram em Ubeda, com muitos sofrimentos, no ano 1591. Foi canonizado pelo Papa Bento XIII em 1726 e declarado doutor da Igreja pelo Papa Pio XI em 1926.

10.2. As Obras de São João da Cruz

As obras maiores de São João da Cruz são: A Subida do Monte Carmelo (1579-1585); A Noite Escura da alma (1582-1585); O Cântico espiritual (1584); A Chama viva do amor (1585 e 1587).
São João da Cruz foi influenciado pela doutrina de São Tomás de Aquino, como também Dionísio e São Gregório Magno. O que mais o influenciou foi, sem sombra de dúvida, Taulero. Conheceu também as obras de São Bernardo, de Ruysbroeck, de Cassiano, dos Vitorinos, de Osuna e Santa Tereza d’Ávila.
Suas obras têm um caráter próprio. O principio fundamental de São João da Cruz é que Deus é tudo e as criaturas são nada. Portanto, para se chegar à santidade plena, a comunhão com Deus, é necessário submeter-se a uma intensa e profunda purificação de todas as faculdades e de todas as potencias da alma e do corpo. A Subida do Monte Carmelo e a Noite Escura da Alma traçam um inteiro processo de purificação. A Chama Viva e o Cântico Espiritual descrevem a perfeição da vida espiritual, na união transformante. A alma se move pela fé.
As fontes usadas por São João são: a Sagradas Escrituras a Teologia e a experiência espiritual.
Para São João, a união sobrenatural da vida mística é uma união de semelhança, fruto da graça e da caridade. Para esta união ser perfeita é necessário renunciar tudo o que não é Deus e de todos os possíveis obstáculos ao amor de Deus, para amá-lo com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com toda a força. A alma deve ser purificada em todas as potencias e faculdades, seja na ordem sensorial ou espiritual. Só assim, poderá ser iluminada pela luz da união divina. O ponto de partida é a renuncia das coisas criadas, os apetites ou desejos. O meio ou o caminho no qual a alma se move verso a união é a escuridão da fé, e o fim é Deus. A necessidade de passar através desta noite escura é devido ao fato que do ponto de vista de Deus o apego do homem às coisas criadas são pura e obscura enquanto Deus é pura luz e obscuridade não pode receber a luz (Jo 1, 5). Dois contrários não podem existir num único sujeito. A escuridão, que é o apego às criaturas, e a luz, que é Deus, são contrários; é impossível estar na alma ao mesmo tempo.
São João da Cruz explica que alma deve mortificar os seus apetites ou concupiscências e deve caminhar com fé através da purificação ativa dos sentidos e do espírito. O método de purificação é muito simples: estude a vida e as obras de Cristo e trate de comportar de acordo com Ele.
No segundo livro da Subida ao Monte Carmelo, São João da Cruz trata da noite ativa do espírito. Afirma que a purificação do intelecto, da memória e da vontade se efetua através da operação das virtudes da fé, da esperança e da caridade. A fé é a noite escura através da qual a alma deve passar par conseguir a união com Deus. Voltando à prática da oração, dá três indicações para que a alma reconheça a sua passagem da oração meditativa à oração contemplativa. Primeiro, é impossível meditar como se era habituado a fazer; segundo, não existe mais pequeno desejo de concentrar-se sobre qualquer coisa em particular; terceiro, existe um grande desejo de Deus e de solidão.
As purificações passivas são explicadas na Noite escura. Neste estágio Deus leva a cumprimento os esforços da alma para purificar-se a nível sensorial e nas suas faculdades espirituais. A alma é conduzida gradualmente à contemplação escura, que Pseudo-Dionisio descreve como um raio de obscuridade e São João da Cruz chama de ‘Teologia mística’. A contemplação mística é toda deliciosa, porque a razão causa sofrimento quando a luz divina da contemplação atinge a alma não ainda purificada, e causa obscuridade espiritual porque essa não só transcende a compreensão humana, mas a priva das suas operações intelectuais.
Todavia, também no curso desta obscura e penosa contemplação a alma pode ver os raios de luz que anunciam o início de uma nova aurora.
No Cântico dos Cânticos São João da Cruz descreve a ansiosa busca de Deus e o último encontro de amor, usando o símbolo da esposa que procura o esposo e, finalmente une perfeitamente com o amado. Deus atrai a alma a si como uma potência magnética atrai a partícula metálica e o caminho da alma verso a Deus é sempre mais doce, fino a conquistar o supremo abandono e o gozo da união com Deus, a mais íntima união possível nesta vida: o matrimônio místico da união transformante.
Na Chama do Amor vivo São João descreve a sublime perfeição do amor no estado da união transformante. A união entre a alma com Deus é assim intima que é singularmente próxima à visão beatífica, assim próxima que só um sutil véu o separa. A alma pede ao Espírito entrar na contemplação e na perfeita glória. A alma é assim próxima a Deus a ser transformada numa chama de amor, da qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo comunicam com ele, gozo antecipada da vida eterna.
É, portanto possível que, numa alma assim examinada, purificada e provada no fogo da tribulação, das provas, de todo o gênero de tentações, e sendo reunida a uma estável fidelidade no amor, se cumpre a promessa do Filho de Deus, a promessa que a beatíssima Trindade verá a ela e habitará em quem ama (Jo 14, 23). A Santíssima Trindade inabitará na alma ilumina divinamente o seu intelecto coma sabedoria do Filho, delicia a sua vontade do Espírito Santo e a absorve potente e fortemente no delicioso da ternura do Pai.
Santa Tereza e São João da Cruz, juntos, têm dado à Igreja uma doutrina espiritual que não foi superada. Vale a pena retornar a estas experiências espirituais para melhor viver a nossa vida cristã.


BIBLIOGRAFIA

J. AUMANN, Sommario di storia della spiritualitá, Napoli 1985.
J. LAPLACE, Exercícis espirituais de 30 dias, São Paulo 1988.
J DE LA CRUZ, Obras completas, Madrid 1993.
S. DE FIORES, A Nova Espiritualidade, Sao Paulo 1999.
E. STEIN, Sciencia crucis, Roma 1982.
F. R. SALVADOR, Compêndio de Teologia espiritual, São Paulo 1996.
E. PACHO, Storia della Spiritualitá moderna, Roma 1984.
L. BOUYER, La Spiritualitá dei Padri,Bologna 1999.
C. LAUDAZI, Temi fondamentali di spiritualitá, Roma 2000.
SERVILIO CONTI, O Santo do dia, Ed. Vozes, Petrópolis 1983.
L. P. WAGNER, Síntese da Apostila Esame “de Universa”.

EXAME FINAL


1. O que é espiritualidade?
2. Escolha um texto bíblico e escreva sobre a Espiritualidade da Aliança.
3. Fale um pouco sobre o Martírio.
4. Fale sobre a vida de Agostinho.
5. Escreva cinco regras de São Bento.
6. Quais as características principais da espiritualidade franciscana?
7. Comente sobre os Exercícios Espirituais de Santo Inácio.
8. Faça um breve resumo do livro Caminho da perfeição de Santa Tereza.
9. Qual é a doutrina de São João da Cruz.


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